ODS 14

O escândalo da dragagem do rio Tapajós

por Patrícia Kalil - O Ministério Público Federal pediu a suspensão imediata da dragagem do rio Tapajós, autorizada sem Estudo de Impacto Ambiental (EIA), sem Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e sem Licença Prévia, exigências mínimas da legislação ambiental brasileira.

Screenshot
Screenshot


por Patrícia Kalil –

A dragagem ameaça ecossistemas sensíveis, como o Tabuleiro de Monte Cristo, em Aveiro, onde ocorre a desova da tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa), espécie símbolo dos rios da região. Também afeta comunidades da Resex Tapajós-Arapiuns e da Flona do Tapajós, atingidas pelo acúmulo de sedimentos no chamado “bota-fora”.

Essa obra não é isolada. Faz parte de um projeto do agronegócio de criar um novo corredor logístico no coração da Amazônia, tranformando o Rio Tapajós em hidrovia ligada à Ferrogrão (ferrovia que pretende conectar os grãos do Mato Grosso aos portos do Pará). Esse escandaloso projeto corta Unidades de Conservação, atravessa territórios indígenas e altera para sempre o curso dos rios. Tudo isso para atender a um modelo de exportação intensiva voltado ao mercado global. Trata-se de uma estratégia que coloca em risco parte sensível da Amazônia para favorecer um setor que se esconde atrás de peças de propaganda enganosa, mas que, segundo os cientistas que estudam o sistema terrestre, está entre os principais vetores que empurram o planeta para além de seus limites ecológicos.

Já é óbvio para todos, cientistas e leigos: a produção agroexportadora baseada em desmatamento, monocultura e grandes obras de infraestrutura compromete o equilíbrio do clima, a conservação da biodiversidade e a disponibilidade de água doce.

O Projeto Básico Ambiental, que embasa a dragagem, só poderia existir após o EIA e o RIMA, que subsidiam a Licença Prévia. Ignorar essas etapas é ilegal. E nenhuma consulta foi feita às comunidades indígenas afetadas, como determina a Convenção 169 da OIT. A APIB denunciou a ausência de consulta e o desrespeito à autodeterminação dos povos.

Dois pareceres técnicos independentes, elaborados por especialistas da USP, do Instituto Socioambiental (ISA) e do Observatório do Clima, mostram que os estudos da Ferrogrão ignoram impactos cumulativos, desmatamento induzido, grilagem e crise climática. O traçado ainda corta o Parque Nacional do Jamanxim, alvo de contestação no STF (ADI 6553).

E quem elaborou os estudos que tentam justificar esse projeto? A própria empresa interessada em ganhar a concessão da Ferrogrão: a Estação da Luz Participações (EDLP). Em vez de contratar uma equipe técnica isenta, o governo aceitou estudos feitos sob encomenda por quem deseja operar e lucrar com a ferrovia. Além disso, os documentos reaproveitam termos de referência de 2014, como se os desastres ambientais da última década não tivessem existido. Não é apenas uma prática questionável. É um claro conflito de interesses que compromete a credibilidade de todo o processo. Estudos de impacto ambiental deveriam ser conduzidos por equipes independentes, com rigor técnico e compromisso com o interesse público.

Proteger o Tapajós hoje é proteger a Amazônia e o clima da Terra. É tempo de encarar o óbvio: estamos destruindo o planeta para alimentar o acúmulo doentio e ganância de poucos Grandes Poluidores.

Envolverde