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Operários bengalis pelo sonho dos US$ 100

Monumento instalado pelo Partido Comunista de Bangladesh na fábrica Rana Plaza, em Daca, onde 1.133 operários morreram em abril. Foto: Robert Stefanicki/IPS
Monumento instalado pelo Partido Comunista de Bangladesh na fábrica Rana Plaza, em Daca, onde 1.133 operários morreram em abril. Foto: Robert Stefanicki/IPS

 

Daca, Bangladesh, 9/10/2013 – Na zona industrial dos arredores de Daca, capital de Bangladesh, milhares de operários têxteis ocupam as ruas exigindo aumento do salário mínimo. Há alguns dias, os manifestantes bloquearam vias, tentaram incendiar fábricas e enfrentaram a polícia, que respondeu com balas de borracha e gás lacrimogêneo. Cerca de 200 fábricas, que produzem para algumas das mais importantes redes de varejo internacionais, como H&M e Carrefour, fecharam por uma semana.

A última vez que o governo aumentou o salário mínimo mensal para o setor do vestuário foi em 2010. Agora os operários pedem aumento de três mil takas (US$ 38) para 8.114 takas (US$ 100), mais ou menos o preço pelo qual uma calça jeans feita no país é vendida em um centro comercial de Varsóvia ou Berlim. Os empregadores aceitaram dar aumento de apenas 20%, elevando o salário para US$ 46.

A maioria dos analistas concorda que o ínfimo aumento é uma ofensa para os trabalhadores e foi o que desencadeou os protestos. Bangladesh tem um salário mínimo independente para cada setor. As diferenças são substanciais: no transporte e no comércio, os empregados ganham o dobro do que recebem os três milhões de operários têxteis. Esses últimos estão no fim da lista, não só em nível nacional, mas internacional.

Um estudo da Organização de Comércio Exterior do Japão, divulgado em dezembro, indica que somente na Birmânia os trabalhadores do setor têxtil ganham menos que os bengalis. Os da Índia recebem o dobro de seus colegas de Bangladesh, e os da China cinco vezes mais. Todos fazem horas extras. A IPS entrevistou algumas operadoras de máquinas de costura, que disseram ganhar entre US$ 102 e US$ 115, sendo que para isso precisam trabalhar entre 11 e 12 horas.

Segundo o líder sindical Masood Rana, as demandas salariais são, em parte, resultado de maior conscientização entre os trabalhadores, que começaram a prestar mais atenção ao preço pago pelos consumidores ocidentais pelas roupas feitas com suas mãos, depois da comoção causada pelo desmoronamento da fábrica de Rana Plaza em abril, quando morreram 1.133 funcionários. No entanto, por que as manifestações são tão violentas? “Isto se deve ao fato de serem espontâneas. Não têm liderança”, explicou Rana à IPS.

Entretanto, Reaz bin Mahmood, vice-presidente da Associação de Fabricantes e Exportadores de Vestuário de Bangladesh (BGMEA), tem uma teoria diferente: os protestos são estimulados por instigadores políticos. Porém, não quis dar detalhes a respeito. “Esse problema não pode ser solucionado nas ruas”, acrescentou. Há um grupo governamental trabalhando em um novo salário mínimo, que se espera seja anunciado em novembro. Porém, temo que isso não acontecerá se os protestos continuarem”, ressaltou.

Foram identificados vários modelos para fixar o salário mínimo. “Realizamos uma análise econômica do custo de vida de um trabalhador têxtil, partindo da base de que seu salário deve cobrir o consumo de toda sua família, e detectamos três opções de referência”, explicou à IPS o diretor de pesquisas do Centro de Diálogo Político, Khondaker Moazzem.

A primeira é a linha de pobreza, que estabeleceria o salário mínimo no equivalente a US$ 80. O Centro disse que isso seria inaceitável. A segunda é o “nível aspiracional”, isto é, a renda que permitiria aos trabalhadores levar uma vida folgada. Nesse caso, o salário mínimo mensal deveria subir para US$ 200. O Centro também rejeitou essa opção, pois considerou que o salário mínimo não pode ser superior à média nacional.

A terceira opção é considerar o atual nível de gasto dos operários. Esse indicador fixaria o mínimo em pouco mais de US$ 100, que é exatamente o que estão exigindo. “Depois que enviamos essa recomendação ao governo, recebi inúmeros telefonemas dos industriais”, contou sorrindo Moazzem. “Me disseram estarem dispostos a me dar algumas fábricas para que provasse a eles que podiam ter lucro pagando esses salários”, acrescentou.

“Os custos de produção aumentam 13% ao ano”, disse Mahmood, do BGMEA. “Bangladesh tem de importar algodão, enquanto a Índia tem o seu próprio. As moedas da Índia, Indonésia e Turquia perdem seu valor, enquanto o taka bengali segue forte, por isso perdemos competitividade”, explicou. “O governo não nos apoia. Há cortes frequentes de energia, e viajar de Daca ao porto de Chittagong deveria demorar seis horas, não 26”, queixou-se Moazzem. A essa lista de dificuldades devem ser acrescentados o alto custo dos créditos, as dificuldades para comprar terras nas quais investir e a instabilidade política.

Entretanto, as fábricas têxteis não perdem tão facilmente a competitividade como lamentam os empresários. Os preços das roupas caem e os custos aumentam, mas esse se vê compensado por uma eficiência maior. “Reconheço que meus trabalhadores deveriam ganhar mais, mas os varejistas também deveriam me pagar mais”, argumentou Mahmood, explicando que o preço dos produtos é decisivo. “Os consumidores ocidentais são, em parte, responsáveis pelos baixos salários em Bangladesh”, destacou.

Os varejistas ficam com 55% a 65% dos ganhos do vestuário bengali. Os custos dos materiais consomem cerca de 25% e o restante é dividido de forma igual entre empresários e trabalhadores, detalhou Moazzem. Ainda não está claro se os trabalhadores receberão o que exigem. O ministro dos Transportes, Shahjahan Jan, apoiou pubicamente suas demandas, mas acredita-se que, na realidade, o governo apoia os industriais. É que ninguém quer prejudicar a galinha dos ovos de ouro.

A indústria do vestuário contribui com 80% da renda com exportação de Bangladesh, cerca de US$ 22 bilhões ao ano. Além disso, 30% dos parlamentares bengalis são empresários, a maioria do setor têxtil, e pertencem aos partidos majoritários. Depois de se reunirem com líderes de mais de 40 sindicatos, os empresários se comprometeram a aceitar um novo salário mínimo fixado verticalmente pelo governo, sem negociação das partes. Mas a maioria dos analistas coincide que o novo mínimo só será definido mediante um acordo mútuo. Envolverde/IPS