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Percepção e efeitos do Brexit na América

Joaquín Roy. Foto: IPS
Joaquín Roy. Foto: IPS

Por Joaquín Roy, da IPS – 

Miami, Estados Unidos, 28/6/2016 –Desaparecido o otimismo de muitos que confiavam em uma rejeição do Brexit, a saída da União Europeia após o impacto da decisão do eleitorado britânico, somente nos resta meditar brevemente sobre as causas e o cenário de fundo da lamentável operação, e as consequências para as relações com os Estados Unidos.

Primeiramente, deve-se ressaltar (e isso também é uma crítica global ao sistema atual da Grã-Bretanha) o alto grau de irresponsabilidade que impeliu o primeiro-ministro David Cameron a embarcar nesse rumo, que levou ao maior desastre de seu país em meio século e a infligir um considerável dano não somente à União Europeia (UE), mas a todo o entorno atlântico.

Cameron apostou em uma arriscada operação, a fim de conseguir controle total para seu partido nos próximos anos. Depois seguiu por uma agenda surrealista de campanha de voto contrário ao referendo, que ele precisamente havia desenhado. Ouvia-se nas janelas e no tratamento especial que havia recebido da União Europeia uma vez que conseguisse a resolução positiva.

Já fora advertido desde Bruxelas que não poderia haver outra ampliação dos benefícios especiais, além das condições que deveriam aceitar todos os demais colegas. Recordava-se que o Reino Unido já era um sócio privilegiado. Era eximido da adoção do euro, com um acordo especialíssimo que nem mesmo contemplava um calendário de adesão em um futuro hipotético. Londres também conseguia ter seladas as fronteiras, sem aceitar o inovador sistema de Schengen.

Tudo se fazia para agradar um governo e um país que tinham que demonstrar que eram diferentes.

E chegou a hora fatal. O efeito na Europa já está sendo demolidor. Somente se salva um sentimento dissimulado pudicamente: o único benefício pode ser ter se livrado de um sócio persistentemente incômodo, um convidado que frequentemente se fazia notar de modo negativo. Era um mau exemplo, um freio à plena integração europeia, uma tentação para a imitação de outros reticentes.

Esse processo começou a ser visto recentemente com certa preocupação em Washington. Convém notar que foi o próprio presidente Barack Obama que expressou seu desejo de uma boa resolução, excedendo-se nas maneiras diplomáticas.

Cameron e os eleitores que apoiaram o Brexit prestaram um mau serviço. A imagem que a Grã-Bretanha terá nos Estados Unidos se deteriorará até extremos antes inesperados. De pouco servirá a chamada “relação especial” para apoiar uma das alianças mais sólidas da história recente.

A primeira vítima do desastre poderá ser o processo de aprovação (já duvidoso no curto prazo) do acordo de livre comércio e investimentos entre os Estados Unidos e a União Europeia (conhecido como TTIP) que deveria ser uma réplica do que está inicialmente pactuado entre Washington e os países do Pacífico.

A onda de populismo e oposição ao livre comércio (já presente nas declarações dos candidatos à presidência nos Estados Unidos) contribuirá para deixar lento o que se considera como excessiva globalização, optando pelo nacionalismo controlador das iniciativas econômicas e, sobretudo, políticas.

O sucessor de Obama terá problemas para prosseguir a aliança com Londres em temas estratégicos, já que o Reino Unido será visto como um agente livre da já difícil cooperação europeia em matéria militar. Somente ficará a ligação por intermédio da Otan, com alguns sócios europeus que se sentirão cautelosos em atuar com um colega que verão livre de acordos dentro da UE.

No campo puramente comercial, de Washington não se perceberá como positiva a nova situação na “City” de Londres, desprovida de seu invejável status de eixo financeiro ancorado na UE. Os cantos da sereia de outras capitais europeias, solidamente conectadas com a nova rede comunitária, sobretudo se os líderes da Europa adotarem uma política de reforço da zona do euro.

Da América Latina, a saída do Reino Unido será lida como a confirmação do abandono da prioridade dos esquemas cimentados na supranacionalidade e na integração profunda. A mensagem do Brexit será a confirmação da opção da soberania nacional. Todos os anos que a UE investiu em compartilhar a bondade do modelo de integração europeu, baseado na força de seus tratados e na eficácia de suas instituições, serão considerados como uma perda lamentável de tempo e de energia.

O “modelo de integração” inspirado na agenda norte-americana tendente a acordos individuais ou acordos limitados ao comércio, superará a já debilitada doutrina europeia. O Caribe, sub-região com grande influência britânica, sofrerá por falta de vínculo seguro e se inclinará mais para Washington. Em resumo, a América, o continente mais próximo do ponto de vista histórico e cultural, além de político-econômico, ficará mais distante do que antes da Europa. Envolverde/IPS

*Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected])