Opinião

Diversidade: uma ode à honestidade

Somente afirmando como a realidade é, poderemos dizer como queremos ou não que ela se transforme e assim gerar a mudança necessária, primeiro individualmente e depois coletivamente. 

Por Liliane Rocha*

Não sou poetisa. Infelizmente não consigo transpor em versos de uma ode todo o impacto que eu, e tantas pessoas que trabalham com direitos humanos, temos sentido no peito devido aos aparentes retrocessos de diversidade que tem assolado o país. Portanto, essas palavras não serão versadas, nem cantadas. No entanto me darei a liberdade de chamá-las de ode uma vez que surgem do meu âmago profundo de quem acredita que a realidade pode mudar.

Honestidade, é o que clamo. A nossa capacidade de ser verdadeiros, sinceros. A capacidade de olharmos no espelho e reconhecer quem somos, seja enquanto indivíduos, seja como sociedade. Porque uma coisa, é fato, e, aliás, fato estatístico. O brasileiro não é o homem cordial que Sérgio Buarque defendia em Raízes do Brasil. Não, o brasileiro, em geral, é preconceituoso.

Quando verbalizamos essa frase, sentimos uma dor no coração, uma recusa, uma rejeição. Queremos dizer que não, que o brasileiro não é preconceituoso, que nós individualmente não somos preconceituosos. Queremos dizer que somos modernos, mente aberta, a favor da diversidade. Inclusivos e que aceitamos a todos. Sejam que forem. Queremos dizer que somos sujeitos de direito. Contudo, não é isso que os números mostram.

Em maio de 2016 foi divulgado o Perfil Social, Racial e De Gênero das 500 maiores empresas brasileiras, o último havia sido divulgado em 2010. O censo que apresenta os dados de diversidade das empresas, que gentilmente respondem o questionário, nos chama a atenção, porque em 6 anos de diferença entre as duas publicações não houve melhoras no cenário.

Em 2010 as mulheres eram 13,7%, os negros 5,3%, as pessoas com deficiência 1,3% do quadro executivo.  Em 2016 as mulheres são 13,6%, os negros 4,7%, pessoas com deficiência 0,64% do quadro executivo. Além disso, notamos que algumas das empresas sinalizadas por especialistas como referência no tema, não publicam com transparência em seu Relatório de Sustentabilidade o perfil dos funcionários, nem no quadro geral nem no quadro executivo.

No governo brasileiro temos o primeiro ministério desde Geisel sem mulheres e negros. Em dados gerais, segundo estudos do Fórum Econômico Mundial entre 2013 e 2014 o Brasil teve uma expressiva queda no ranking de igualdade de gênero, quando analisados 142 países para as diferenças entre homens e mulheres na saúde, educação, economia e indicadores políticos o Brasil ocupa a 71ª posição em 2014, versos a posição 62ª que ocupava em 2013. Se focarmos igualdade de salário especificamente o Brasil está na posição 124, entre 142 países, no ranking de igualdade de salários por gênero. Segundo Estatísticas de Gênero 2014, do IBGE, a renda média das brasileiras corresponde a cerca de 70% da renda média dos homens. As mulheres representam 60% do contingente que sai das graduações. Estimasse que, se continuarmos no ritmo atual, a tão almejada igualdade salarial entre gênero chegará somente em 2095.

Nas universidades brasileiras, após os avanços na legislação o percentual de negros passou para cerca de 30%. No Congresso brasileiro temos 5% de negros. Em novembro de 2010 houve uma epidemia de morte de jovens negros no Brasil, pois apesar de negros/as comporem pouco mais da metade da população brasileira, eles representam 75% dos casos de homicídio no país. No Brasil a cada 28 horas um homossexual é assassinado e ostentamos o posto de primeiro país em morte de transexuais.

Não comento esses dados para ficarmos tristes ou deprimidos, mas sim para sermos sinceros, pois não se muda uma realidade que não se vê. Uma realidade que não está explicita. Aliás, gostaria que ao final dessa leitura você se sentisse incomodado. Incomodado a ponto de querer mudar. Para gerar mudança é preciso ter consciência. É preciso ter honestidade. Hoje o Brasil não é um país igual para todos. Ainda hoje, uns são mais iguais dos que outros. Certamente, já temos massa crítica, conhecimentos e organizações sociais, representantes políticos e executivos em empresas que podem mudar essa realidade.

Ode à honestidade. Sejamos honestos, uma realidade dessa não se cria e se perpetua por tanto tempo, sem que cada um de nós em seu dia-a-dia esteja contribuindo neste processo. Para que o cenário esteja como descrito é necessário que cada um de nós esteja reproduzindo de alguma forma o preconceito em cotidiano. Somente afirmando como a realidade é, poderemos dizer como queremos ou não que ela se transforme e assim gerar a mudança necessária primeiro individualmente e depois coletivamente. (#Envolverde)

* Liliane Rocha é diretora Executiva da empresa Gestão Kairós  (www.gestaokairos.com.br), mestranda em Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas, MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade na FGV, Extensão de Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, graduada em Relações Públicas na Cásper Líbero. Gestora com 11 anos de experiência na área de Responsabilidade Social tendo trabalhado em empresas de grande porte – tais como Philips, Banco Real-Santander, Walmart e Grupo Votorantim. Escreve mensalmente para Envolverde sobre Diversidade e Sustentabilidade.