ODS15

Na Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados da América do Sul, o futuro da anta brasileira está em risco

Atualmente, ouvir dizer que uma espécie está em risco de extinção é corriqueiro. No caso da anta brasileira (Tapirus terrestris), está cientificamente comprovado que quase 100% das populações ainda existentes na Mata Atlântica da América do Sul correm risco de desaparecer no futuro próximo. A conclusão é do estudo The distribution and conservation status of Tapirus terrestris in the South American Atlantic Forestpublicado recentemente na revista Neotropical Biology and Conservation https://neotropical.pensoft.net/article/71867/ .

Os pesquisadores envolvidos alertam para a urgência da implementação de medidas que possibilitem o restabelecimento da conectividade entre as 48 populações identificadas, de forma a viabilizar a conservação da espécie no longo prazo. A espécie – conhecida como jardineira das florestas – tem um papel central na conservação da biodiversidade, por ser extremamente efetiva na dispersão de sementes de diversas plantas. Atualmente, a anta ocupa apenas 1,78% de sua distribuição original no bioma Mata Atlântica (encontrado no Brasil, Argentina e Paraguai), o que representa uma grande ameaça para o maior mamífero terrestre da América do Sul.

Todas essas informações estão no artigo assinado por Kevin Flesher, pesquisador do Centro de Estudos da Biodiversidade, Reserva Ecológica Michelin, Bahia, e Patrícia Medici, coordenadora da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, projeto do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, e presidente do Tapir Specialist Group (TSG) da International Union for Conservation of Nature (IUCN), Species Survival Commission (SSC).

“Das 48 populações localizadas durante o estudo, entre 31,3% e 68,8% são demograficamente inviáveis (baixo número de indivíduos) e entre 70,8% e 93,8% das populações são geneticamente inviáveis (baixo fluxo gênico). Apenas 3-14 populações são ainda viáveis no longo prazo, quando considerados ambos os critérios. As evidências sugerem que com ações de conservação apropriadas, a anta brasileira poderia estar amplamente distribuída pela Mata Atlântica”, destaca Kevin Flesher.

Durante 15 anos (2005 a 2020), Kevin Flesher visitou 93 reservas na Mata Atlântica e analisou 217 compilações de dados e informações enviadas por especialistas com o objetivo de levantar dados para subsidiar ações de conservação focadas na sobrevivência da espécie no bioma.

Segundo o estudo, os estados de São Paulo e Paraná têm o maior número de populações remanescentes, 14 e 10, respectivamente. As duas maiores populações são encontradas na Província de Misiones, na Argentina (entre 1.000 e 6.000 indivíduos) e nas reservas contíguas do Iguaçu, no Paraná, e Turvo, no Rio Grande do Sul (entre 316 e 1.896 indivíduos). “Até onde foi possível investigar, não existem evidências de movimentação de antas entre as populações. Esses fragmentos de floresta estão imersos em uma paisagem bastante alterada,” revela Medici.

Para os pesquisadores, a distância entre os fragmentos por si só não justifica a dificuldade. “A anta é uma espécie bastante capaz de percorrer longas distâncias, de 3 a 9 km/dia, mas a questão central está na ocorrência de diversas ameaças. Por conta da pressão de caça – principal causa histórica do declínio das antas no bioma – e dos atropelamentos em rodovias, esse animal desapareceu de seu habitat adequado em grande parte de sua distribuição, o que compromete as expansões populacionais e a conectividade interpopulacional, mesmo quando as distâncias entre as populações são pequenas,” pontua Flesher.

Quanto às rodovias, em especial, trata-se de um obstáculo bastante limitante no que diz respeito ao acesso das antas a florestas com habitat adequado. “Por exemplo, o intenso tráfego da rodovia BR-101 (que atravessa a Mata Atlântica brasileira de norte a sul) é uma armadilha mortal para a vida selvagem. Antas morrem regularmente em tentativas de travessia. Atropelamentos também estão entre as principais causas de mortalidade de antas no Parque Estadual Morro do Diabo, no extremo Oeste Paulista,” exemplifica Medici.

O licenciamento e construção de rodovias e o consequente aumento do tráfego de veículos representam ameaça inclusive para as maiores populações com potencial de persistência de longo prazo, como aquelas encontradas na Província de Misiones, na Argentina, e na Serra do Mar, no sudeste/sul do Brasil. “Atropelamentos são importante causa de mortalidade em seis das oito reservas onde rodovias atravessam populações de anta, e a expansão da malha viária do país ameaça causar fragmentação populacional em pelo menos quatro populações: (Sooretama/FIBRIA/Vale, Espírito Santo; Parque Estadual da Serra do Mar, Serra Paranapiacaba / Jurupará, São Paulo; Corredor Verde Misiones, Argentina),” ressalta Flesher.

Encontrar maneiras que permitam às antas atravessar rodovias com segurança é uma prioridade urgente para a conservação. “Sem uma mudança fundamental no apoio às áreas de conservação, não há garantia para o futuro da anta bem como de outras espécies na Mata Atlântica,” afirma Flesher. A perda de uma única anta tem alto impacto sobre a população. “As antas têm baixo potencial reprodutivo, incluindo um ciclo reprodutivo bastante longo com o nascimento de um único filhote após uma gestação de 13-14 meses e intervalos entre nascimentos de até três anos. Nossas simulações populacionais mostram claramente que no caso de pequenas populações, mesmo a perda de um único indivíduo/ano pode levar rapidamente à extinção local de uma população,” diz Medici.

“A despeito de todos os desafios ainda presentes para a conservação da anta, a grande maioria das populações parece estar estável ou aumentando e o status da espécie na natureza é melhor quando comparado aos primeiros esforços para proteger a espécie algumas décadas atrás,” finaliza Kevin Flesher.

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