Ambiente

Os desafios da comunicação climática

Por Sucena Shkrada Resk, para o 350.org – 

Entrevista especial de Délcio Rodrigues, fundador do ClimaInfo para Blog 350.org Brasil

“O mais desafiador é passar o sentido de urgência, de que a crise climática é real, apesar de já ser justificada pela Ciência”, Délcio Rodrigues, do ClimaInfo.

Ampliar o público interessado, de fato, nas questões climáticas em todos os seus ângulos, tem sido uma das tarefas mais árduas na seara da comunicação na atualidade. Mas há uma luz no fim do túnel, que requer partir para o universo regional e periférico. Para falar sobre esses caminhos e o que são pautas relevantes nos dias de hoje, em que a “crise climática’ é uma realidade, o físico, ambientalista e comunicador Délcio Rodrigues, presidente do Instituto ClimaInfo, concedeu entrevista à jornalista Sucena Shkrada Resk, da 350.org, no Brasil.

Especialista em Eficiência Energética, tem em seu histórico, nas últimas décadas, experiência também em corpo técnico da gestão pública, como ativista ambiental, consultor, empreendedor e gestor na área socioambiental e da comunicação, no terceiro setor.

A organização não governamental (ONG) criada em 2018 é responsável pela produção de um dos conteúdos noticiosos climáticos mais lidos por profissionais da comunicação a gestores públicos. O boletim ClimaInfo, entretanto, nasceu mais cedo, em 2015, e traz sínteses dos principais documentos e notícias da área climática e comentários sobre o panorama nacional e internacional. Uma atividade fácil, longe disso, segundo ele. E constata– “Saber contar histórias é o caminho, pois de alguma forma, reverbera”.

Délcio Rodrigues - ClimaInfo
Délcio Rodrigues – Foto: Arquivo pessoal

Confira a entrevista na íntegra:

350.org Brasil – Délcio, quais são os principais desafios da comunicação climática na atualidade, na sua avaliação?

Délcio Rodrigues – ClimaInfo – Em relação às questões climáticas, há um ponto a destacar que tem a ver com a própria espécie humana. A gente tem uma tendência de focar nas coisas que tem de resolver hoje ou amanhã. Daí fica complicado pensar em longo prazo. Eu vejo uma dificuldade imensa, por exemplo, de falar sobre mudanças climáticas a populações vulneráveis, que têm agendas muito urgentes, relacionadas a todos os tipos de violência a que são submetidas, como secas extremas. A luta é por aquilo que é urgente. Na comunicação, fica mais complexo focar nos problemas que são no horizonte de anos e décadas, quando falamos das negociações ou ciência climáticas. As pessoas tendem a achar que estamos falando de algo de uma “proporção menor” de prioridade. O mais desafiador é passar a urgência, que a crise climática é real, apesar de já ser justificada pela Ciência.

350.org Brasil – Quais são as saídas encontradas para comunicar a crise climática?

Délcio Rodrigues – O que a gente tem feito é falar com temas mais relacionados ao dia a dia das pessoas que tem a ver com as mudanças climáticas, como o aumento do custo da energia, racionamento energético e queimadas na Amazônia, como também, o vazamento do óleo cru na costa nordestina e com efeitos agora no Sudeste, entre outras.

350.org Brasil – Na sua opinião, quais são os temas (pautas) prioritárias climáticas globalmente, no contexto da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-25), que acontece em Madri, na Espanha?

Délcio Rodrigues – Eu penso que a pauta prioritária é da crise climática. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC 1.5 º C (sobre o limite de aumento da temperatura média do planeta), lançado no ano passado dizia que a humanidade tinhas 12 anos para zerar as emissões líquidas senão a gente não conseguiria estabilizar em 1.5. Já se passou um ano, e agora diminuiu este prazo para 11 anos.  Por outro lado, quando a gente olha para as promessas do Acordo de Paris, que é a melhor coisa que a gente tem para tratar a questão (no âmbito das negociações internacionais), aí identifica que há apenas dois países que fizeram promessas para este prazo de 2025 – EUA e Brasil, e os outros para 2030. A questão é que os EUA estão saindo do acordo (governo Donald Trump) e quanto ao Brasil, não há a mínima condição de imaginar que o país fará algo para este avanço sob o atual governo do presidente Jair Bolsonaro para chegar neste resultado. Se cumprir, é por pura coincidência.

O ano de 2030 é justamente o ano que deveria estar zerado em emissões. Atualmente a situação que a gente constata para alcançar este limite, leva a um cenário (mais pessimista) de aumento de até 4º C. Ou a gente resolve isso já e começa agora estas reduções, senão não terá mais jeito e teremos de pensar em um melhor mundo possível com os extremos das mudanças climáticas. O relatório do Emission Report Gap da ONU mostrou que deve haver cortes da ordem de 7,3% ao ano para o limite de 2º C. Para limitar a 1,5º tem de ser mais ousado ainda. O contexto climático global é de alerta e por isso, a pauta principal é a crise climática.

350.org Brasil – E no Brasil, quais são as prioridades de pautas, em sua avaliação?

Délcio Rodrigues – No Brasil, de longe o mais importante é a questão da Amazônia. O desmatamento é o maior fator de emissões no Brasil e está relacionado com o segundo maior fator, que é a agricultura. E se a gente não lida com a conservação dos biomas da Amazônia e também do Cerrado, não é possível ter resultados favoráveis.

Por isso, é importante destacar propostas de desenvolvimento econômico da Amazônia, que incentivam a floresta em pé; como também as postagens sobre os dados reais do desmatamento por meio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que revelam uma tendência de ultrapassar significativamente, neste ano, a área de desmatamento. Outra questão relevante é o Pré-Sal. Não só o Brasil vive este dilema, mas todos os países que têm reservas de petróleo. A responsabilidade de quem produz e de quem consome é realmente o que deve ser tratado, na contribuição para o aumento das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs).

Outra pauta relevante sobre combustíveis fósseis que está emergindo é sobre o gás natural. No Plano Decenal de Energia do Brasil, que está sob consulta pública, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aponta uma fortíssima tendência para ampliação. A gente pesquisou que há planos de prospecções de plantas de implantação de 20 estações para regeneração de gás natural. É claro que isso pode amarrar o Brasil ao combustível fóssil, por muito tempo.

Outro grande fantasma é o carvão, que nunca vai ter uma participação relevante na matriz energética brasileira, mas tem tendência de aumentar por causa do plano de estímulo no governo do Rio Grande do Sul, como do Projeto da Mina Guaíba e da aprovação do Polo Carboquímico Gaúcho.

350.org Brasil – Délcio, um dilema da comunicação ambiental em geral, é como atingir os não convertidos. O que tem a dizer sobre isso?

Délcio Rodrigues – Para chegar ao coração das pessoas, há pautas que talvez sejam menos relevantes do ponto de vista estrutural, mas são muitos importantes do ponto de vista de criar diálogo. A questão de gênero dentro da agenda climática é um ponto super importante. Como exemplo, ouvir mulheres que são lideranças ativistas, e também  compreender que entre as populações mais vulneráveis geralmente as mulheres são as mais vulneráveis aos efeitos da questão climática. O tema das populações originárias é muito relevante porque está extremamente ligada à Amazônia, entre outros biomas. Os indígenas também perceberam a relevância de sua atuação frente à questão climática global. Talvez eles entendam este tema muito mais que setores urbanos da classe média.

350.org Brasil – Como sensibilizar pela comunicação o público sobre a violência no campo e principalmente contra ativistas ambientais (indígenas, quilombolas, agricultores familiares, entre outros), que é grande no Brasil?

Délcio Rodrigues – Quanto mais histórias você puder contar a respeito deste tema, é melhor. A narrativa é o caminho. As pessoas se aproximam muito do tema por conta das ‘outras pessoas’. Há histórias de invasão, de como os povos originários são interessantes como pessoas, por meio de sua cultura e tradição, e como estão sendo afetados pela violência e pela invasão de terra. Apesar de ser uma tarefa difícil, acredito que esse aspecto tem melhorado na comunicação.

Na minha geração – tenho 65 anos – crescemos com uma visão muito interessante sobre as comunidades originárias brasileiras. Uma fantasia que era gerada em torno da trajetória dos Irmãos Villas-Bôas, que era algo muito comunicada, como também dados maravilhosos sobre o Xingu, O antropólogo Darcy Ribeiro tinha uma interpretação muito interessante, que era muito valorizada. Seria um trend topic, nos tempos de hoje, de twitter. Houve um momento de ouro nessa comunicação, entre os anos 70 e 80. De lá até cinco anos atrás, foi diminuindo esta intensidade e ao mesmo tempo foi sendo propagada uma visão equivocada do índio com vícios, que não trabalha. Eu me preocupava muito com esta visão distorcida de parte sociedade branca urbana.

Eu acho que a emergência de líderes indígenas, nestes últimos anos, tende a mudar isso. Há indígenas que são ativistas, escrevem livros, se candidatam a cargos políticos e que falam na mídia. Isso traz uma atenção sobre suas causas e enaltece sua importância. Hoje a juventude tem acesso à informação e abre a possibilidade de ampliação desses canais. Antes era o branco falando do indígena. Atualmente é o próprio indígena falando sobre seus povos, lideranças femininas e masculinas. Há muitos anos, ouvíamos falar do Mario Juruna (1943-2002), que foi o primeiro deputado federal indígena no Brasil, em 1982. O cacique Raoni Metuktire, por exemplo, antigamente aparecia episodicamente. Nos últimos anos projetou a causa internacionalmente de forma mais contínua.

Outro lado também é tratar da pauta mais dura, que retrata a violência e o sofrimento. Quando a gente conta estas histórias, de alguma maneira reverberam.

Os quilombolas também têm sofrido violência em diferentes regiões do país, como os indígenas, devido a disputas de terras geralmente devido a pressões do agronegócio,  extrativismo minerário e da madeira, sendo a maioria, ilegais, entre outras.

350.org Brasil – A juventude militante tem se projetado em movimentos climáticos pelo mundo, entre eles, o Friday`s for Future, entre outros. Qual é a sua avaliação a respeito?

Délcio Rodrigues – Ainda é preciso entender o que são estes movimentos na Europa, na Ásia e na América do Sul. Têm participações quantitativamente e projeções diferentes. Na Europa, por exemplo, o Friday`s for Future é gigantesco. São milhões de crianças e adolescentes. Na América do Sul, ainda está se constituindo. As pautas dos jovens estão juntando a questão climática com as outras prioridades do dia a dia, aos poucos, e isto está reverberando na Organização das Nações Unidas (ONU).

Junto com os cientistas, os jovens são a segunda maior força para pressionar pela mudança. Isto é muito relevante!

350.org Brasil – Quais são os caminhos que o ClimaInfo pretende trilhar?

Délcio Rodrigues – O foco do ClimaInfo é a própria mídia para que crie seus materiais. Mas o que não podemos perder de vista é que a mídia tradicional é dirigida principalmente para a classe média branca, com algumas exceções. Agora, queremos também trabalhar com a mídia regional, como a emergente (que tem pautas específicas e financiamento colaborativo). Em Recife, Belém, Amazonas, entre outras localidades, encontramos estas experiências. Outros públicos com quem queremos falar são as mídias periféricas. Se não fizermos isso, estamos desprezando uma parcela enorme da população brasileira. Temos de trabalhar muito neste sentido, com mente e coração abertos para ouvir e aprender com estes comunicadores.

Sobre a 350.org e as mudanças climáticas

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.

Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.

Sucena Shkrada Resk – jornalista ambiental, especialista em política internacional, e meio ambiente e sociedade, é digital organizer da 350.org Brasil

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