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TERRAMÉRICA - Uruguai legisla sobre megamineração

Pesquisadores da Faculdade de Ciências realizando, em 2008, um estudo paleomagnético na zona de Valentines. Foto: Cortesia Leda Sánchez
Pesquisadores da Faculdade de Ciências realizando, em 2008, um estudo paleomagnético na zona de Valentines. Foto: Cortesia Leda Sánchez

Montevidéu, Uruguai, 2 de dezembro de 2013 (Terramérica).- O Estado uruguaio, que acaba de aprovar uma lei de megamineração, na realidade desconhece as eventuais riquezas minerais do subsolo e só agora se propõe um estudo geológico para averiguá-lo. Durante décadas a pesquisa geológica esteve em terceiro plano neste país agropecuário e sem montanhas e vulcões nem falhas geológicas.

Até que apareceu o projeto da mineradora Aratirí, filial do grupo indiano Zamn Ferrous, para abrir um grande corte no solo uruguaio e extrair cerca de 18 milhões de toneladas anuais de minério de ferro na zona central de Valentines, no limite dos departamentos de Treinta e Tres e Florida, e 234 quilômetros ao norte de Montevidéu.

O conseguinte debate desembocou na polêmica Lei de Mineração de Grande Porte no começo de setembro, para muitos uma lei sob medida para a Aratirí. Só no final de outubro o governo decidiu convocar uma licitação internacional, para a qual se apresentaram sete empresas, para um levantamento geofísico do território.

Até agora o Estado cedeu às empresas a possibilidade de explorar a existência de riquezas, explicou ao Terramérica o chefe da Direção Nacional de Mineração e Geologia (Dinamige), o geólogo Pier Rossi. O objetivo do estudo é detectar “as anomalias magnéticas para definir as áreas de interesse, sem esperar que as firmas privadas façam o trabalho”, afirmou Rossi.

A informação desse levantamento aéreo de dados magnetométricos de alta resolução e espectrometria gama permitirá conhecer “as idades de evolução dos minerais nas rochas” para precisar seu valor, acrescentou Rossi. Quanto tiver “toda a informação, o Estado estará em condições de negociar em pé de igualdade as explorações com as empresas. Assim, terá a possibilidade de decidir quando e como serão feitos os trabalhos”.

Contudo, mesmo com esse estudo é duvidoso que a atual capacidade do Estado seja suficiente para controlar o que as empresas fazem, disse a pesquisadora e professora Leda Sánchez, do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade da República. “O Estado é responsável pelas coisas saírem bem, mas é uma roda de problemas. Se não há boa geologia, não há boa mineração”, pontuou.

Entre as debilidades apontadas pela professora, está a impossibilidade de estabelecer planos de remediação que as empresas mineradoras devem fazer após explorar uma área. O titular da Dinamige respondeu que “não vamos resolver o que não foi feito em 60 anos. Temos que rearmar tudo”.

Mesmo sem os novos dados, Sánchez rechaça o “volume extraordinário” que se dá à mina de ferro de Aratirí. Na realidade, é “pequeno”, disse ao Terramérica. “As dimensões nos parecem grandes porque somos um país pequeno. Não somos um país mineiro por vocação. O Uruguai continuará sendo pecuarista”, ressaltou.

A Câmara de Indústria Mineira do Uruguai também se opõe ao termo “grande porte”. É impossível que exista um projeto “mega” devido às dimensões do território, disse ao Terramérica um dirigente da Câmara, que pediu para não ser identificado. A lei se aplica a projetos de mais de 400 hectares. “Se aplicarmos à pecuária, cabem 200 bezerros, e ninguém fala de pecuária de grande porte”, opinou o empresário.

Um dos pontos da lei que a Câmara mais questiona é que a permissão de mineração e o contrato com o governo só sejam celebrados depois que as empresas realizarem os investimentos de exploração. Antes, as permissões eram dadas antes das explorações. A entidade garante que, de mil programas de exploração, apenas um conclui com êxito. As fontes da Câmara coincidem que o Estado tem “um desconhecimento total” do que há no subsolo. “Apenas lidam com hipóteses”, dizem, afirmando que neste país nem mesmo existe a carreira de engenharia em minas.

Para a professora Sánchez, as empresas que exploram minerais (ouro, cal e pedras semipreciosas, entre outros) deveriam contribuir com a Universidade da República, pois é a que “leva” os estudantes de geologia. “Nós, como estrutura acadêmica, não estamos preparados para a massa de estudantes que estamos tendo”, disse a pesquisadora, acrescentando que além de apoio econômico do setor privado também deveria haver interação acadêmica.

A professora também se queixa de que o governo colocou em vigor uma lei de mineração de grande porte sem reforçar o orçamento da Faculdade de Ciências. Quando o parlamento discutiu “os impostos para as mineradoras, ninguém se lembrou de que os geólogos são formados na Universidade da República e que esta não tem recursos suficientes”, ressaltou.

Mineração de que porte?

O Poder Executivo promulgou em 11 de setembro de 2012 a Lei 19.126, que regula a atividade mineradora de grande porte. Segundo a lei, será declarado como tal aquele projeto que compreender a ocupação de uma área superior a 400 hectares de intervenção direta, um investimento superior a US$ 108 milhões em construção de obras e infraestruturas de exploração ou um valor anual de comercialização maior do que essa quantia.

Também podem ser declarados projetos de grande porte as explorações mineiras que façam uso de substâncias ou produtos químicos perigosos para a saúde ou o meio ambiente, que tenham consumo elétrico anual superior a 500 gigawatts/hora ou que produzam drenagem de ácido. (Envolverde/Terramérica)

* O autor é correspondente da IPS. 

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.