Opinião

Preconceito, Cultura, Política e Utopias (XV)

por Samyra Crespo – 

A expansão da consciência.

Você não acorda um dia e pensa: eu sou ambientalista. Até porque antes dos anos 90′ o conceito não existia, nem se usava o termo.

Existiam a ciência da ecologia e os “ecologistas”.

Uma coisa como acreditar na “lei da evolução ” postulada por Darwin e ser darwinista, e na extensão social desse novo conhecimento tornar-se evolucionista (doutrina que muito influenciou os marxistas, diga-se passagem); ou social-darwinista (teoria condenada por em tese propugnar que sobrevivem apenas os mais aptos e que a igualdade seria apenas um construto de ordem moral). Ser ecologista era como traduzir os princípios ecológicos que regulam a existência e desenvolvimento de plantas e animais para a compreensão das sociedades humanas. Soava esquisito.

Os ecologistas, surgiram na cena comum brasileira no sudeste do Brasil, quando um pioneiro – José Lutzemberger, ex engenheiro químico da indústria de fertilizantes, começou a denunciar e a militar contra os agrotóxicos. Surgiu ainda em forma de ecologia urbana, com o ar irrespirável de São Paulo, capital – e com o nascimento de crianças sem cérebro em Cubatão, polo petroquímico da baixada santista. No auge da Ditadura Militar, os espaços e notícias censurados eram ocupados por receitas culinárias (aí todo mundo sabia da censura) e por notícias do avanço do “desenvolvimento” de São Paulo sobre as áreas de floresta e mananciais, tendo se notabilizado – em termos de repercussão – a luta pela não construção do aeroporto de Caucaia do Alto.

Na prática vivi esses fenômenos sem ter total consciência deles – pois operavam na minha realidade, mas não tinham um lugar na minha visão nem na teoria sobre o mundo ou mesmo sobre a sociedade.

Meu filho menor, quando bebê e quando ainda residíamos em São Paulo começou a apresentar sérios problemas alérgicos – inclusive placas vermelhas nas maçãs do rosto. De médico em médico, de pomada em pomada fui parar num médico homeopata. O diagnóstico era simples e terrível: agrotóxicos nas frutas e verduras, base da alimentação dos bebês depois do desmame. Assim, desde os anos 80′ passei a buscar – com dificuldade – os produtos orgânicos.

Desenvolvi, devido à poluição do ar em São Paulo uma conjuntivite crônica que me impediu de usar lentes de contato para a miopia até os trinta anos de idade. Vi com meus próprios olhos o Rio Pinheiros espumar, devido aos tensoativos de detergentes e sabões domésticos. Li sobre a Conferência de Estocolmo e sobre a necessidade de regulação das atividades econômicas poluentes. Tudo parecia uma questão de chaminés e segurança dos trabalhadores. Não havia órgãos de defesa do consumidor até à redemocratização do País. Tanto os temas da qualidade de vida quanto da alimentação saudável não estavam postos na opinião pública.

Na história do ambientalismo, diz-se que a palavra “poluição ” surge nos anos 60′, as primeiras leis ambientais nos Estados Unidos nos anos 70. Aqui no Brasil as primeiras secretarias de meio ambiente surgem nas grandes capitais (Rio e São Paulo e DF) em meados dos anos 70′, enfrentando a falta de especialistas e os lobbies das indústrias poluentes.

Com o ambiente cultural hegemonizado de um lado pelo marxismo – que só muito perifericamente entraram na questão ecológica e aqui chegaram com os franceses (René Dumont, Moscovici, Ignacy Sachs); e com a indústria do entretenimento do outro; com uma terceira perna despontando – a expansão do consumo, bem os temas ecológicos eram mais um nicho das preocupações das “classes médias urbanas”. Para a maioria dos intelectuais de esquerda que conheci, este não era um tema nacional nem prioritário. A Amazônia? Era um problema geopolítico e não “ecológico “. As demais florestas? Tome projeto de reflorestamento, subsidiados, enchendo as áreas desmatadas de “pinus” e eucaliptos. Se lembrarmos as ondas da indústria moveleira, será fácil ver como numa determinada época todo mundo tinha em casa móveis de mogno, estantes de cerejeira. Depois, à medida que o mogno escasseava vieram os móveis de pinus, menos nobres e mais baratos. As nossas árvores e florestas viraram as mesas em que nos sentamos para comer, as cadeiras, as camas, as vitrines de lojas.

Todo esse raciocínio para dizer que a consciência ecológica surge quando ligamos estes pontos mais ou menos soltos em nossa experiência; emerge quando conseguimos nomear os fenômenos e ver a conexão entre eles; surge primeiro como experiência depois como consciência e finalmente como teoria. E da teoria a formulação de políticas.

Assim, no período preparatório ao que veio a ser conhecido como a Rio 92 (em torno de 1987), as Nações Unidas divulgaram um relatório preocupante: Relatório Brundtland. Nele estava claro que sem mudanças no processo produtivo não seria possível deter a degradação do meio ambiente nem a depleção dos recursos naturais. Não era somente uma questão de hábito de consumo ou estilo de vida, mas um problema estrutural que estava na base da produção tanto capitalista quanto socialista.

E de supetão uma baita problemática global desembarcou no Brasil. E a porta de entrada foi o Rio de Janeiro, cidade escolhida pelo Secretariado da ONU para realizar, até então, a maior reunião de cúpula sobre meio ambiente no mundo. A escolha do Rio tem uma crônica interessante que contarei em outro momento.

Conhecíamos os ecologistas – nascia o ambientalismo. E nessa onda gigante, em termos intelectuais e geopolíticos – mudei de turma.

Comecei achando que se tratava de “um objeto de pesquisa”, entre tantos outros que já haviam capturado o meu interesse. Não foi assim nem assado. Foi um interesse avassalador que não de repente, mas por acúmulo, me fez ligar os pontos soltos, me permitindo abraçar a utopia que me anima a vida e a esperança, nos últimos trinta anos.

Depois conto mais, especialmente sobre os “gloriosos anos 90′.

… continua no próximo Post.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.

Este texto faz parte da série que estou escrevendo sobre os anos da minha formação e de como me tornei ambientalista nos anos 90.

(#Envolverde)