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O Estatuto da Criança e do Adolescente no contexto do trabalho infantil

por Graça Gadelha, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil –

A história da transformação dos conceitos básicos relacionados à infância e à adolescência no Brasil passa, fundamentalmente, por instrumentos formalizados no âmbito internacional, dentre os quais se destaca a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), que embasa a chamada Doutrina da Proteção Integral, cujos pressupostos afirmam, dentre outros, o valor intrínseco da criança como ser humano; a sua condição peculiar de desenvolvimento; e o seu valor prospectivo, como portadora da continuidade de seu povo e da espécie humana.

Destaque à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), que teve um papel decisivo nas mudanças jurídico-institucional no campo da infância-adolescência.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 introduziu um novo ordenamento jurídico ao definir como princípios fundamentais a cidadania, a dignidade da pessoa humana e ao reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e com prioridade absoluta no tratamento a ser dispensado por parte da família, da sociedade e do Estado. O art. 227 da Constituição Federal traduz o fundamento de uma nova ética e o compromisso político do Estado brasileiro.

A aprovação em 13 de julho 1990 da Lei federal nº. 8.069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), fruto de uma grande mobilização social, encheu de orgulho a todos quantos militavam nesta área, pela perspectiva real de que esse instrumento jurídico pudesse provocar, de direito e de fato, uma mudança substancial “nos hábitos e costumes” e que a partir dessa lei uma nova era se descortinava em torno do reconhecimento dos direitos fundamentais dessa população.

A busca de conciliação desses desafios requereu um aprendizado não só do ponto de vista político, mas principalmente no campo cultural. Não bastava apenas substituir expressões como, por exemplo, “menores”. Algo mais se impunha: mudar práticas institucionais, reordenar programas, efetivar políticas, introduzir um novo modelo de gestão participativa, o que ainda não ocorreu em função da problemática construção do conceito de cidadania no Brasil.

Decorridos 29 anos da promulgação do ECA, é importante avaliar como os direitos nele previstos estão sendo de fato incorporados. No conjunto de direitos, destaca-se a prevenção e a erradicação do trabalho infantil, que figuram nas normativas nacionais como ações essenciais para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes como merecedores de proteção especial.

A implementação de políticas que garantem a prevenção e a erradicação do trabalho infantil permanecem como desafio. Prova disso são os mais de 2,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil, representando 6% da população (40,1 milhões) nesta faixa etária. Do universo de 2,4 milhões de trabalhadores infantis, 1,7 milhão exerciam afazeres domésticos, de forma concomitante ao trabalho e ao estudo. A maior concentração de trabalho infantil está na faixa etária entre 14 e 17 anos, somando 1.940 milhão; de 5 a 9 anos registra-se 104 mil crianças trabalhadoras. (PNAD/C, 2016). Esse contexto compromete a segurança, a moral e a saúde das crianças e adolescentes, prejudicando seu desenvolvimento e futuro.

Em que pesem os retrocessos em relação à prevenção e a erradicação do trabalho infantil, há sinais encorajadores, sobretudo na mobilização social liderada pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), com resultados animadores, que revelam uma vontade de agir para erradicar o trabalho infantil e garantir maior eficácia da legislação pertinente.

Colocar os direitos de crianças e adolescentes como ações prioritárias no campo das políticas públicas faz parte da agenda dos direitos humanos, que permitiram ver, além do olhar triste e resignado, uma possibilidade de resgatar uma “infância perdida” porque não basta apenas indignar-se, é preciso agir!

Graça Gadelha é socióloga, consultora de Projetos da Área de Direitos Humanos do Instituto Aliança e membro do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

(#Envolverde)