Internacional

Terror é arma eficaz contra a educação

Meninas acendem velas em memória das 145 vítimas do atentado contra a Escola Pública do Exército em Peshawar, no Paquistão, em dezembro de 2014. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Meninas acendem velas em memória das 145 vítimas do atentado contra a Escola Pública do Exército em Peshawar, no Paquistão, em dezembro de 2014. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Por Ashfaq Yusufzai e Kanya D’Almeida, da IPS – 

Peshawar, Paquistão e Nações Unidas, 17/7/2015 – Passaram-se sete meses desde que um grupo de homens armados matou 145 pessoas, incluindo 132 alunos, em um atentado contra a Escola Pública do Exército, na província de Jyber Pajtunjwa, no Paquistão. A tragédia já não ocupa as manchetes internacionais, mas as famílias das vítimas e sobreviventes do ataque do movimento extremista Talibã do Paquistão recordam dela como se tivesse ocorrido hoje.

O tiroteio aconteceu no dia 16 de dezembro de 2014, em Peshawar, capital da província, onde vive Shahana Khan, que não parou de chorar durante entrevista à IPS. Seu filho Asfand, de 15 anos e aluno do décimo grau na escola, foi uma das vítimas. “Desde que morreu, há um silêncio absoluto em casa. Ninguém quer falar. Asfand era brincalhão e contagiava com seu riso. Agora nos deixou, não há nada a dizer”, expressou sua tristeza. A irmã de Asfand, de 11 anos, e seu irmão de sete têm sentimentos semelhantes. Como outras crianças que viveram a tragédia, parecem ter envelhecido além de suas idades.

A escola reabriu um mês depois da tragédia, mas durante meses muitas famílias tiveram medo de enviar seus filhos para estudar. Embora os alunos voltem gradualmente a ocupar as salas de aula, o terror está por toda parte. Esse trauma é um dos obstáculos que impedem o governo paquistanês de conseguir suas metas educacionais para este país do sul da Ásia de 192 milhões de habitantes.

O Paquistão está atrasado no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou em 2000 e vencem no final deste ano. Em março, o Ministério da Educação divulgou as estatísticas correspondentes ao período 2013-2014, que indicam ser improvável que o Estado alcance a meta de educação primária universal esse ano, apesar das numerosas promessas no papel.

O país tem mais de 260 mil escolas, públicas e privadas, nas quais 1,5 milhão de professores ensinam a 42,9 milhões de estudantes. Mas, segundo o informe Educação para Todos 2015, correspondente a este país, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), também há 6,7 milhões de meninos e meninas que não vão à escola, uma das maiores taxas do mundo.

Os dados indicam que há 21,4 milhões de crianças matriculadas no ensino primário, mas que apenas 66% continuarão até o quinto ano e 33,2% abandonarão os estudos antes de completarem o nível primário. Segundo os especialistas, o péssimo estado da educação nas províncias do norte é culpa em grande parte da violência extremista.

As imagens de seus companheiros mortos ou feridos perduram na memória dos alunos da escola atacada, sete meses depois do massacre. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
As imagens de seus companheiros mortos ou feridos perduram na memória dos alunos da escola atacada, sete meses depois do massacre. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Umar Farooq, funcionário nas Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata), disse à IPS que cerca de 200 mil crianças em sua região estão fora do sistema de ensino, principalmente pela sistemática ofensiva do Talibã contra a educação laica. Nos últimos 12 anos, esse grupo fundamentalista destruiu 850 escolas, incluindo 500 dedicadas exclusivamente a meninas, acrescentou, lembrando que as “Fata têm a taxa de matrícula primária mais baixa do país, com apenas 35%”.

Um informe publicado pela Coalizão Mundial para a Proteção da Educação Frente aos Atentados, antes do tiroteio na escola pública de Peshawar, diz que o Paquistão é um dos países mais perigosos do mundo para se estudar ou dar aula, junto com Afeganistão, Colômbia, Somália, Síria e Sudão. No período abrangido pelo informe, de 2009 a 2012, grupos armados atacaram 838 escolas em território paquistanês. A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão informou que 50 pessoas morreram, 105 ficaram feridas e 138 foram sequestradas, entre alunos e pessoal docente, nesses ataques.

Ishtiaqullah Khan, subdiretor da Direção de Educação das Fata, informou à IPS que as taxas de matrícula e abandono flutuam em função da atividade dos insurgentes. Entre 2007 e 2013, por exemplo, quando o Talibã intensificou sua presença, a taxa de abandono escolar chegou a 73%. Baseado em dados oficiais, Khan afirmou que 550 mil crianças das Fata deixaram de estudar na última década. Os números não são melhores em outras províncias do norte do país.

No ano passado, quando uma operação militar destinada a eliminar os grupos armados expulsou quase 500 mil pessoas de suas casas na Agência de Waziristão do Norte, milhares de meninos e meninas deixaram de estudar, internados em campos de refugiados na cidade de Bannu, província de Jiber Pajtunjwa. Um documento da ONU, de julho de 2014, revela que 100% das crianças deslocadas do Waziristão do Norte não recebiam educação formal nenhuma nos acampamentos de refugiados.

O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários alertou que a medíocre taxa de matrícula no curso primário em Jiber Pajtunjwa, de 37%, deve piorar por causa dos deslocamentos, já que 80% dos 520 mil refugiados ocuparam prédios escolares para neles residir.

O diretor de educação em Jiber Pajtunjwa, Ghulam Sarwar, disse à IPS que o Talibã destruiu 467 escolas na província na última década e aniquilou o sistema escolar no distrito de Swat, onde, em 2012, o atentado contra Malala Yousafzai, a jovem que ganhou o prêmio Nobel da Paz em 2014, comoveu o mundo inteiro. Após anos de ataques contra a educação, os fantasmas da tragédia de 16 de dezembro só agravam o trauma que sofrem alunos e pais igualmente.

Khadim Hussain, diretor da Fundação Educacional Bacha Khan, de Peshawar, pontuou à IPS que o Talibã “prospera com o analfabetismo”, já que se aproveita dos setores ignorantes da população para “mantê-los sob controle”. Por esse motivo, agora a educação no Paquistão é mais importante do que nunca, por ser a arma mais sustentável para combater o extremismo, ressaltou.

Em outubro de 2014, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) anunciou que havia entregue materiais escolares no valor de US$ 14,4 milhões, doados pelo Fundo Saudita para o Desenvolvimento, ao departamento de educação de Jiber Pajtunjwa. Os fundos estavam destinados a melhorar as instalações de mais de mil escolas nessa província e nas Fata, onde há 128 mil estudantes.

Foi um momento promissor, que ficou ofuscado dois meses mais tarde pelo atentado contra a Escola Pública do Exército, em Peshawar. O massacre segue vivo na lembrança das pessoas, por isso as sugestões de Hussain parecem mais viáveis na teoria do que na prática. Envolverde/IPS