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O "Planeta dos Humanos", filme controverso diz que ambientalistas vendem ilusões (Parte 1)

por Samyra Crespo, especial para a Eco21 –

Em geral, nenhum movimento político aprecia uma controvérsia que lhe é desfavorável. Em um momento como este, quando o antiambientalismo tornou-se doutrina hostil e destruidora – basta ver a atuação de Trump nos EUA e do Bolsonaro, seu discípulo, no Brasil – a onda causada pelo filme “Planet of the Humans” desperta paixão em defesas e ataques às “intenções” de seus produtores.

Parece um mau momento para um debate como este.

E talvez seja. Mas como disse um cientista brasileiro, a quem admiro muito, Antonio Nobre, a questão foi colocada e não se pode fugir dela.

O filme, em cartaz (vi no Youtube a versão integral, legendada em inglês), tem como produtor executivo Michael Moore, um velho e conhecido provocador, pregador de verdades inconvenientes e anti-establishment. Foi escrito e dirigido, também participa do filme, por um integrante do ninho ambientalista: Jeff Gibbs.

O estrago é maior quando vem “de dentro”, o típico fogo amigo.

A tese, ou a antítese é a seguinte: a tão cantada e decantada “transição energética”, com base em energias alternativas aos combustíveis fósseis – com vistas a um Planeta mais sustentável – não passa de uma falácia: a Era dos Combustíveis fósseis estaria sendo reforçada e não substituída, como se pode pensar.

Na realidade, afirma o filme, behind the scenes, as energias ditas renováveis – como a solar e eólica, e a que queima biomassa, só fazem reafirmar as bases da sociedade industrial e capitalista. Os novos parques energéticos fazem a alegria de bilionários, falsos filantropos, e representam hoje lucros para as mesmas grandes companhias de sempre – corporações oligopolistas e grupos financeiros.

E pior, tal falácia arregimenta milhares de grupos jovens, organizações ingênuas e militantes que “trabalham de graça ” ou a soldo pequeno, para mundializar essa ilusão.

Mas, segundo os realizadores do filme, nem todos são ingênuos – e aí – nitroglicerina pura,

nvestem sem piedade contra dois mitos vivos do ambientalismo: Al Gore e Bill Mckibben.

Gore, sim, o paladino que correu o mundo com o seu documentário Uma Verdade Inconveniente – sobre a urgência de se lidar com o aquecimento global e a iminente catástrofe climática. No filme de Gibbs e Moore, ele foi engolido pelo establishment e não passaria de um homem de negócios, parceiro do ex CEO da Goldmann &Sachs (que quase quebrou se não fosse o socorro do FED – Banco Central americano), interessado em ganhar dinheiro no mainstream do green business.

Com Bill a coisa é bem pior. Quem não leu The End of Nature ( O Fim da Natureza)? Este livro de Mckibben é bibliografia obrigatória de alguém que se considera ambientalista, e goza da mesma fama de Primavera Silenciosa, livro-denúncia de Rachel Carson.

Bill Mckibben é líder de um movimento de raiz e de uma instituição centenária, o Sierra Club. Bill aparece diversas vezes no filme, titubeante e abatido em pleno voo.

Para Gibbs e Moore, não só o Sierra Club como a Nature Conservancy teriam sido cooptadas e suas bandeiras em favor dos painéis solares, parques eólicos e usinas de biomassa, seriam largamente financiadas pelo Capital, cuja única ideologia reside em aumentar os lucros de executivos e acionistas.

Seria a chamada “transição energética” uma grande e odiosa maquiagem verde (green washing)?
O que o filme Planet of the Human apresenta como provas?

Com este “circo” armado, literalmente pegando fogo, volto amanhã para desbastar este rol de acusações e declarações. Uma abordagem cuidadosa, mas corajosa se faz necessária.

Um elefante já avançou na cristaleira.

Agora é ver o que tem conserto e o que estragou.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.