Sociedade

Sementes ancestrais reforçam dieta

Juana Morales prepara popusas, um tipode tortilha que os salvadorenhos comem com variados recheios. Mas as suas não são feitas com farinha de milho, e sim com ojushte, uma semente muito nutritiva cujo consumo é promovido na localidade de San Isidro, no oeste de El Salvador. Foto: Edgardo Ayala/IPS
Juana Morales prepara popusas, um tipode tortilha que os salvadorenhos comem com variados recheios. Mas as suas não são feitas com farinha de milho, e sim com ojushte, uma semente muito nutritiva cujo consumo é promovido na localidade de San Isidro, no oeste de El Salvador. Foto: Edgardo Ayala/IPS

Por Edgardo Ayala, da IPS – 

San Isidro, El Salvador, 2/8/2016 – Juana Morales prepara um dos pratos favoritos em El Salvador, as popusas, um tipo de tortilha de farinha recheadas. Mas as suas são únicas: não são as tradicionais de milho, mas feitas de ojushte, uma semente altamente nutritiva, que caiu no esquecimento e cujo consumo agora é promovido entre comunidades rurais.

“Quase diariamente cozinho algo com ojushte, sejam popusas, tamales (massa de milho) ou tortilhas.É um excelente alimento”, garantiu à IPS Morales, de 65 anos, em sua cozinha em San Isidro, um povoado de três mil habitantes, no município de Izalco, no departamento de Sonsonate. A popusaé uma massa circular mais grossa do que a tortilha, que os salvadorenhos recheiam com feijão, queixo, vegetais e produtos suínos.

O fácil acesso que Morales tem ao ojushte (Brosimum alicastrum) se deve ao fato de sua filha, Ana, ser a principal promotora dos benefícios nutricionais da semente na comunidade, graças ao trabalho impulsionado por uma organização nascida no local. Maná Ojushte é uma organização de mulheres que desde 2010 começou a ver os benefícios da árvore e de suas sementes, em uma iniciativa que se fortaleceu em 2014, com apoio do Fundo de Iniciativas para as Américas (Fiaes), dos Estados Unidos, que promove a conservação ambiental.

O ojushte é uma árvore cujas sementes, por suas propriedades nutritivas, estão começando a ser aproveitadas nesta e em outras comunidades do país, como uma forma de oferecer alternativas nutricionais às famílias rurais, ao mesmo tempo em que se luta contra o impacto da mudança climática.

Embora escassa, a espécie é encontrada nos prados salvadorenhos, e na época pré-hispânica foi parte importante da dieta das culturas indígenas de toda Mesoamérica, explicou à IPS Ana Morales, coordenadora da Maná Ojushte. As sementes contêm altos valores de proteína, ferro zinco, vitaminas, ácido fólico, cálcio, fibras e triptofano (um aminoácido), o que as convertem em uma excelente fonte de alimentos para as famílias, explicou, destacando que “são comparadas à soja, mas com a vantagem de não ter glúten e possuir baixo teor de gordura”.

O apoio do Fiaes se integra nos planos pela conservação da Reserva da Biosfera Apaneca Lamatepec, com mais de 132 mil hectares em 23 municípios dos departamentos de Ahuachapán, Santa Ana e Sonsonate todos no ocidente do país. Com o trabalho na reserva, “procuramos vincular o aspecto cultural a saúde e nutrição das comunidades e resgatar esta semente que é parte desses valores ancestrais”, pontuou à IPS a coordenadora territorial do Fiaes, Silvia Flores.

A Maná Ojushte, cujo núcleo é um grupo de dez mulheres, produz e comercializa a semente torrada, moída e empacotada em sacos de 250 e 500 gramas. Com ela é possível preparar refrescos e ser usada em qualquer prato, como arroz e sopas, e servir de complemento nutricional. Como massa, pode se fazer pão, tortilhas, e como semente acrescenta-se a pratos crus.

 Ana Morales, coordenadora da Maná Ojushte, na região onde as sementes de ojushte são secas e descascadas, antes de serem moídas e comercializadas, em San Isidro, no município de Izalco, no departamento salvadorenho de Sonsonete. Foto: Edgardo Ayala/IPS

Ana Morales, coordenadora da Maná Ojushte, na região onde as sementes de ojushte são secas e descascadas, antes de serem moídas e comercializadas, em San Isidro, no município de Izalco, no departamento salvadorenho de Sonsonete. Foto: Edgardo Ayala/IPS

Cerca de 20 famílias são encarregadas de coletar as sementes e as vendem ao grupo pelo preço entre US$ 0,20 e US$ 0,50 por meio quilo, dependendo se a semente é entregue com ou sem casca. Ana Morales explicou que cada família coleta cerca de 150 quilos por temporada, entre janeiro e junho, e isso representa uma ajuda para a renda familiar em momentos em que escasseia o emprego no campo e os fenômenos climáticos colocam em risco as colheitas de grãos básicos na dieta, como milho e feijão. “O trato é que compro suas sementes, mas elas têm que incorporá-la à sua alimentação”, acrescentou.

A Maná Ojushte comercializa 70% da produção e o restante é distribuído gratuitamente na comunidade, por meio de refrigerantes para a escola da comunidade, bem comoparaidosos e grávidas. De fato, a finalidade última é que as famílias conheçam os benefícios da semente e saibam que há alimento disponível em sua comunidade, altamente nutritivo e de fácil acesso. “Nas comunidades há famílias que não têm o que comer, crianças desnutridas e adultos mal alimentados, e não podemos ficar de braços cruzados”, ressaltou Ana Morales.

A desnutrição crônica em El Salvador rondou os 14% em menores de cinco anos, em 2014, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde daquele ano, a referência mais atualizada. Isso supera a média latino-americana, de 11,6%, de acordo com dados de 2015 da Organização Mundial da Saúde.

A ideia de incorporar as sementes à dieta local vai ganhando corpo em San Isidro e arredores. “Eu e minha família gostamos muito, aprendi a fazer tortilhas, sopas, ou apenas cozidas com sal e limão, como salada”, contou à IPS uma de suas moradoras, Iris Gutiérrez, de 49 anos. Ela se dedica a comprar pãezinhos para revender em seu povoado, mas seu objetivo é aprender a fazer pão de ojushte e comercializá-lo. “Algum dia concretizarei esse sonho”, afirmou.

Gutiérrez disse que só precisa ir às propriedades vizinhas coletar as sementes, para adicionar à sua dieta, e de passagem recolhe lenha para cozinhá-las. “Se coletamos duas libras (quase um quilo), isso é adicionado ao milho, e as tortilhas ficam mais nutritivas e rendem mais”, acrescentou esta mãe de dois filhos e chefe de uma família de seis pessoas, que inclui vários tios.

Por outro lado, nos municípios de Candelaria de La Frontera e Texistepeque, no departamento de Santa Ana, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) apoia um esforço semelhante ao do ojushte, mas com uma espécie chamada chaya (Cnidoscolus chayamansa). A chaya é um arbusto nativo da península de Yucatán, no México, também considerado ancestral pelos maias que habitaram essa região na época pré-colombiana.

Como o ojushte, a promoção da chaya surgiu dentro dos planos de conservação realizados nesses dois povoados para paliar os impactos da mudança climática. As comunidades “tinham que buscar alternativa nutricional que contribuísse para melhorar a dieta e também fosse resistente às mudanças climáticas, e encontramos entre as plantas mais benéficas a chaya”, destacou à IPS a especialista em nutrição do escritório da FAO em El Salvador, Rosemarie Rivas.

Além da chaya, a FAO distribuiu 26 mil árvores frutíferas e oito mil de moringa, outra planta com propriedades nutricionais. Também foram criadas 250 hortas familiares para fortalecer as capacidades de gerar alimentos. A promoção desses alimentos, tanto ojushte quanto chaya, moringa e outros, pode fazer a diferença em um esforço para baixar os índices de má nutrição da população no campo, explicou Rivas.

Acrescentou que para conseguir bons resultados em matéria de nutrição não basta consumidor alimentos nutritivos, entrando em jogo outras variáveis, como a saúde das pessoas, e isso está condicionado por fatores como saneamento do entorno e a qualidade da água, entre outros. Envolverde/IPS