Ambiente

Os equívocos de um governo descuidado com a sustentabilidade

por Isabela Holl, especial para a Agência Envolverde –

“O atual governo pensa de maneira muito equivocada sobre a questão da sustentabilidade”, diz presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

Em entrevista à Agência Envolverde Envolverde o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara (CMADS), Rodrigo Agostinho (PSB) conversou sobre os desafios políticos que serão pauta durante o ano de 2020. Segundo ele, o atual governo tem uma visão muito atrasada em relação à sustentabilidade.

Rodrigo Agostinho assumiu a presidência da Comissão em março do ano passado e continuará até março deste ano, não há possibilidade reeleição para esse cargo. O deputado também contou como foi a complexa experiência de participar da COP 25, onde o Brasil foi cobrado internacionalmente pelas más decisões ambientais que o governo tomou ao longo do ano de 2019.

Em relação ao desenvolvimento do país, ele defende que há saídas ecológicas e sustentáveis, que têm a Ciência e a Tecnologia como aliadas para alcançar melhorias econômicas. Ele afirma que o atual governo tenta criar uma falsa ideia de que não haverá desenvolvimento econômico se o meio ambiente for preservado. Essa concepção é dada para acobertar os péssimos índices de preservação ambiental. Essa é uma área onde o deputado tem muita experiência, é um respeitado ambientalista e foi prefeito da cidade de Bauru (SP), de 2009 a 2017.

Abaixo estão os principais assuntos da entrevista:

Este ano no Fórum Mundial Econômico Mundial de Davos foi exposto um relatório que afirmou que mais da metade do PIB mundial é dependente da natureza e seus serviços. Como o senhor interpreta a questão da dependência econômica sobre os recursos ambientais?

 Rodrigo Agostinho – O relatório Planeta Vivo da WWF (Fundo Mundial para a Vida Selvagem e Natureza)  já havia apontado nessa direção. Essa pesquisa mostrou que a gente utiliza mais do que um planeta terra por ano, em recursos naturais, para manter o PIB. Então, de certa forma, esse relatório de Davos surge na mesma linha, temos uma dependência enorme de produtos primário, uma boa parte do mundo ainda é extrativista. A produção de peixe é uma extração da natureza que é feita em escala industrial. Os produtos minerais não são um recurso renovável, então, de maneira muito clara, existe uma dependência grande dos produtos da terra. O Brasil tem uma dependência econômica agrícola, pois o país acabou se desindustrializando ao longo do tempo.

Essa exploração de recursos naturais tem uma conexão muito forte com as mudanças climáticas. A ciência comprova que essas mudanças estão ocorrendo, o problema é o tamanho dessa mudança. O mundo não tem feito a sua lição de casa, isso tem sido comprovado nas conferência do clima da ONU e em situações como agora de Davos. Corremos o risco de acontecer um sério colapso econômico, quando não tivermos condições de ter a nossa produção de cana, de álcool, açúcar, suco de laranja, soja e milho. Teremos um colapso de segurança alimentar também, não é apenas na economia. Além disso, ao pensar na natureza, vivemos um processo de destruição em massa. A questão do meio ambiente está cada vez mais presente nas análises econômicas, principalmente em empresas que realizam análises de risco para cenários econômicos.

 

O deputado também comentou sobre a fala de Paulo Guedes em Davos,

que afirmou que as pessoas mais pobres desmatam para comer.

Rodrigo Agostinho ressaltou que essa fala pode causar uma impressão falsa,

pois desmatar grandes extensões florestais não é simples e nem barato.

“Precisamos de equipes inteiras para colocar uma floresta no chão não é algo simples”.

 

Qual sua visão sobre a atuação do Brasil da COP 25?

Eu estava na Cop 25 e foi depressivo. O Brasil foi ridicularizado por muitos países, conversei com muitos parlamentares de países europeus e eles têm clareza de que a área ambiental brasileira está sendo administrada de maneira equivocada. O Brasil sempre liderou conferências de clima, foram brasileiros que escreveram muitos textos que são seguidos até hoje, uma parte do Acordo de Paris foi elaborado pelo Brasil. De repente, vimos os diplomatas brasileiros de mãos atadas tendo que responder a um ministro do Meio Ambiente  totalmente equivocado, que percebeu que o mundo não vai mais investir no Brasil enquanto mudarmos a estratégia. Foi algo extremamente decepcionante, não basta ir lá fora e dizer “eu quero dinheiro para proteger o meio ambiente”, não é assim que funciona. Para conseguir recursos é preciso assumir compromissos, tem que fazer a lição de casa. O governo quis dizer lá fora que está recuperando suas florestas. Na verdade existem áreas desmatadas da Amazônia, nas quais não houve dinheiro para pôr gado ou não foram legalizadas porque conseguiram a terra através de grilagem, que estão se regenerando. Então, o governo quis apresentar essas terras como indicadores de que a floresta está regenerando. O acordo era que o Brasil ia plantar 40 milhões de árvores e não esperar a floresta voltar sozinha. Estou muito decepcionado com o resultado dessa conferência, no final o Brasil acabou ganhando prêmio de Fóssil do Ano.


O atual governo tende a expressar que os recursos naturais são concorrentes da economia. Como explicar para esses políticos que é possível que os dois setores convivam em harmonia?

Esse é um discurso extremamente atrasado, o mundo tinha essa mentalidade nos anos 70. Na conferência da ONU de 1972, o Brasil chegou a dizer que se os outros países não queriam poluição, o Brasil queria porque era sinônimo de desenvolvimento. O mundo mudou, não existe outro futuro que não esteja dentro da sustentabilidade.  Hoje, existem na Amazônia 114 milhões de hectares de áreas desmatadas que não tem sequer uma cabeça de gado, não há nenhuma produção. Então, é uma grande falácia, a gente não precisa continuar desmatando e o agronegócio já sabe disso. O governo está preso nesse discurso atrasado para justificar indicadores horríveis, eles abriram mão de mais de 1 bilhão de dólares do Fundo Amazônia, do Fundo do Clima e do Fundo de Multas. Esse dinheiro poderia ser investido,  devido ao congelamento o setor do meio ambiente se desestruturou. Agora que a comunidade europeia está ameaçando o Brasil com uma série de embargos e boicotes, o governo lança uma iniciativa com os militares fora do Ministério do Meio Ambiente: um novo conselho sobre a Amazônia, uma força nacional ambiental que seria a “salvação”. Obviamente que ajuda, mas a solução não está só aí. O mundo entendeu a necessidade da sustentabilidade e está investindo nisso. O agronegócio brasileiro sabe que se acabar com Amazônia vai parar de chover e afetar a produção deles próprios. O governo está com os discos antigos, como se tivesse saído da ditadura militar. Isso é um desastre, eu pedi a cabeça do ministro no ano passado, nós fizemos mais de 70 audiências públicas e a maioria delas foram para debater retrocessos do governo. Como desmontes dos fundos para equipes de fiscalização das unidades de conservação e desmontes das políticas públicas relacionadas aos povos indígenas. O ministro do Meio Ambiente está extremamente equivocado. Houve uma sucessão enorme de retrocessos e de crimes ambientais, que foram praticados por conta da omissão do governo. A gente vai ter que lutar pelos próximos anos para nos recuperar das consequências desses desmontes.

Em uma de suas entrevistas, o senhor comentou sobre o diálogo que deve existir com a sociedade civil. Uma das problemáticas desse diálogo é que os políticos estão dando informações erradas e contraditórias. O que o senhor, como presidente da comissão, acha que é possível fazer para melhorar esse diálogo com a sociedade, mesmo com esses entraves?

Ao mesmo tempo que a gente tem um astronauta a frente do ministério de Ciência e Tecnologia, existem setores do governo que acreditam que a Terra é plana. Isso é muito complicado, porque representa um descrédito em tudo que se investiu em Ciência e Tecnologia ao longo do tempo. É um desprestígio para as nossas universidades que já sofrem com perda de recursos há muitos anos, não é somente desse governo, mas agora se consolidou como um projeto de governo. Eu, particularmente, acho que a sociedade precisa reagir, é preciso que se ajude a esclarecer as informações. Porque uma parcela da sociedade que não é bem informada pode até acreditar nesse discurso de que as universidades só servem para legitimar partido de esquerda e que não geram conhecimento. As universidades precisam vir a público, aquilo que é produzido dentro delas tem que ser levado à sociedade para que essa entenda e valorize. Isso também interfere na questão ambiental, como o país vai se desenvolver sem ter conhecimento sobre os valores econômicos que podem estar escondidos no meio das florestas? A indústria farmacêutica utiliza moléculas de plantas e animais pertencentes na biodiversidade. Se existem ministros que estão atrasados, vamos fazer o enfrentamento e mostrar a necessidade de fazer diferente. O Brasil já enfrentou momentos tão ruins ou piores e que soubemos superar, acho que a gente vai superar tudo isso também.

Alguns ambientalistas se preocupam com a atitude de alguns políticos, que continuam tentando derrubar leis de proteção já aprovadas, como a Lei do Cerrado no estado de São Paulo. Essas leis conseguem resistir a essas pressões políticas?

É importante continuar lutando e criando projetos de proteção ambiental. A Lei do Cerrado já está com quase 15 anos e ninguém conseguiu mudá-la, mesmo com todo o esforço dos políticos para derrubar uma lei tão importante, como a Lei do Cerrado. O Projeto de Lei Nacional de Conservação do Cerrado é meu e eu lutei muito para conseguir aprovar a Lei Estadual do Cerrado. Mesmo com todo o esforço que o pessoal faz tentar mudar ela, ainda não conseguiram, então está valendo a pena a resistência. Acredito que estamos no caminho certo, embora seja um momento de muita retrocessos. O atual governo pensa de maneira muito equivocada sobre a questão da sustentabilidade.

Existe uma perda de espécies muito acelerada que preocupa os ambientalistas brasileiros. O que pode ser feito em relação a isso?

Este desmatamento intenso faz com que uma grande quantidade de espécies estejam em risco de extinção. Populações sob risco de extinção podem sofrer ainda mais com as mudanças climáticas, o que é extremamente desafiador. É muito importante que o congresso possa ajudar a estabelecer políticas públicas. Estamos trabalhando muito para poder aprovar alguns projetos regulamentando a utilização sustentável do nosso patrimônio genético, estamos discutindo a nova política nacional de licenciamento ambiental, que pode ajudar também na conservação dessas espécies. Entretanto, existem propostas de retrocesso, como um deputado que quer acabar com a lista de espécies ameaçadas de peixe para poder liberar a pesca generalizada. Existem muitas propostas de retrocesso a gente vai ter que enfrentar cada uma delas. No momento, também estamos tentando aprovar no congresso a Lei do Mar, que consideraria mar como um bioma, o que aumentaria as medidas de proteção dos oceanos. Existem muitos projetos bacanas, o problema é conseguir priorizar eles.

Quando eleito como presidente da comissão, o senhor comentou muito sobre as barragens , o que já foi feito em relação a esse tema?

Na época tinha acabado de acontecer o desastre de Brumadinho. Foram realizados debates e a câmara criou uma comissão externa, para fiscalizar a questão das barragens de Brumadinho e uma comissão parlamentar de inquérito, sobre os envolvidos no caso. Também foram sugeridos o indiciamento de várias pessoas. Na comissão externa foram produzidos sete textos legislativos, três aprovados e outros quatro aguardam votação. Entre esses, há um projeto sobre a regulamentação do licenciamento de barragens no Brasil. Outro projeto importante, que está aguardando a votação no Senado, é o que tipifica o crime de ecocídio. Se esse projeto for aprovado crimes que envolvam grandes desastres ecológicas serão entendidos como crimes hediondos. Eu, particularmente, acho que o congresso teve um papel importante, pois acabou de sair a denúncia do Ministério Público envolvendo o CEO da Vale. Foi comprovado que ele sabia da vulnerabilidade da barragem e não tomou as providências que deveriam ser tomadas.

(#Envolverde)