Opinião

O Sol que faz pulsar seu coração

Por Ulisses Capozzoli, cortesia para a Envolverde – 

Você pode não acreditar, o que é compreensível, mas a energia que utiliza para movimentar os olhos na leitura de um texto como este emergiu do coração do Sol, uma bomba nuclear que, nessa região tem temperatura em torno de 15 milhões de graus Celsius

Como pode ser assim? Bem, você jantou uma salada e um filé de peixe, digamos, ontem ou no almoço de hoje. O que você consumiu pode variar, mas todos os alimentos produzidos na Terra dependem da energia do Sol. A eventual salada com, digamos, folhas de alface, só é possível pela fotossíntese. E o filé de peixe? Os peixes, entre outros animais, se alimentam de plantas ou animais menores e isso significa que um saboroso filé também depende de energia solar para chegar à sua mesa. Excetuando o Sol, a única fonte significativa de energia disponível na Terra é a nuclear, mas ela não daria conta de abastecer nossa casa cósmica, uma proeza inteiramente solar.

Essa relação entre sua alimentação diária e a radiação solar é para demonstrar que, apesar do muito que se sabe sobre o funcionamento de uma estrela, obtido ao longo do século passado, permanecem pontos obscuros, e um deles teve um capítulo novo aberto a partir no início desta semana, quando a atmosfera solar foi visitada por uma pequena nave espacial (685 quilos) a Sonda Solar Park, lançada em meados de agosto de 2018. Atmosfera solar? Sim, o Sol, ao contrário da Terra, um corpo sólido com atmosfera gasosa, o ar que respiramos, é um gigantesco globo de gases (1,4 milhão de km de diâmetro, contra 12,4 mil km da Terra) formado especialmente por hidrogênio, o gás mais simples e abundante do Universo.

Sonda Solar Parker “toca” pela primeira vez a atmosfera solar abrindo um espaço novo de exploração astrofísica.

O que ocorre numa usina de fusão nuclear (e o Sol e todas as estrelas são unidades desse tipo) é a produção de um elemento químico a partir de outro. E tudo começa, basicamente, pelo hidrogênio que, no coração solar é transformado em hélio segundo a equação de Einstein E=m.c² (Energia é igual à massa pela velocidade da luz ao quadrado). Todos os elementos químicos, o material que forma os corpos de cada um de nós, caso, por exemplo, do ferro que torna o sangue vermelho, foram produzidos por incontáveis gerações de estrelas que já morreram. O Sol é parte de uma ninhada estelar resultado da morte de uma estrela de primeira geração que se extinguiu em sua vida relativamente curta devido à gigantesca massa que costumavam ter. Você pode ter ouvido dizer que somos “poeira de estrelas”, o que é tanto uma frase poética quanto uma fascinante verdade científica.

Então, no começo desta semana a pequena Solar Park, em uma órbita espiralada em torno do Sol mergulhou, pela primeira vez na história da ciência, na atmosfera solar que é mais quente que a própria superfície da estrela. Como pode ser assim, a parte exterior de uma estrela, mais quente que sua superfície? É exatamente isso que os astrofísicos estão tentando desvendar, numa espécie de quebra-cabeça que começou, por volta dos anos 1930, com a compreensão de que estrelas são enormes bombas nucleares de fusão (e não de fissão, com ruptura do núcleo de átomos radioativos como ocorre com as usinas nucleares, por exemplo, as Angra 1 e 2, no Brasil).

O Sol pode parecer muito estável (na ideia de perfeição sugerida por interpretações religiosas, algo superficiais e em boa parte inteiramente falsas) é parecido a uma vela que “bruxuleia”, mas, em alguns momentos (em ciclos que duram, em média 11 anos) costuma ter um pico de explosões que, quando mais intensas, podem afetar a operação de satélites em órbita ou comprometer redes de distribuição de energia elétrica na Terra. Na ausência de explosões (devido a linhas magnéticas que atravessam seu corpo) costuma haver alguma queda de temperatura na Terra e isso afeta, por exemplo, o regime de chuvas fundamental para a agricultura mundial. Há quem considere que a Revolução Francesa (1789) teve uma intrigante participação solar, não no sentido astrológico, obviamente, mas em termos ambientais. Em resumo, as condições sociais que já eram difíceis foram agudizadas por falta de alimentos devido a um período de baixas manchas solares (pontos escuros na superfície solar) que implicaram em menor atividade explosiva.

Conhecer melhor o Sol é uma maneira de estender essa investigação para as demais estrelas, mesmo as menores e as muito maiores, com implicações fundamentais na astrofísica e até mesmo na abordagem de exobiologia, o estudo de vida fora da Terra. Neste caso, melhorando as previsões de detecção de inteligências alienígenas em torno de outras das aproximadamente 200 bilhões de estrelas da Galáxia, a Via Láctea. O mergulho da pequena Parker na atmosfera solar (um projeto sonhado desde 1958, no contexto do Ano Geofísico Internacional) voltará a se repetir ao longo da missão prevista para se estender até 2025, com chances de que esse período seja ampliado). De qualquer maneira, ao observar o Sol nascendo ou se pondo, a cada dia, como uma moeda incandescente contra o fundo do céu, é promissor considerar que estamos ligados ao seu coração turbulento por um fio invisível, mas imprescindível de energia. Algo como uma relação de solidariedade que deve valer para o Universo inteiro, nos conectando a tudo e a todos, reforçando uma interpretação clara de que a humanidade é um todo e não duas categorias distintas de privilegiados e miseráveis.

Ulisses Capozzoli cursou Jornalismo na Escola de Comunicação e Artes [ECA] da Universidade de São Paulo [1976], é jornalista especializado em divulgação científica, mestre e doutor em ciências pela Universidade de São Paulo. Foi editor de Scientific American Brasil e publisher de Astronomy Brasil. Capozzoli acredita numa ciência a serviço da humanidade.

 

#Envolverde