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Você está a 1% de ser um símio bonobo

Deni Béchard. Foto: Cortesia do entrevistado
Deni Béchard. Foto: Cortesia do entrevistado

Nova York, Estados Unidos, 9/10/2013 – Quando o canadense Deni Béchard descobriu que os símios bonobos compartilham quase 99% de seu código genético com os seres humanos e baseiam suas relações na cooperação, soube que precisava escrever sobre eles. Béchard ficou fascinado ao comprovar que essa espécie de grandes primatas é a única na qual seus membros não se matam entre si. Então, quis entender como uma organização não governamental inovadora poderia aproveitá-los como símbolo de questões de conservação mais amplas, e descobriu que salvá-los da extinção era de extrema importância.

No livro que acaba de publicar, Empty Hands, Open Arms: The Race to Save Bonobos in the Congo and Make Conservation Go Viral (Mãos Vazias, Braços Abertos: A Corrida Para Salvar os Bonobos na República Democrática do Congo e Fazer Com Que a Conservação se Torne Viral), pela Milkweed Editions, descreve um variado conjunto de conservacionistas congolenses que sobreviveram à guerra, mas perderam tudo o que lhes importava. Apesar de tudo e com poucos recursos, continuam comprometidos com a salvação dessa espécie.

Béchar documenta os heroicos esforços da Iniciativa para a Conservação do Bonobo, uma organização não governamental que trabalha com comunidades congolenses para mitigar a pobreza e o desemprego que levam à caça destes animais. Um de seus objetivos é mostrar como as decisões de nossos governantes e os apetites consumistas afetam esse país. E o faz. E também relata histórias muito humanas e vívidas sobre a cultura e a história da República Democrática do Congo.

A IPS conversou com Deni Béchar antes de sua viagem de divulgação do livro.

IPS: Como que aprender sobre os bonobos mudou sua visão da humanidade?

DENI BÉCHARD: Como seres humanos nos custa ver as fronteiras de nossa cultura ou conceber as maneiras como podemos mudar radicalmente. Conhecer os bonobos, especialmente o famoso Kanzi, no Santuário para a Aprendizagem de Primatas de Iowa, que podem entender inglês e se comunicar com as pessoas mediante lexigramas, me fez entender o dinamismo com o qual os grandes símios podem mudar seus ambientes e suas culturas. Kanzi ilustra o poder da cultura para modificar muitas características que associamos a uma espécie. Em um aspecto mais dramático, a estrutura matriarcal e não violenta da sociedade dos bonobos e as circunstâncias evolutivas que podem tê-la criado me levaram a considerar até que grau os humanos são produto de nosso meio ambiente. A abundância de recursos e a relativa falta de competição resultante podem ter permitido que os bonobos desenvolvessem sociedades mais estáveis e pacíficas nas quais todos os jovens são valorizados. As sociedades humanas possuem tal riqueza de recursos para que nenhuma criança tivesse mais privilégio que outra. Pergunto com qual velocidade nossa cultura mudaria se nossa prioridade fosse usar nossos recursos em benefício dos jovens, para sua educação, sua saúde e seu bem-estar social. Depois de várias gerações investirem sua riqueza nacional nos jovens, de que maneira nos veríamos como raça? Penso que brilharíamos de um modo drasticamente diferente. Para nós, é essencial recordar quanto controle temos realmente sobre nosso meio ambiente e nossa cultura, as formas como podemos usá-lo para mudar nossa raça e melhorar a velocidade com que veríamos os resultados.

IPS: Quais as semelhanças e quais as diferenças entre os bonobos e os seres humanos?

DB: Os bonobos compartilham muitas características com os humanos: empatia, imaginação, lealdade, dó, esperança e amor. Só o que nos diferencia, até onde sei, é que sua experiência vital parece ser muito mais forte. Os seres humanos tendem a enterrar suas experiências no significado. Contamos histórias a nós mesmos, idealizando e dramatizando, ou tentando desesperadamente dar maior significado aos nossos amores e às nossas lutas: são as narrativas de nossas vidas. Aprender sobre os bonobos fez com que me despojasse de muitas dessas coisas, recordando até que ponto somos grandes símios em uma longa linhagem evolutiva e que, frequentemente, quando sobrecarregamos nossas vidas com significado, perdemos contato com os simples impulsos animais que nos guiam e que não são menos reais ou belos por serem animais. Em todo caso, como sugere o especialista em primatas Frans de Waal, o que vemos como nossos valores éticos mais elevados está codificado em nossa biologia.

IPS: Quais políticas poderiam fazer com que a conservação se tornasse “viral”?

DB: O que faz um sistema de conservação replicar a si mesmo ou se tornar “viral” é adaptá-lo o mais estreitamente possível à cultura e às condições do lugar. O pessoal da Iniciativa para a Conservação do Bonobo, sobre a qual escrevi, se reúne com vários grupos sociais em uma futura área protegida. Dessa forma têm uma ideia de como os dirigentes locais avaliarão as florestas e a natureza, quais podem ser os projetos de conservação e o que fazem os diferentes integrantes das comunidades. Quando chega o momento de estabelecer o projeto, o pessoal da Iniciativa apoia um líder da área que será transformada em reserva, alguém que entenda os valores das pessoas que vivem ali, e encaixa a conservação nas tradições espirituais das comunidades. O resultado final é que as pessoas adquirem um profundo senso de propriedade sobre os projetos. Seus êxitos são celebrados, e os conservacionistas que vêm de fora se subordinam ao seu conhecimento. A população local se compromete tanto com a conservação, que as comunidades vizinhas veem os benefícios e começam a estudar a biodiversidade ameaçada em suas próprias regiões e a criar suas próprias áreas protegidas com um apoio externo relativamente pequeno.

IPS: O senhor é otimista sobre o futuro da conservação na África?

DB: Vejo casos para otimismo e para pessimismo. Conheço cada vez mais gente de diferentes partes do mundo para as quais importam seu meio ambiente e a preservação de sua riqueza natural. Se podemos passar para um modelo de conservação que seja mais íntimo e integrador, vendo as pessoas como a solução e não como o problema, então temos potencial para fazer muito bem. No momento, a arrogância dos que possuem a riqueza planetária é um dos principais obstáculos. O Ocidente tem pouco respeito pelo conhecimento, pela visão e paixão das populações pobres nos países em desenvolvimento. O sentido que temos de nossos direitos e, sobretudo, de nossa excepcionalidade, nos leva a condutas racistas e a agir sem ter aprendido qual é a ação mais efetiva. Mas isso está mudando gradualmente e estamos aprendendo a ouvir mais do que antes. Envolverde/IPS