Há uma máxima que deve ser respeitada: os fatos não mentem, quando se trata de analisar a desigualdade socioeconômica no Brasil, que inclui a injustiça ambiental. Os percentuais estatísticos se revelam diariamente, nos trazendo a uma realidade gritante: o país está entre os 15 mais desiguais no mundo e basta termos sensibilidade no nosso dia a dia para enxergarmos e nos sentirmos parte desta engrenagem. Desemprego, déficit de acesso ao saneamento, ao atendimento à saúde e educação e índices de violência são alguns desses indicadores no chão. Uma posição que nenhuma nação deve se orgulhar, não é?
Os abismos só crescem e trazem um questionamento permanente: como atingir a gênese do problema e seguir um rumo diferente de forma permanente? Que tipo de governança realmente queremos se hoje ainda milhares de cidadãos (ãs) são privados do mínimo da dignidade humana? Como atingir, de fato, as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ODS/ONU) até 2030?
No último dia 16, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apresentou os seguintes resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Continua (PNADC), que é realizada desde o ano de 2012: o rendimento médio mensal real do 1% da fatia mais rica da população brasileira (2,1 milhões de pessoas) atingiu em 2018 o equivalente a 33,8 vezes o ganho obtido pelos 50% mais pobres do país (mais de 100 milhões de pessoas). É uma média mensal de R$ 27.744 contra R$ 820. Importante ficar atentos a um detalhe: menos que um salário mínimo.
O problema se acentua porque é constatado que os 30% mais pobres do país, que correspondem a aproximadamente 60 milhões, tiveram seu rendimento médio mensal reduzido, em alguns casos em até 3,2%. A matemática da desigualdade ainda é mais incisiva. Os 5% mais pobres (10 milhões de cidadãos) receberam ganhos mensais de R$ 153 em 2018, contra R$ 158 reais em 2017. Como sobreviver com estas quantias? Um bom exercício de reflexão. Enquanto isto, a parcela do 1% mais rico teve o aumento de rendimento na faixa de 8,4%, ou seja, de R$ 25.593 para R$ 27.744, no mesmo período.
A concentração de renda é uma mazela histórica no país. O estudo “The concentration of income at the top in Brazil”, produzido pelos pesquisadores Pedro Herculano Guimarães e Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea), sobre o período de 2006 – 2014, já revelava que o Brasil estava em quinto lugar na desigualdade entre 29 países — entre desenvolvidos e em desenvolvimento —em que a parcela mais rica da população recebia mais de 15% da renda nacional. O 1% mais rico do Brasil concentrava entre 22% e 23% do total da renda do país, nível bem acima da média internacional. O documento foi publicado no ano passado pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (IPC-IG/PNUD).
Já no Relatório de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2018, o Brasil figura em 79º lugar entre 189 países.
Os abismos no nosso dia a dia
Como nos defrontamos com estes abismos no dia a dia? Um dos indicadores mais inquestionáveis é o do número de desempregados, que ultrapassa 12 milhões de pessoas e pelo menos 54,8 milhões de cidadãos que recebem na casa de R$ 400 mensais para sobreviver, dados baseados em informações do IBGE. Por outro lado, a carga tributária é algo astronômico para o bolso do trabalhador e é uma das maiores do mundo.
Existe ainda a estimativa que mais de 102 mil pessoas vivam em situação de rua e segundo o IPEA, apenas 47% da população de rua estava no Cadastro Único de Programas Sociais. Isso significa que há dados subestimados.
Um dos termômetros mais implacáveis é o do saneamento. O Brasil ainda tem 48% de nossa população sem acesso à colega de esgoto, o que é similar a 5.650 piscinas olímpicas despejando esgoto diariamente, segundo o Instituto Trata Brasil. Neste decréscimo, ainda a 35 milhões de brasileiros não chega também água tratada. A área da saúde é um reflexo irrefutável desta desigualdade socioeconômica. Em 2017, houve a internação de 289 mil pessoas em decorrência de diarreia e 50% delas eram crianças, entre 0 e 5 anos.
De todos os municípios brasileiros, menos de 10% têm leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), segundo Conselho Federal de Medicina (CFM). O retorno de doenças que eram consideradas erradicadas ou controladas é mais um sinal da desigualdade. Temos como exemplo, o sarampo e a malária, entre outros. Quinze pessoas morrem, em média, de desnutrição no Brasil, diariamente.
Quando o assunto é energia elétrica, a estimativa é de que não chegou a 2 milhões de pessoas, de acordo com dados apurados com concessionárias de energia.
O país tem mais de 38 milhões de analfabetos funcionais e 11,5 milhões acima de 15 anos não sabem nem ler ou ou escrever. O Plano Nacional de Educação, de 2014, prevê erradicar o analfabetismo absoluto até 2024.
A violência também é uma chaga no país. Há uma morte violenta a cada 12 minutos no Brasil – 118 por dia, em média. A situação dos idosos também preocupa. Em 2017, o Ministério dos Direitos Humanos registrou mais de 33 mil denúncias de abusos e agressões.
As lacunas em todas estas áreas demonstram a ineficiência da gestão pública não solucionadas. São alertas que expõem que infraestrutura básica é mais do que essencial para a sustentação de avanços em um país. Os mais pobres consequentemente são os mais vulneráveis aos eventos extremos climáticos. E, sem dúvida, o Produto Interno Bruto (PIB) esconde estas injustiças socioeconômicas e ambientais.
*Sucena Shkrada Resk – jornalista, formada há 27 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
Leia mais: https://cidadaosdomundo.webnode.com/news/o-onus-da-desigualdade-no-brasil/