ODS16

"Não vemos interesse do Estado em encontrar Bruno e Dom Philips", dizem indígenas do Javari

Por Murilo Pajolla para o Brasil de Fato –

Lideranças ouvidas pelo Brasil de Fato cobram sobrevoo da região e explicam quem são os detidos pelo desaparecimento

As buscas pelo indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips entraram nesta quarta-feira (8) no terceiro dia. Com protagonismo dos povos indígenas, a varredura pelos rios Javari, Itaquaí e Ituí tem participação da Funai, Polícia Federal, Exército e Marinha. Embora três suspeitos de envolvimento tenham sido presos, os recursos empregados pela força-tarefa têm sido apontados como insuficientes para encontrar a dupla, desaparecida desde domingo (5) na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas.

Brasil de Fato ouviu três lideranças indígenas da região. Sob anonimato, eles apontam omissão na atuação dos órgãos federais. Segundo eles, a vastidão da TI, a segunda maior do Brasil, torna imprescindível o sobrevoo da área. Sem isso, as chances de sucesso na localização diminuem a cada dia, enquanto aumenta a angústia de familiares, amigos e colegas de trabalho de Bruno e Dom.

Segundo divulgou a Marinha, um helicóptero está sendo empregado na operação, além de uma moto aquática. Mas indígenas que percorrem o território com esperança de localizar os desaparecidos afirmam não terem visto o sobrevoo.

“Essas ações que estão tendo aqui [de buscas] não estão sendo de aeronave. Não está sendo utilizado helicóptero. Essa busca ativa está sendo feita pelas embarcações das autoridades e da Univaja [União dos Povos Indígenas do Vale do Javari]”, afirma uma liderança.

“Não vemos interesse”

Outro indígena concorda com a necessidade da busca aérea: “Deveria ter um helicóptero sobrevoando aquela área onde eles desapareceram. Todas as associações indígenas estão fazendo busca, conforme a nossa sabedoria de rastrear a trilha por onde percorreram, conforme nossa cultura. Temos esperança de encontrá-los com vida”.

Um terceiro indígena diz não acreditar que as buscas darão resultado. “Nós não vemos um interesse deles [autoridades] de botar para valer. Eu vejo que eles, mais uma vez, não vão fazer nada. Mas a gente vai botar pressão para que a gente consiga prender esses indivíduos. Esses malditos, esses bandidos, esses canalhas que ficam eliminando ou excluindo a vida das pessoas”, afirmou.

À reportagem, um habitante da TI diz que o Vale do Javari está entregue aos crimes ambientais, por isso os indígenas montaram estruturas próprias de fiscalização. “É uma área muito grande e eles nunca conseguiram realmente pegar os infratores que invadem as terras indígenas. É só quando tem um desaparecimento como esse, que a força policial sai para fazer busca”, descreveu.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Defesa reafirmou ter enviado um helicóptero para a região na terça-feira (7). A Funai acusou recebimento das perguntas, mas não encaminhou resposta.

Quem são os detidos

Até agora, três pescadores ilegais foram detidos suspeitos de envolvimento no desaparecimento da dupla. Na terça-feira (6), a Polícia Federal (PF) comunicou a prisão de dois homens, um conhecido como “Churrasco” e outro identificado como Jâneo. Segundo as organizações indígenas, ambos foram levados à delegacia de Atalaia do Norte e, na sequência, liberados. Um terceiro suspeito, conhecido como “Pelado”, foi preso na terça-feira (7) na comunidade ribeirinha São Gabriel, no rio Itacoaí. “Pelado” portava munições de uso restrito e drogas, conforme informou à reportagem a Polícia Militar (PM) do Amazonas.

Um indígena que trabalhava ao lado de Bruno Pereira no dia do desaparecimento afirma que “Pelado” e Jâneo haviam ameaçado a equipe de monitoramento, incluindo o indigenista da Funai e o repórter do jornal britânico The Guardian, quando cruzaram caminhos no sábado (4), um dia antes do desaparecimento. “Eles [‘Pelado’ e outro pescador] levantam duas armas dizendo para os indígenas: ‘vocês vão levar tiros’”, relatou ao Brasil de Fato.

“Nós chegamos à nossa base [de fiscalização], em frente a um lago de nome Jaburu. O senhor ‘Pelado’ passa beirando a nossa canoa com uma cartucheira de mais ou menos uns 30 cartuchos. Nós fizemos o vídeo e fizemos fotos. O repórter [Dom Philips] tirou foto e filmou. Todo o material estava em nossas mãos para tentar incriminar esse invasor”, contou a testemunha.

Outro detido, “Churrasco”, é o homem com quem Pereira e Philips se encontrariam na comunidade São Rafael, na manhã do desaparecimento. “Quando ele [Bruno] chega às 6h ou 6h20, mais ou menos, nessa comunidade, o senhor ‘Churrasco’ não estava. E ele só encontra a mulher do ‘Churrasco’, segundo relatos. A senhora oferece um gole de café e um pão. Ele toma café e o pão com o jornalista [Dom Philips] e em seguida segue viagem”, relatou o indígena.

Autoridades federais negaram planejamento conjunto com indígenas

Além de criticar a falta de infraestrutura logística disponibilizada na operação, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) apontou a falta de diálogo entre órgãos federais que atuam nas buscas e representantes dos indígenas, que conhecem a região melhor do que ninguém.

Em nota publicada na terça-feira (7), a entidade afirma ter convocado as instituições envolvidas para participar de uma reunião, com objetivo de elaborar um planejamento conjunto. O encontro realizado na própria terça, no entanto, teve a participação apenas de seis policiais militares do Amazonas.

“Assistimos uma vez mais o atual Governo Brasileiro se omitir de suas responsabilidades diante da escalada de violência contra os povos indígenas e defensores de direitos humanos no Brasil”, diz o comunicado da Univaja, assinado conjuntamente com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi).

“Embora tenha sido instado a colaborar com um efetivo de 25 militares, o exército brasileiro até o presente momento não disponibilizou nenhum efetivo para a operação. A Polícia Federal, da mesma forma, deslocou um único delegado para Atalaia do Norte, junto com oficiais da Marinha que se deslocaram ainda ontem [segunda, 6] para Atalaia. Ressaltamos que não foi constituída uma Força-Tarefa para as operações de busca”, destaca a nota.

Edição: Felipe Mendes

*Crédito da imagem destacada:O repórter Dom Philips (à esq.) e o indigenista Bruno Pereira (à dir) – Divulgação/Funai

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