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TERRAMÉRICA - Demarcação indígena se torna crucial

O xamã José Carmona rechaça os grupos armados. Foto: Humberto Márquez/IPS
O xamã José Carmona rechaça os grupos armados. Foto: Humberto Márquez/IPS

 

Indígenas do sul da Venezuela reclamam a demarcação de seus territórios, maior atenção do Estado com suas carências e proteção diante da invasão fronteiriça de mineiros e grupos armados.

Caño de Uña, Venezuela, 18 de novembro de 2013 (Terramérica).- “Em todos os países da bacia amazônica há um discurso ambientalista, mas todos têm convênios com multinacionais para estradas, mineração e exploração florestal”, afirmou ao Terramérica o indígena curripaco Gregorio Díaz Mirabal, habitante do sul da Venezuela.

Nesse país “há mais de 50 leis que favorecem os direitos dos indígenas, mas não são cumpridas, e as decisões sobre nossos assuntos são discutidas principalmente com os indígenas que têm cargos no governo”, acrescentou Mirabal, coordenador da Organização Regional de Povos Indígenas do Amazonas (Orpia), que reúne 17 das 20 etnias do sul do país.

“Esse é o caso da concessão da empresa chinesa Citic para que faça um mapa mineral da Venezuela. Não queremos desenvolvimento da mineração, nem que nos criminalizem como desestabilizadores ou agentes da CIA (Agência Central de Inteligência, dos Estados Unidos) ou que defendemos outros interesses estrangeiros”, ressaltou Mirabal.

Onze organizações étnicas do Estado do Amazonas solicitam, desde junho, uma reunião com o presidente Nicolás Maduro para tratar de uma moratória da exploração mineral acordada com a Citic e que se acelere a demarcação territorial. “Não há outra forma de sustentar nossa vida que não seja defendendo o meio ambiente, nosso habitat, somos guardiões da Amazônia para salvar o planeta”, disse ao Terramérica o dirigente Guillermo Arana, do povo uwottyja ou piaroa, na comunidade de Caño de Uña, com o tepuy (montanha de paredes verticais) Autana como pano de fundo.

Várias horas de barco desde Puerto Ayacucho, capital regional 400 quilômetros ao sul de Caracas, remontando os rios Orenoco, Cuao e Autana, permitem avistar o tepuy, também chamado Wahari-Kuawai, “árvore da vida” para os uwottyjas. As comunidades ocupam claros entre a selva e os rios, caudalosos nesta temporada de chuvas, refletindo uma flora de base frágil, pois sobre o leito granítico é muito fina a camada vegetal.

Meninas e meninos uwottyja na comunidade amazônica de Samaria. Foto: Humberto Márquez/IPS
Meninas e meninos uwottyja na comunidade amazônica de Samaria. Foto: Humberto Márquez/IPS

No Amazonas, de 184 mil quilômetros quadrados, 54% de seus 180 mil habitantes são indígenas. A mineração aqui é proibida por lei desde 1989 e a maior parte do território goza de alguma proteção ambiental.

A demarcação dos territórios indígenas está estabelecida na Constituição de 1999, e uma comissão nacional, encabeçada pelo Ministério do Meio Ambiente, deve realizá-la. Seu último informe, de 2009, relata a entrega de 40 títulos de propriedade coletiva a 73 comunidades de uma dezena de povos, com cerca de 15 mil pessoas. Não foi entregue nenhum título a um povo inteiro, dos 40 que tem este país, mas a determinadas comunidades, e nenhuma delas fica no Amazonas.

“É um processo complexo pela multiplicidade étnica – várias etnias atuam em um mesmo território – e porque ali se sobrepõem mandatos legais sobre povos indígenas, com normas sobre meio ambiente, segurança, desenvolvimento e fronteiras”, explicou ao Terramérica o curripaco César Sanguinetti, deputado nacional pelo Amazonas do governante Partido Socialista Unido da Venezuela. Sanguinetti assegura que “o Estado tem disposição de realizar prontamente a demarcação de territórios, oxalá antes do final deste ano”.

Outro legislador indígena e oficialista, José Luis González, declarou que “poderíamos servir de ponte para uma reunião com o presidente Maduro se for preciso”. Presidente da Comissão de Povos Indígenas do parlamento e integrante da etnia pemón, do sudeste, González alerta que “o título que resultar da demarcação permitirá às comunidades fortalecer sua propriedade coletiva e exigir com mais força seus direitos, mas não significa que isso vai acabar com a mineração ilegal”.

Enquanto o pessoal da Citic desembarca em várias regiões da Venezuela para estudar o potencial da mineração, as “bullas” (rústicas minas de aluvião) se multiplicam na intrincada topografia do Amazonas, operadas quase sempre por buscadores de ouro do Brasil, da Colômbia e de outros países. Testemunhos colhidos pelo Terramérica dão conta de dezenas dessas explorações e de centenas de mineiros itinerantes que desmatam trechos de floresta, contaminam rios com o mercúrio para reduzir o ouro e exploram a população local.

“Encontramos indígenas marcados com números nos braços por mineiros que os usam como propriedade, os fazem trabalhar em troca de quase nada: um pouco de comida, rum, alguns facões. São empregados para carregar cargas, e as mulheres para seu serviço”, contou ao Terramérica o ativista yanomami Luis Shatiwe, do Alto Orenoco, fronteiriço com o Brasil. Esses povos não foram consultados, como manda a Constituição, para o acordo com a Citic, o que agrava um dado da realidade: há mais de 30 anos há mineração ilegal, sobretudo no Alto Orenoco”, apontou José Ángel Divassón, vigário apostólico do Amazonas.

O flanco oeste do Amazonas é uma fronteira fluvial, de 690 quilômetros, com a Colômbia. Aqui escasseiam bens essenciais – alimentos, gasolina para as embarcações, utensílios e materiais – pois é área do contrabando, favorecido pela diferença de preços entre os dois países. Um litro de gasolina na Venezuela custa US$ 0,015, e na Colômbia o preço é cem vezes maior.

Os indígenas também denunciam que em seus territórios incursionam, acampam, se abastecem e até impõem suas leis grupos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). “O ouro e a guerrilha causam estragos. A guerrilha se comporta como uma vanguarda que proteger o negócio da mineração ilegal, violando os espaços indígenas e danificando o meio ambiente”, disse a correspondentes estrangeiros o governador do Amazonas, Liborio Guarulla, indígena e esquerdista que se opõe ao governo de Maduro.

As comunidades uwottyja se reuniram em maio com representantes das Farc e os informaram sobre seu desejo de que abandonassem seu território. “Aqui os guerrilheiros chegaram a nos dizer que são revolucionários e que lutam contra o império”, disse ao Terramérica o xamã e dirigente do Conselho de Anciãos de Caño de Uña, José Carmona. “Nós somos gente de paz, não queremos armamento, e sim viver pacificamente nos territórios que nos pertencem”, enfatizou. (Envolverde/Terramérica)

* O autor é correspondente da IPS.

 

LINKS

China releva valiosa informação mineral da Venezuela – 2013, em espanhol 

Líder indígena assassinado na Venezuela em luta pela terra, em espanhol 

Terra para os yukpas, não território – 2009, em espanhol

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.