Diversos

O ambientalismo multissetorial

por Samyra Crespo – 

Eduardo Viola e Hector Leis eram dois professores da Universidade de Santa Catarina e ativos no movimento ambientalista dos anos 80, no sul do País.

Ambos argentinos, de passado esquerdista, vieram para o Brasil com o evento da Ditadura na Argentina e se naturalizaram. Tornaram-se dois queridos brasileiros com sotaque portenho e ambos – muito amigos e colaboradores entre si – escreveram um pequeno texto que teve grande influência na maneira de interpretar o que estava ocorrendo com a dinâmica do movimento ambientalista no Brasil.

Como a intenção aqui não é um debate acadêmico, tentarei resumir os achados de Viola e Leis. Posso fazê -lo com tranquilidade, e propriedade, pois durante 20 anos minha pesquisa O Que O Brasileiro Pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável utilizou o marco interpretativo criado pelos dois.

Inclusive Viola, de quem me tornei amiga próxima, participou do comitê acadêmico das 5 edições da pesquisa (1991 a 2012).

Na sociologia dos movimentos, era comum dizer-se que o ambientalismo era mais um fenômeno das sociedades complexas, onde a sociedade se organizava em grupos de pressão e em torno de pautas identitárias. Seria algo como os direitos civis, a causa do racismo, o feminismo, etc.

Viola e Leis tinham uma teoria diferente e viam o ambientalismo como um movimento histórico em vias de globalização, que estava destinado a incorporar, em dinâmicas contraditórias mas crescentes – todos os segmentos sociais, em todas as partes do mundo.

Chamaram a este movimento de crescimento e incorporação, em nível local, nacional e global de AMBIENTALISMO MULTISSETORIAL COMPLEXO.

No início, afirmavam Leis e Viola, o ambientalismo interessava a cientistas, técnicos e ativistas. Nos anos 90 chegaram os empresários e os outros movimentos sociais. Nos anos 2000 os globalistas e finalmente agentes do chamado regime climático internacional.

Essa maneira de olhar para a dinâmica do desenvolvimento e crescimento do ambientalismo ajudaria a explicar pelo menos dois fenômenos que testemunhamos no Brasil: a tomada de assalto da pauta ambiental pelos movimentos sociais nos anos 90 e o movimento de responsabilidade ambiental empresarial na década seguinte.

No post passado eu falava da Rio +10 e ainda não detalhei os seus desdobramentos, como prometido.

Muita gente comentando na página e in box acaba por suscitar alguns parênteses importantes.

O ambientalismo multissetorial causou a primeira grande crise de identidade no movimento ambientalista brasileiro. Em menos de uma década, com a Rio 92 – os ativistas deixaram de falar em nome do ambientalismo com exclusividade. Outros atores entraram em cena. Outras disputas se organizaram e de repente um ambientalismo amador e apaixonado foi abraçando os projetos-piloto, o desafio de tornar concreto o que se pregava. Ninguém sabia como fazer. Era preciso experimentar e demonstrar. Teve inicio a era dos “projetos demonstrativos” e projetos piloto”. Foram 10 anos de muita criatividade onde basicamente todas as modelagens de projeto foram testadas. Muitos deram frutos, muitos não.

Essa profissionalização das ONGs e do movimento cobraria seu preço. De cara aponto dois: a burocratização e a especialização afastaram os ambientalistas da opinião pública, do calor das ruas. O segundo foi o enfrentamento do desafio da gestão de grandes projetos, o de fazer ganhar escala toda aquela experimentação dos anos 90 e 2000. Menos glamour. Responsabilidades crescentes e política para valer. Os verdes amadureceram e passaram a usar ternos. Os tempos heroicos, digamos assim, haviam terminado.

Conto mais no próximo post.

Por hora, minha homenagem ao professor Leis, já falecido, e nosso reconhecimento ao Eduardo Viola.

Este texto faz parte da série sobre o ambientalismo brasileiro que venho publicando, desde abril, no site Envolverde/Carta Capital

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.