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Pantomima paquistanesa contra os drones dos Estados Unidos

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, recebe o primeiro-ministro do Paquistão, Nawaz Sharif, no Salão Oval antes de sua reunião bilateral de 23 de outubro. Foto: Casa Branca/Pete Souza.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, recebe o primeiro-ministro do Paquistão, Nawaz Sharif, no Salão Oval antes de sua reunião bilateral de 23 de outubro. Foto: Casa Branca/Pete Souza.

 

Washington, Estados Unidos, 28/10/2013 – Embora o primeiro-ministro do Paquistão tenha voltado a pedir publicamente aos Estados Unidos que ponha fim aos seus ataques com aviões teledirigidos (drones) em seu país, antes de se reunir na semana passada com o presidente Barack Obama, documentos secretos revelam uma histórica conivência com esse programa de assassinatos seletivos liderado pela Agência Central de Inteligência (CIA).

A visita do primeiro-ministro Nawaz Sharif, no dia 23, coincidiu com novas denúncias apresentadas na semana passada por organizações de direitos humanos, segundo as quais os ataques norte-americanos com drones em regiões tribais do Paquistão podem equivaler a crime de guerra. No dia 24, o The Washington Post informou que havia obtido documentos ultrassecretos da CIA e memorandos diplomáticos paquistaneses que confirmam explicitamente o que já era evidente para muitos. Ou seja, que “altos funcionários do governo do Paquistão aprovaram secretamente o programa e receberam rotineiramente informes classificados sobre ataques e contagem de vítimas”.

“Todo esse assunto de que eles (os paquistaneses) concordaram secreta ou tacitamente com os ataques é muito perigoso”, apontou à IPS Jeremy Rabkin, diretor do Instituto da Paz dos Estados Unidos e professor de direito na Escola de Leis da Universidade George Mason. Segundo Rabkin, o acordo secreto entre Washington e Islamabad pode representar uma séria ameaça aos interesses norte-americanos no longo prazo. “Se olharmos a indignação do povo paquistanês, está claro que agimos contra seu consentimento, e isso não nos faz nenhum bem. Penso que estamos sobre uma fina camada de gelo”, advertiu.

Dois dias antes de o The Washington Post publicar as revelações, Sharif continuava pressionando Obama para acabar definitivamente com os ataques com drones. “O assunto se converteu em um importante aborrecimento em nossas relações bilaterais”, declarou o primeiro-ministro no dia 24, em uma apresentação no Instituto da Paz. “Portanto, enfatizo a necessidade de pôr fim aos ataques com aviões não tripulados”. Porém, as evidências sugerem que essa posição é meramente uma manobra política que busca aplacar a audiência de Sharif em seu país.

“O que sabemos, a partir de fontes como o Wikileaks, é que, no último governo, pelo menos o primeiro-ministro e o presidente sabiam sobre os ataques e os apoiaram”, afirmou no dia 23 Christine Fair, professora-adjunta na Universidade de Georgetown e integrante do Centro de Combate ao Terrorismo, de West Point. Fair citou o comunicado de um militar norte-americano de alta patente que dizia que “a relação entre Estados Unidos e Paquistão está melhorando porque eles estão deixando que matemos seus terroristas”.

Embora os documentos divulgados pelo Post incluam o período compreendido entre 2007 e final de 2011, alguns afirmam que os dois países compartilham um acordo encoberto sobre operações com drones inclusive desde a primeira dessas ações, em 2004. Presume-se que nela foi tomado por alvo Nek Mohammad Wazir, considerado um inimigo maior para o Paquistão do que para os Estados Unidos, pois várias vezes tentara assassinar o então presidente Pervez Musharraf (2001-2008).

“O primeiro ataque com drones, em junho de 2004, foi basicamente a primeira vez que a CIA teve permissão para usar” essas naves, disse no dia 23 Mark Mazzetti, correspondente de segurança nacional do The New York Times. “Musharraf havia permitido à CIA realizar essas operações. Esse foi o acordo desde o princípio”, afirmou.

Apesar da indignação pública pelo programa de aviões não tripulados dos Estados Unidos, o Afeganistão foi e continua sendo a principal fonte de tensões em suas relações com o Paquistão. Tudo isso enquanto se aproxima a retirada norte-americana de solo afegão, prevista para 2014. Em um comunicado divulgado no dia 22 no Instituto da Paz, Sharif afirmou que “um Afeganistão pacífico, estável e unido é de interesse vital para o Paquistão”.

Porém, a relação entre Washington e Islamabad afundou em uma crise imediatamente após a operação norte-americana no qual foi capturado e assassinado o saudita Osama bin Laden, no dia 1º de maio de 2011, no nordeste do Paquistão. O plano se concretizou, segundo comentários, sem prévio consentimento do governo paquistanês. Logo Islamabad respondeu bloqueando o acesso dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ao Afeganistão, criando um substancial obstáculo logístico aos movimentos militares norte-americanos na região. As rotas de fornecimento foram reabertas em julho de 2012.

O governo de Obama também enfrentou críticas por um ataque norte-americano que matou 24 soldados paquistaneses perto da fronteira afegã. Presume-se que o Paquistão tomou medidas por sua conta, buscando uma solução pacífica para o conflito que já dura 12 anos no vizinho Afeganistão.

No mês passado Islamabad atendeu os pedidos de Cabul para libertar o líder histórico e fundador do movimento Talibã afegão, mulá Abdul Ghani Baradar. As autoridades paquistanesas esperavam que o processo de paz finalmente começasse quanto o Talibã negociasse com o governo afegão. Contudo, alguns informes indicam que Baradar não seria libertado de forma alguma. Até agora não houve nenhuma negociação a respeito, e tampouco se falou de determinar um lugar. Alguns sugerem que as autoridades paquistanesas ainda o mantêm preso. Envolverde/IPS