Opinião

O Coronavírus, a Conferência de Biden e o nosso papel nisso tudo

por Amélia Gonzalez, do blog Ser Sustentável – 

Passado o tempo do negacionista Donald Trump no comando da nação mais rica do mundo – e a segunda mais poluidora –, a população global observa agora o resgate da preocupação com as mudanças climáticas. Joe Biden, que substituiu Trump, imediatamente pôs os Estados Unidos de volta no Acordo de Paris. O tratado foi um compromisso assinado durante a Conferência das Partes sobre o Clima (COP) de 2015, cujo mote principal é fazer o possível por manter o aumento das temperaturas globais abaixo de 1,5 graus Celsius. Donald Trump havia retirado os Estados Unidos do Acordo, o que causou uma espécie de efeito de contágio, revelando ao mundo outros líderes negacionistas que estavam, até então, se omitindo.

Foto tirada por mim em evento pela despoluição da Baía de Guanabara em agosto de 2015

Segunda providência de Biden: convocou uma reunião de cúpula sobre o clima que vai anteceder a COP-26, que acontecerá em Glasgow, na Inglaterra, em novembro. E esta reunião vai acontecer quinta-feira agora, dia 22, quando se comemora o Dia da Terra. O encontro, para o qual foram convidados 40 chefes de nação (o presidente Bolsonaro já confirmou presença) vai se estender até o dia seguinte.

Congo, Colômbia, Chile, Gabão, Índia, Bangladesh, Ilhas Maurício, Noruega, Polônia estão entre os que já confirmaram presença. Rússia ainda é dúvida. Mas a China estará lá. Para azeitar as negociações entre os dois mega poluidores, já houve uma prévia entre China e Estados Unidos e uma declaração conjunta foi anunciada. Por ela, fica-se sabendo que as duas nações estão “firmemente comprometidas em trabalhar juntas e com outras Partes para fortalecer a implementação do Acordo de Paris”. Alvíssaras.

Mas, quem está na estrada há muito tempo como eu, há de se lembrar que China e Estados Unidos já protagonizaram outro momento bem parecido e que foi bem comemorado pela parte da população preocupada com as mudanças climáticas. Foi em 2014, quando o então presidente Barack Obama reuniu-se com Xi Jin Ping, também previamente à COP de 2015, e os dois anunciaram ao mundo que estavam assinando um pacto a favor do clima.

De lá para cá, bem… como se sabe, tudo o que não se esperava aconteceu. E hoje estamos à mercê de um inimigo ainda mais letal do que os eventos extremos, de tamanho diminuto e que está difícil de ser rendido. Seu nome: Corona Vírus.

Fato é, caros leitores, que mesmo com a boa vontade dos dois maiores poluidores do planeta, a realidade tem nos mostrado que são muitos os desafios para se manter compromissos de baixar as emissões.  E não me refiro apenas aos entraves geopolíticos, a questões diplomáticas. É sobre o meio ambiente que estamos falando. E é sobre a relação que construímos, como humanidade, com bichos, plantas, terra, rios, mares. Como se tudo isso fosse, desde sempre, apenas um pano de fundo para facilitar nossa vida. Nós, os humanos racionais. Nós, os mais poderosos. Só que não.

Tornamo-nos mais frágeis quando descobrimos, no início dos tempos, que podemos usar ferramentas e meios para vencer distâncias e praticar a força. Ficamos à mercê à medida em que descobrimos o conforto de não sentir muito frio, muito calor, de proteger os pés e mãos. Para cada avanço nos refrigérios que fomos criando, mais precisamos avançar sobre o meio ambiente. E nem estou mencionando a ganância, o acúmulo, descobertas unicamente racionais.

Aqui estamos, portanto. Com a industrialização, passamos a soltar gases poluentes que impedem que o calor do sol volte à atmosfera. Dessa forma, com o planeta mais quente, os mares ficam mais atormentados, os ventos mais fortes, a terra, muitas vezes, mais ressecada. A cada um desses tormentos, muitos de nós se vai. Como agora, quando o vírus está tirando muitas vidas. Segundo o xamã e filósofo Aylton Krenak, a Terra está “apagando os humanos”. E vai continuar, se não conseguirmos parar e ouvir o que ela está dizendo.

Parar, como? Se estamos imbricados até a medula num processo de desenvolvimento que nos obriga a avançar sobre o meio ambiente, mesmo quando tentamos diminuir a força do nosso impacto.

 Estive pesquisando, por exemplo, sobre o lítio. Ele faz parte do grupo químico dos metais alcalinos e, ultimamente, tem sido foco de disputa porque é a base da bateria dos carros elétricos. Só a China fabrica dez mil carros elétricos por mês, todos com bateria de lítio. Os carros elétricos têm sido vistos como a solução, ou parte dela ao menos, para diminuirmos o apetite sobre os combustíveis fósseis.

Aqui, vale um parêntese. Elon Musk, um dos homens mais ricos do mundo, acumulou fortuna, justamente, vendendo carros elétricos. Não é uma economia sustentável, mas faz parte do paradigma que vivenciamos no sistema econômico vigente.

Bolívia, Chile e Argentina são os países que formam o chamado Triângulo do Lítio*, sendo que o Chile tem a posição mais alta. Mas é importante saber o seguinte: uma coisa são os recursos do lítio e outra são as reservas. Só as reservas são exploráveis. O que quer dizer que um país pode ter muito lítio, como no caso da Austrália, mas não ter reserva, ou seja, que ele não seja explorável.

Um dos problemas é que explorar lítio requer muita água: são necessários 500 mil galões de água para produzir uma tonelada de lítio. Além disso, no processo de separação do lítio são empregados muitos químicos tóxicos. Tudo isso cria, como se pode esperar, grande revolta entre as pessoas que moram próximo às minas de lítio.  Recentemente, na Argentina, na mineração Jujuy, houve um protesto, com cartazes que diziam:

“Água tem mais valor do que o lítio”.

Ninguém pode discordar disso. Eis portanto, um dos muitos imbróglios que temos pela frente no caminho em busca de uma economia com menos emissões de carbono. Se, por um lado, os carros elétricos podem ajudar a baixar as emissões, seria, no mínimo, um desatino, apostar as fichas no lítio e aumentar o risco, que já é grande, de ficarmos sem água.

Outro exemplo de nossa era de paradoxos, incertezas e da necessidade de tomada de decisão em prol de nossa saúde é a Emenda Kigali, um adendo ao Protocolo de Montreal, do qual o Brasil faz parte. Trata-se, basicamente, de proteger a camada de ozônio, evitando que os ares-condicionados emitam um gás que pode ser ainda pior do que o carbono. A Emenda está há um ano e meio esperando que a presidência da Câmara dos Deputados mande para ser aprovada no plenário. Quando isso acontecer, a indústria nacional de ar condicionado e geladeiras terá acesso a cerca de US$ 100 milhões do Fundo Multilateral para a Implementação do Protocolo, a fundo perdido. E promete usar o dinheiro para que as fábricas brasileiras produzam equipamentos mais eficientes e menos poluentes.

Quando penso a respeito, e me sinto envolvida nessa teia labiríntica entre desenvolvimentismo e preservação, gosto de ler autores que me levam a refletir sobre outras possibilidades, que não essas, usuais da economia verde. São chaves que podem abrir caminhos diferentes. E que vão exigir uma mudança bem forte de hábitos, costumes, de consumo e de relação com a natureza.

Cito o Papa Francisco. Com uma visão panorâmica de todo o cenário, o Sumo Pontífice, líder da comunidade católica do mundo, fez uma radiografia da origem de nossos problemas em Laudato Si, sua Encícilica de 2015. Na carta ele adverte, de maneira clara, que é preciso repensar nosso modo de consumir e de produzir. Não é simples assim como pode parecer, mas é um caminho.

*Os dados foram obtidos na excelente reportagem do site Dialogo Chino. Aqui: https://dialogochino.net/pt-br/

Foto de destaque de Ben Mack no Pexels

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