As negociações secretas entre J. F. Kennedy e Fidel Castro

John F. Kennedy. Foto: http://en.wikipedia.org/
John F. Kennedy. Foto: http://en.wikipedia.org/

White Pains, Estados Unidos, janeiro/2015 – No dia do assassinato do presidente John F. Kennedy (JFK), 22 de novembro de 1963, um de seus emissários manteve uma reunião secreta com o líder cubano Fidel Castro na praia de Varadero, em Cuba, para discutir as condições que poriam fim ao embargo dos Estados Unidos contra a ilha e que iniciariam o processo de distensão entre os dois países.

Isso foi há mais de 50 anos e agora, finalmente, o presidente Barack Obama retoma o processo de converter o sonho de JFK em realidade mediante o restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba.

Essas conversações clandestinas na residência de veraneio de Castro em Varadero aconteciam há meses, tendo evoluído junto com a melhoria nas relações com a União Soviética, depois da crise dos mísseis em Cuba de 1962.

Durante essa crise, JFK e o líder soviético, Nikita Kruschov, os dois enfrentados com seus próprios militares de linha dura, desenvolveram um respeito mútuo, inclusive cordial, um pelo outro. Um pacto secreto entre eles aplainou o caminho para a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba e dos mísseis Júpiter norte-americanos da Turquia, dessa forma salvando a honra dos dois lados.

Castro, por sua vez, estava furioso porque os russos ordenaram a retirada dos mísseis sem consultá-lo. Após a crise, Kruschov convidou o ressentido Fidel à Rússia para suavizar a ira do líder cubano.

Ambos passaram seis semanas juntos, enquanto o líder russo insistia com Fidel para que buscasse a distensão e a paz com o presidente Kennedy.

“Meu pai e Fidel desenvolveram uma relação de mestre e discípulo”, escreveria mais tarde Sergei, filho de Kruschov.

Este último queria convencer Castro de que JFK era digno de confiança.

O próprio Fidel recordou que “durante horas” Kruschov “me leu muitas mensagens do presidente Kennedy, às vezes entregues por Robert Kennedy”. Castro voltou para Cuba decidido a buscar o caminho da aproximação.

A Agência Central de Inteligência (CIA) espionava todo mundo. Em um comunicado secreto enviado no dia 5 de janeiro de 1963 aos seus companheiros, o agente Richard Helms, que se converteria em diretor da agência em 1966, advertia que, “a pedido de Kruschov, Castro regressava a Cuba com a intenção de adotar uma política conciliadora em relação ao governo de Kennedy, no momento”.

JFK era aberto a esses avanços. No outono de 1961, ele e seu irmão Robert enviaram James Donovan, um advogado de Nova York, e John Nolan, um amigo e conselheiro de meu pai, Robert Kennedy, para negociarem a libertação de 1.500 presos cubanos que Castro capturou após a invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961.

Donovan e Nolan desenvolveram uma amizade cordial com Castro, com quem viajaram juntos pelo país. Fidel os levou pelo campo de batalha da Baía dos Porcos e para assistir tantos jogos de beisebol que Nolan jurou que nunca mais voltaria a ver esse esporte, segundo me contou.

Depois de libertar os últimos 1.200 prisioneiros no dia de Natal de 1962, Castro perguntou a Donovan como proceder para normalizar as relações com os Estados Unidos. “Da maneira como o porco-espinho faz amor, com muito cuidado”, foi a resposta.

Meu pai e JFK tinham uma enorme curiosidade sobre Castro e exigiam de Donovan e Nolan descrições detalhadas, muito pessoais, do líder cubano. A imprensa norte-americana havia apresentado Fidel como bêbado, sujo, irascível, violento e indisciplinado.

“Nossa impressão não se enquadraria com a imagem comumente aceita. Castro nunca foi irritável, nunca foi bêbado, nunca foi sujo”, declarou Nolan. Ele e Donovan descreveram o líder cubano como mundano, engenhoso, curioso, bem informado, de impecável aparência e conversa atraente.

Em suas viagens com Castro e após testemunharem as ovações espontâneas quando ele entrava nos estádios de beisebol com sua pequena mas profissional equipe de segurança, ambos confirmaram as informações internas da CIA que indicavam a imensa popularidade que tinha o líder entre o povo cubano.

JFK sentiu uma simpatia intuitiva com relação à revolução cubana. Seu assistente pessoal e biógrafo, Arthur Schlesinger, escreveu que “Kennedy tinha uma simpatia natural pelos desvalidos da América Latina e entendia a origem do ressentimento generalizado contra os Estados Unidos”.

Segundo Schlesinger, “a longa história de abuso e exploração fez Fidel se voltar contra os Estados Unidos e para os soviéticos em um momento em que poderia ter dado um giro para o Ocidente. A objeção de JFK foi pelo papel de Cuba como títere soviético e plataforma para fomentar a revolução e a expansão soviética em toda a América Latina”.

Castro tinha suas próprias razões nacionalistas para rechaçar a dependência soviética, particularmente depois da crise dos mísseis. Deixou claro seu desejo de uma aproximação nas conversações privadas com a jornalista da rede de televisão ABC, Lisa Howard, que funcionou como outra emissária informal entre JFK e Fidel.

Howard informou à Casa Branca que Castro “estava disposto a discutir o pessoal e os equipamentos soviéticos em solo cubano, a indenização pelas terras e pelos investimentos norte-americanos expropriados, a questão de Cuba como base para a subversão comunista em todo o hemisfério”.

Quando os presos cubanos foram libertados, JFK considerou seriamente o reinício das relações com Castro. Esse impulso o levou a navegar por águas perigosas. Só a menção de uma distensão com Fidel era dinamite política diante da proximidade das eleições presidenciais de 1964 nos Estados Unidos.

Tanto Barry Goldwater, o candidato presidencial pelo Partido Republicano, quanto Richard Nixon, o vice-presidente durante o governo de Dwight D. Eisenhower (1953-1961) e adversário de JFK à Presidência em 1960, e Nelson Rockefeller, o adversário de Goldwater na nomeação republicana para a Presidência, consideravam Cuba como o maior capital político de seu país.

Alguns exilados cubanos, homicidas e violentos, e seus contatos na CIA acreditavam que a coexistência com Cuba era uma traição infernal.

Em setembro de 1963, JFK pediu a William Attwood, ex-jornalista e diplomata norte-americano junto à Organização das Nações Unidas (ONU), que mantivesse negociações secretas com Castro.

Attwood conhecia Fidel desde 1959, quando cobriu a Revolução Cubana para a revista Look, antes que o líder se voltasse contra os Estados Unidos.

Nesse mês, meu pai pediu a Attwood que encontrasse um lugar seguro para manter conversações secretas com Fidel.

Em outubro, Castro começou a organizar o voo clandestino de Attwood a uma remota pista de pouso em Cuba para iniciar as negociações sobre a distensão.

No dia 18 de novembro de 1963, quatro dias antes do assassinato de JFK em Dallas, Castro escutou a conversa telefônica de seu ajudante, René Vallejo, com Attwood e acordou a ordem do dia para a reunião.

Nesse mesmo dia, JFK preparou o caminho para a aproximação com uma mensagem pública clara.

Em declaração à Sociedade Interamericana de Imprensa, no coração da comunidade de exilados cubanos em Miami, o presidente declarou que a política dos Estados Unidos não era a de “ditar a nação alguma como organizar sua vida econômica. Cada nação é livre para dar forma à sua própria instituição econômica conforme suas próprias necessidades e vontades nacionais”.

Um mês antes, JFK havia aberto outra via secreta para Castro por meio do jornalista francês Jean Daniel, diretor do jornal socialista Le Nouvel Observateur.

A caminho de entrevistar Fidel em Cuba, no dia 24 de outubro de 1963, Daniel visitou a Casa Branca, onde JFK conversou com ele sobre as relações entre os dois países.

Em uma mensagem a Castro, JFK criticou energicamente o líder cubano por precipitar a crise dos mísseis. Depois mudou de tom, expressando a mesma empatia em relação a Cuba que havia mostrado pelo povo russo em seu discurso de 10 de junho de 1963 na Universidade Americana, em Washington, ao anunciar o tratado de proibição dos testes nucleares com a União Soviética.

Kennedy se estendeu sobre a extensa história das relações dos Estados Unidos com o regime corrupto e tirânico de Fulgencio Batista. JFK disse a Daniel que havia apoiado o Manifesto de Sierra Maestra no começo da revolução cubana.

Entre 19 e 22 de novembro de 1963, Castro teve suas próprias entrevistas com Daniel, nas quais interrogou cuidadosa e meticulosamente o jornalista francês sobre seu encontro com JFK, particularmente quanto ao forte apoio deste à Revolução Cubana.

Então Castro manteve um silêncio reflexivo, compondo uma resposta cuidadosa que sabia que JFK aguardava. “Creio que Kennedy é sincero. Também creio que expressar hoje essa sinceridade pode ter significado político”, afirmou ao final, medindo cada palavra.

E seguiu com uma crítica detalhada dos governos de Kennedy e Eisenhower, que haviam atacado sua Revolução Cubana “muito antes de existir o pretexto e da desculpa do comunismo”.

“Mas sinto que Kennedy herdou uma situação difícil: não creio que o presidente dos Estados Unidos seja realmente livre alguma vez, e também creio que está neste momento sentindo o impacto de sua falta de liberdade. Também acredito que ele agora entende o grau de seu engano, especialmente, por exemplo, com a resposta de Cuba durante a invasão da Baía dos Porcos”, continuou Castro.

“Não posso evitar ter a esperança de que um líder virá à frente na América do Norte (Kennedy, por que não?, tem muitas coisas a seu favor) que terá a coragem de lidar com a impopularidade, combaterá os monopólios, dirá a verdade e, o mais importante, deixará as nações atuarem como elas decidirem. Kennedy ainda poderia ser esse homem”, disse Castro ao jornalista.

“Ele ainda tem a oportunidade de se converter, aos olhos da história, no maior presidente dos Estados Unidos, o líder que pode finalmente entender que pode haver coexistência entre capitalistas e socialistas, inclusive no continente americano. Seria, então, um presidente ainda maior do que Lincoln”, ressaltou Fidel Castro. Envolverde/IPS

* Robert F. Kennedy Jr. é advogado do National Resources Defense Council e de Hudson Riverkeeper e presidente da Waterkeeper Alliance. Também é professor e advogado supervisor da Clínica Processual Ambiental da Faculdade de Direito da Universidade Pace e coapresentador do Ring of Fire na Air America Radio. No passado foi promotor-geral adjunto da cidade de Nova York.