Sociedade

No aniversário de São Paulo, artistas e coletivos de arte querem discutir o papel dos indígenas na história e no futuro da cidade

Vinte e cinco lambes com a imagem de Ari Uru-Eu-Wau-Wau serão espalhados em vários pontos de São Paulo, como Sacomã, Barra Funda e Cidade Tiradentes, por ocasião do aniversário da fundação da cidade pelos portugueses, em 25 de janeiro.

O objetivo da ação, promovida por um grupo de 25 artistas e coletivos de arte da região metropolitana, é dar visibilidade à violência contra os povos originários que foi apagada da história oficial, tanto da capital paulista, como do Brasil, e que permanece até hoje. Os lambes reproduzem a imagem criada pelo artivista Mundano em uma empena de 618m2 na lateral de um prédio na rua Quintino Bocaiúva, a poucos metros da Catedral da Sé.Esse local, que hoje abriga o Marco Zero da cidade, foi escolhido por ser originalmente território indígena, ocupado em um processo de expulsão e morte dos povos originários.

Ari Uru-Eu-Wau-Wau, indígena assassinado em abril de 2020, em Rondônia, foi retratado em uma releitura do quadro Bananal, de Lasar Segall. O grande mural do guerreiro Ari foi feito com terra coletada no Marco Zero e misturada a cinzas de queimadas da Amazônia coletadas por Mundano.

A emblemática luta do povo Uru-Eu-Wau-Wau é o tema do filme “O Território”, que levou dois prêmios no Festival Sundance e agora concorre a uma vaga no Oscar. Os lambes também incluem uma mensagem alusiva à preservação da Amazônia, lembrando que somos a última geração que pode manter a floresta em pé.

A relação entre a maior floresta tropical do planeta e a maior metrópole da América do Sul foi escancarada em 19 de agosto de 2019, quando a fumaça das queimadas na Amazônia escureceu a tarde paulistana. Os mesmos ventos que trouxeram a fumaça também trazem a umidade gerada pela floresta, que emite vapores para o ar por meio da evapotranspiração e forma os chamados “rios voadores”. Sem eles, São Paulo talvez não existisse: em todo o mundo, a região ao longo do Trópico de Capricórnio é coberta por desertos, como o Atacama, o Kalahari e o Deserto da Austrália.

A preservação da floresta, por sua vez, depende muito dos indígenas: dados do MapBiomas mostram que as terras indígenas perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa nos últimos 30 anos, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%. Para quem quiser se engajar na luta pela defesa dos povos indígenas e da floresta, basta usar a câmera do celular para ler o QR-Code reproduzido nos lambes e que leva à campanha Amazônia de Pé: um abaixo assinado que visa criar uma lei de iniciativa popular destinando os 57 milhões de hectares de florestas públicas na Amazônia para proteção dos povos indígenas, quilombolas, pequenos produtores extrativistas e Unidades de Conservação, além de prever uma maior criminalização para o roubo de terras, a grilagem.

Organizações da sociedade civil já haviam espalhado imagens do cacique Raoni em São Paulo e outras cidades brasileiras no Dia do Meio Ambiente de 2022. Naquela ocasião, como agora, pretende-se resgatar a visibilidade dos indígenas que foi apagada pela história oficial. “O apagamento dos indígenas de nossa história é parte do processo de genocídio iniciado há mais de 500 anos e que persiste até hoje, como nos lembra a imagem de Ari Uru-Eu-Wau-Wau. Interromper esse genocídio é urgente. Trata-se de uma questão de justiça humanitária e climática.

São as florestas e seus guardiões que garantem a estabilidade do clima no Brasil, o que inclui a própria sobrevivência da cidade de São Paulo”, alerta o artivista Mundano. “A História está repleta de cidades que foram varridas do mapa por fatores ambientais e São Paulo poderá ser uma delas, no futuro, se o desmatamento comprometer o fluxo dos rios voadores que asseguram a água potável que consumimos. O destino de São Paulo está unido ao destino dos povos indígenas do Brasil”, afirma.

A versão tradicional da fundação de São Paulo sugere uma convivência pacífica com os povos originários, baseada na ideia de que o cacique Tibiriçá teria sido um colaborador fiel dos interesses dos jesuítas, juntamente ao seu irmão Caiubi. Pesquisas mostram, contudo, que a relação foi bastante conflituosa. Por exemplo, em 1562, indígenas das etnias guarulhos, guaianás e carijós se uniram em combate contra os jesuítas e a aliança realizada que havia sido firmada com o cacique Tibiriçá.  (#Envolverde)