Agricultura urbana na Europa

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Tomates e alfaces crescem na estufa da Rostlaube.
As experiências de agricultura urbana se afirmam em cidades europeias, estimuladas pela consciência ambiental e pelo medo da falta de alimentos, ainda gravado no inconsciente coletivo de muitos povos.

Berlim, Alemanha, 18 de julho de 2011 (Terramérica).- Desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e em especial a partir da década de 1960, o distrito de Kreuzberg, em Berlim, é um cadinho de culturas: seus residentes procedem dos Bálcãs, da bacia do Mediterrâneo, da África, Ásia, Europa central e América Latina. Seguindo essa tradição, no jardim urbano situado na Moritzplatz, no coração de Kreuzberg, hoje em dia são cultivados tomates da Índia, da Turquia, do Marrocos e inclusive da Rússia, salsa da Itália, Grécia e do Japão, batatas da África e dos Andes, e menta e hortelã de todas as partes da Terra. Trata-se de um dos primeiros projetos berlinenses de agricultura na cidade.

“Muitas vezes as sementes de nossas hortaliças são presente de nossos vizinhos quando regressam de viagem aos seus países de origem”, disse ao Terramérica um dos fundadores e coordenadores do projeto, Robert Shaw. “Em outras ocasiões encomendamos as sementes por catálogo”, acrescentou. Robert, cineasta documentarista por profissão, e o fotógrafo Marco Clausen começaram a horta no verão de 2009, limpando um terreno comunitário de seis mil metros quadrados localizado junto a Moritzplatz e que permanecia abandonado há décadas.

“Com a ajuda dos vizinhos e amigos retiramos duas toneladas de lixo acumuladas no terreno em muitos anos”, contou Robert. Após uma viagem a Cuba, onde Shaw conheceu o desenvolvimento da agricultura urbana em Havana, ele e Clausen conceberam “o jardim das princesas” (Prinzessinnengarte), assim chamado em razão do nome da rua onde se localiza, a Prinzessinnenstrasse, como um projeto comunitário no qual todos os moradores podem participar.

A situação deste tipo de agricultura em Cuba é muito diferente. Somente no primeiro trimestre de 2010 as hortas urbanas produziram 362.608 toneladas de vegetais e empregam cerca de 300 mil pessoas. A partir do sucesso desta produção, o governo prepara um grande plano de cultivos suburbanos em uma tentativa de reduzir a importação de alimentos e aproximar-se da soberania alimentar.

Em Moritzplatz, entretanto, “a horta não é propriedade de ninguém”, explicou Robert. “Nós a administramos, mas pode participar quem quiser, pois o objetivo é fornecer verduras orgânicas produzidas localmente à população do distrito e promover um trabalho comunitário e de resgate de tradições de agricultura orgânica esquecidas em uma cidade como Berlim”, acrescentou. Esta gestão permite que qualquer pessoa que trabalhe aqui obtenha, como remuneração, hortaliças e ervas a preços menores, em média, do que os praticados no mercado local.

Na horta não são usados insumos químicos e, como os produtos são consumidos na área, são reduzidos ou eliminados os custos de transporte e as emissões de dióxido de carbono quer isto representa. Durante o inverno, o jardim se muda para um antigo mercado coberto, recém-reformado e que serve de centro comunitário. Além do jardim e da horta, onde são plantadas 15 variedades de batatas, outras tantas de tomates, dez de cenouras e abóboras, várias de couve e beterraba e numerosas ervas, como salsa, menta, sálvia, alfavaca e coentro, o Prinzessinnengarten também conta com um café e um restaurante no qual uma cozinheira japonesa prepara sopas e outros pratos, utilizando unicamente as hortaliças locais.

A equipe de Robert e Marco também coopera com projetos semelhantes em outras cidades alemãs e no exterior, organiza seminários com universidades e aconselha organizações assentadas em Berlim na remodelação de seus jardins e espaços verdes. “Nossa premissa é que todos podem aprender com todos”, ressaltou Robert, que, segundo suas próprias palavras, herdou seu amor pela horticultura de sua avó, “obcecada pela autossuficiência alimentar após a experiência da guerra”.

O Prinzessinnengarten é um entre muitos projetos de agricultura orgânica que florescem em numerosas cidades europeias. Na própria Berlim, outra iniciativa organizada por um grupo de agricultores urbanos da cidade suíça de Zurique, utiliza a aquaponia, que combina cultivo hidropônico de hortaliças e criação de peixes, reduzindo o consumo de água e os dejetos. Na Rostlaube (pérgola oxidada), um contêiner transformado em tanque-modelo de piscicultura e estufa, o grupo UrbanFarmers, dirigido por Roman Gaus, planta tomates e outros legumes na parte superior e utiliza como fertilizante as fezes de peixes cultivados na parte inferior.

“Nosso propósito é ajudar as pessoas a recordarem que podemos produzir alimentos utilizando a menor quantidade possível de insumos químicos, sem fertilizantes, pesticidas, nem antibióticos”, disse Roman ao Terramérica. No tanque de piscicultura, o amoníaco das fezes dos peixes é convertido em nitrato pela ação de bactérias, sendo utilizado como fertilizante de tomates e ervas em um circuito fechado de água e insumos. O propósito da UrbanFarmers – cujo lema é “boa comida a partir do teto” – é aproveitar todos os espaços urbanos livres, terrenos baldios, terraços e áreas industriais abandonadas, para produzir alimentos. A Rostlaube produz cerca de 200 quilos de legumes e 60 quilos de pescado por ano. Porém, “é apenas um modelo”, explicou Gaus.

“Em uma cidade como Basileia, na Suíça, há dois milhões de metros quadrados de terraços que podem ser facilmente transformados em hortas e tanques de piscicultura”, explicou Roman. Ele afirma que, usando 5% dessa superfície, ou seja, cem mil metros quadrados, “seria possível fornecer verduras, frutas e pescado a 25% da população local, quase sem insumos químicos e com mínima emissão de gases-estufa, já que o transporte inexiste”.

Nicolas Leschke, diretor-adjunto da Malzfabrik, um centro de negócios de economia sustentável que abriga a Rostlaube em Berlim, explicou que foi escolhida uma espécie de peixe local a fim de evitar custos adicionais. “Por isso escolhemos a carpa (Cyprinus carpio), comum em lagos e rios em torno de Berlim, cuja criação é muito fácil”, disse Nicolas ao Terramérica, enquanto comia um tomate cultivado na estufa situada acima do tanque. O processo completo recicla todos os insumos, menos a forragem para os peixes, as sementes para as hortaliças e o filtro da água, onde o amoníaco é convertido em nitrato. “Inclusive a eletricidade utilizada pelo filtro poderíamos gerar com painéis solares”, destacou. Projetos semelhantes brotam em outras cidades europeias como Amsterdã e Paris.

 * O autor é correspondente da IPS.

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Malzfabrik, em inglês e alemão

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.