ODS17

Refugiados: Entre a xenofobia e as oportunidades

Por Dal Marcondes, da Envolverde – 

A imprensa brasileira está tateando na questão dos refugiados no país, no entanto tem buscado uma posição mais lastreada em fatos, ao contrário das redes sociais

Pouco menos de 10 mil pessoas eram reconhecidas como refugiados no Brasil até o final de 2016. São principalmente haitianos e venezuelanos que não encontram condições de sobrevivência econômica em seus países de origem e um quarto do total é formado por fugitivos das zonas de guerra na Síria. O número total é muito pequeno em relação ao grande volume de refugiados que busca a Europa, no entanto, nas redes sociais a xenofobia em relação a essas pessoas é explícita. “O Brasil está importando terroristas”, diz um internauta, enquanto outro acusa o PT de “trazer haitianos para reforçar manifestações no Brasil”.

Organizações de direitos humanos procuram criar condições para acolher os refugiados, com projetos para adaptação e preparação dessas pessoas para a vida no novo país. No entanto, os governos dos estados mais atingidos, no caso Roraima, que faz divisa com a Venezuela, e Acre, que é parte da rota dos haitianos, pedem ajuda ao governo federal para “conter” o fluxo de refugiados.

Durante muito tempo a mídia tratou o tema dos refugiados de forma pitoresca, uma vez que a situação mais séria acontecia longe dos grandes centros do Sul e Sudeste. As cenas dos haitianos no Acre se misturavam, no imaginário do público, aos cenários do estrangeiro. Contudo, aos poucos os refugiados foram chegando ao cotidiano das maiores cidade e sua presença passou a ser notada. Quem são? Por que estão aqui? O que querem? O absoluto desconhecimento sobre essas pessoas apenas reforçou o sentimento de incômodo com o diferente. Diariamente telejornais despejam na sala dos brasileiros cenas de guerra, terrorismo, violência onde muçulmanos são os principais protagonistas. Em uma analogia rasteira, isso foi interpretado por alguns grupos como: “os terroristas estão chegando”.

Mesmo com grandes meios buscando uma cobertura baseada em fatos e dados, nas redes sociais as fakes news (notícias falsas) prosperam. Uma com grande número de compartilhamento garante que a Suécia, um dos países mais civilizados do mundo, estaria em guerra civil por conta da “invasão de refugiados muçulmanos”. Nos comentários, mesmo que contestados com dados, os internautas manifestam sua xenofobia alegando “que a mídia esconde a verdade”.  No Brasil, xenofobia é crime tipificado na lei 9.459, de 1997. Seu primeiro artigo diz: serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Recentemente o portal G1, vinculado ao maior grupo de mídia do país, usou sua manchete para desmentir um post viral na internet que dizia: “Brasil vai receber 13 navios com refugiados muçulmanos e está criando cidade para abrigá-los”. A mentira se tornou tão compartilhada que precisou ser contestada até pelo governo brasileiro.

“Sai do meu país”

O Brasil é signatário das principais convenções internacionais sobre refugiados e tem uma lei específica sobre o tema. Mesmo assim cenas de violência contra refugiados estão se tornando comuns, como o ataque a um sírio, em plena Copacabana, no Rio de Janeiro, onde um homem investiu contra o Mohamed Ali que trabalha como ambulante vendendo comidas típicas. “Sai do meu país”, gritava o xenófobo com um pedaço de pau na mão.

“Acreditar que todos os muçulmanos são terroristas é o mesmo que afirmar que todos os cariocas são traficantes”, a analogia tem sido utilizada por defensores dos direitos humanos que afirmam que o Brasil tem capacidade para acolher mais imigrantes de zonas de guerra. E alertam para o fato de que nunca houve um atentado terrorista vinculado a esse grupo de pessoas em território brasileiro. Outra crítica sobre os refugiados é em relação ao acesso a benefícios públicos, a legislação brasileira permite que os estrangeiros que obtêm o visto temporário consigam todos os documentos e é permitido trabalhar no país com carteira assinada, matricular os filhos em escolas e até mesmo receber bolsas sociais do governo. Há quem ache que isso, em tempos de crise econômica, prejudica os direitos dos brasileiros, ou é mais do que a população nativa recebe. Curiosamente a crítica vem do mesmo grupo de pessoas que sempre atacou os benefícios sociais para as populações mais pobres.

Nesta metade de 2017 o maior grupo de refugiados que solicita vistos no Brasil é formado por venezuelanos. Gente que foge do caos econômico que assola o país vizinho e que vê no Brasil a chance de retomar a vida. Para eles, mesmo o Brasil estando em crise, o cenário é mil vezes melhor, como declarou a um diário brasileiro Alexandra Elizabeth Perez, 25, venezuelana, que veio morar em Brasília com o marido. “Chegou um momento em que você podia ir ao mercado apenas um dia na semana. Aqui no Brasil a vida é ótima. Você vai à padaria e tem pão”, conta ao lado das filhas, que, há um ano e meio, estudam na rede pública de ensino do DF.

Apenas no ano passado 3.375 venezuelanos pediram refúgio no Brasil, cerca de 33% das solicitações registradas. Em 2015 foram contabilizados 829 pedidos de venezuelanos. O perfil desses refugiados é de boa qualificação profissional, com muitos engenheiros, médicos e professores. Mais do que um risco para os brasileiros, isso pode ser uma oportunidade. Para comprovar, vai um dado utilizado pelos defensores dos direitos dos refugiados nos Estados Unidos: “Steve Jobs, fundador da Apple, a empresa de maior valor do mundo, era filho de um imigrante sírio”.

Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde – Revista Digital, colaborador da revista Carta Capital e da agência internacional Inter Press Service.