ODS10

Oded Grajew: ‘Para reduzir a desigualdade tem que dar poder às pessoas, não mantê-las sob domínio’

Por Amelia Gonzalez, blog Ser Sustentável – 

Oded Grajew é um empresário que acredita que não há como ter negócios lucrativos numa sociedade doente. Há mais de três décadas vem puxando este tipo de reflexão entre seus pares. Criou, em 1987, o Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE), esteve com Betinho no combate à Fome e à Miséria, foi um dos fundadores, em 1998, do Instituto Ethos, esteve nos primeiros meses do governo Lula, em 2002, como assessor especial. Em 2007 esteve à frente também da criação da Rede Nossa São Paulo, e ontem engajou-se no lançamento da Associação Brasileira do Combate à Desigualdade (ABCDbr.org).

Oded Grajew: ‘As empresas nunca vão estar na vanguarda desta ação… Mas é importante que elas estejam junto porque têm um peso político’ (Foto de Arquivo Pessoal)

“Para um país dar certo é essencial que haja harmonia entre as pessoas. E a principal causa da desarmonia é a sensação de injustiça”, disse-me ele por telefone ontem mesmo, pouco antes da live de lançamento da ABCD. Trata-se de uma rede que, por enquanto, tem 37 organizações da sociedade civil. O objetivo é ir além do que “ser uma rede a mais”. O que se quer é juntar forças e poder de influência para fazer andar ações que possam mudar o cenário de desigualdade social no país. Vem daí a sensação de injustiça, vem daí a raiva contida entre pessoas, acreditam os formadores da rede.

Abaixo, reproduzo minha conversa com Grajew:

No dia 16 de agosto, uma reportagem de O Globo mostrou um estudo feito pelo sociólogo Rogério Barbosa, que mostrava uma redução no nível de desigualdade no país. Difícil de acreditar, quando se anda pelas ruas e vê a quantidade de pessoas que estendem a mão em busca de esmola. Como o senhor analisa o resultado desta pesquisa?

Oded Grajew – O Brasil é um dos campeões mundiais de desigualdades, e eu falo no plural porque se trata de desigualdade de gênero, de raça, de educação, política, econômica, não só de renda. Mesmo que tenha caído esta desigualdade de renda, é mais ou menos como se você estivesse doente, com uma febre de 41 graus, e sua febre baixasse para 40.8 graus. As desigualdades no Brasil precisam cair dramaticamente, não é pouca coisa. Na desigualdade territorial, por exemplo, a Rede Nossa São Paulo mostrou recentemente que, numa mesma cidade, você tem a diferença de expectativa de vida de 25 anos entre um bairro pobre e um bairro rico. É importante dar Bolsa Família, Renda Brasil, mas só isto não se mantém ao longo do tempo porque você mantém as pessoas sob domínio. Não as empodera.

Como empoderá-las?

Oded Grajew – Com educação, o caminho da cidadania. O problema desses auxílios financeiros é que eles tiram, justamente, a verba da educação para poder distribuir o dinheiro. Valoriza-se a parte financeira, do capital, faz-se uma filantropia, uma caridade. Mas as pessoas continuam sob domínio. Veja a situação dos países escandinavos: não existe, nesses lugares, praticamente, escola privada. Eles dão educação pública de boa qualidade para todos.

O senhor esteve no governo Lula por poucos meses, saiu para poder participar ativamente como sociedade civil, no Instituto Ethos. Como analisa o país daquele tempo e o de agora?

Oded Grajew – Aquele país tinha esperança de que novos tempos poderiam chegar. Havia pessoas – como Marina Silva no Meio Ambiente, Christovam Buarque na Educação – com longa história na área social, havia um programa de engajamento na sociedade, tudo na direção da redução da pobreza, da miséria e da desigualdade. Muita coisa foi feita neste sentido, houve avanços importantes, mas deixou-se de mexer em questões fundamentais no setor fiscal e tributário. Não se fez também uma reforma política para criar uma representação política mais de acordo com a composição da sociedade. Houve a valorização do consumidor, o povo passou a ter dinheiro para adquirir coisas. É importante isto, também. Mas não passou por uma mudança estrutural. Hoje o país está na contramão, muito preocupante.

Há um discurso, por parte do governo e de pessoas que estão engajadas nele, de que o país vai crescer economicamente. O senhor acredita nisto?

Oded Grajew – A maioria dos brasileiros é pobre e os ricos estão ficando cada vez mais ricos.  Como o país vai crescer economicamente deste jeito? O Brasil não tem chance de crescer se não distribuir a renda. Nas sociedades que conseguiram reduzir a desigualdade, criaram-se laços de solidariedade entre as pessoas.

O senhor acha a Renda Mínima importante no sentido de diminuir a desigualdade?

Oded Grajew – É importante porque as pessoas pegam o dinheiro para comprar comida e remédios. Elas estão vivendo no limite da sobrevivência. Mas isto tem que ser combinado com outras políticas, tem que ser transitório, para ajudar as pessoas a andarem com as próprias pernas.

Na rede recém criada há representantes de empresas. Qual o papel delas, verdadeiramente, na redução de desigualdade do país?

Oded Grajew – As empresas nunca vão estar na vanguarda desta ação. A gente se decepciona quando espera delas o que elas não podem dar porque estão submetidas a uma lógica de mercado do resultado, do lucro a curto prazo. Mas é importante que elas estejam junto porque têm um peso político. Como foi agora, na cobrança pelo desmatamento na Amazônia. Elas atuam quando percebem que a situação, como está, pode danificar seu negócio. Eu estou incluindo aí as empresas de mídia.

É assim também nos países escandinavos, que o senhor cita como exemplo de nações igualitárias?

Oded Grajew – Sim, virou um consenso nacional. As empresas, internamente, também têm uma preocupação com a desigualdade, estabelecem limites entre o menor e o maior salário, criam relações de confiança e transparência, todo mundo sabe o salário dos outros. A gestão é feita conjuntamente entre empresários e patrões.

Este é o melhor dos  mundos…

Oded Grajew – Sim! E é atual, há exemplos concretos, podemos copiar. Não podemos esquecer que na nossa Constituição, um dos princípios fundamentais, no primeiro parágrafo, é a redução das desigualdades. Portanto, é inconstitucional haver tanta desigualdade.

Sobre ameliagonzalez848

Jornalista especializada em sustentabilidade. Ajudou a criar e editou durante nove anos o caderno Razão Social, suplemento do jornal O Globo, sobre sustentabilidade, que foi extinto em julho de 2012. Assinou a coluna Razão Social do caderno Amanhá, de O Globo. Autora do livro `Porque sim`, sobre casos de sucesso da ONG Junior Achievement. Ganhou o premio Orilaxé, da ONG Afro Reggae. Esteve entre as finalistas como blogueira de sustentabilidade no premio Greenbest com o blog Razão Social, que foi parte do site do jornal O Globo de 2007 a 2012. Foi colunista do site G1 de 2013 a 2020, assinando o blog Nova Ética Social. Estuda os filósofos da diferença, como Fredrick Nietzsche, Gilles Deleuze, Spinoza, Henri Bergson em grupos de estudo no Instituto Anthropos de Psicomotricidade. Crê na multiplicidade, na imanência, na potência do corpo humano e busca, sempre, a saúde. Tem um filho e dois cachorros.

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