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Refugiados climáticos de Bangladesh sem soluções reais

 A família de Abusattar Jaman (segurando um guarda-chuva) agora sem terra. Foto: Robert Stefanicki/IPS

A família de Abusattar Jaman (segurando um guarda-chuva) agora sem terra. Foto: Robert Stefanicki/IPS

 

Julna, Bangladesh, 29/10/2013 – Há quatro anos o ciclone Aila atingiu Bangladesh, causando grandes inundações e semeando destruição em sua passagem. A população de Koira, sul do país, é uma das mais prejudicadas dos 11 distritos afetados, e ainda não se recupera do impacto. A família Jaman foi uma das 41.043 que sofreram as consequências do fenômeno natural. Como a maioria de seus vizinhos, ficaram oito meses sem teto e sobreviveram graças à ajuda de organizações humanitárias.

Cerca de 23.820 moradias ficaram totalmente danificadas em Koira. Quando a água retrocedeu, o governo entregou a cada uma 20 mil takas (US$ 260) para construírem uma nova casa. Os Jaman construíram três choças de barro, madeira e papelão ondulado. Contudo, não têm grandes expectativas para o futuro, e sabem que o próximo ciclone, que cedo ou tarde chegará à baía de Bengala, que fica a 20 quilômetros, arrasará tudo. Somente resistirão as casas dos mais ricos, feitas com materiais mais sólidos.

Por outro lado, essa não é sua principal preocupação. Mais angustiante é a falta de renda estável. A família Jaman paz parte dos 40% dos 155 milhões de habitantes do país que são pobres. Antes, sua condição era precária, mas nunca passavam fome. Como Koira fica em uma região agrícola, as pessoas podiam sobreviver de seus cultivos. Os que não tinham terras trabalhavam para os agricultores. Em tempos de crise, sempre havia um vizinho em melhor situação que dava alguma ajuda.

Porém, o ciclone Aila mudou tudo. Além de destruir 203 hectares de cultivos em Koira, segundo estimativas do escritório local da organização UNO, deixou terras alagadas por três anos. Agora que a água retrocedeu, o solo está salino e totalmente estéril. Os que antes eram ricos e podiam ajudar, agora já não podem fazê-lo nem oferecer emprego. “Antes do Aila, eu tinha uma horta tão densa em meu terreno que o Sol não entrava”, contou Shafiqul Islam à IPS. Mas diminuiu devido ao ciclone e à salinidade do solo.

Islam, representante local da governante Liga Awami, é rico segundo os parâmetros locais, porque tem uma casa de material melhor. No entanto, suas três choças cobertas por chapas de metal oxidado e bambu não têm nada de especial. Cerca de 40 mil pessoas, das 193 mil que viviam em Koira, emigraram depois do ciclone, e aproximadamente um quarto delas regressou, segundo Islam. Entre os que partiram, estão os três irmãos de seu vizinho, Robiul Islam, que ficou com sua mãe e um filho de cinco anos.

Robiul Islam conduz um riquixá (carro puxado por uma pessoa) de aluguel que lhe rende cerca de 80 takas (US$ 1) por dia. Seu objetivo é chegar a 200 takas (US$ 2,5). Isso é o que custa um saco de arroz de cinco quilos, que a família consome em dois dias. Também é o que ganham diariamente seus irmãos, também condutores de riquixá na cidade. Depois do ciclone, se mudaram para Julna, a três horas de carro de Koira. A IPS se reuniu com alguns refugiados de Koira ali. Vivem nos arredores da cidade, em choças como as que tinham em suas comunidades, onde cabem quatro pessoas, e pagam 200 takas por mês.

A maioria dos homens puxa riquixá e ganha o suficiente para mandar dinheiro para a família. Um deles, Abdullah, disse à IPS que envia 1.500 a dois mil por mês aos seus pais, que ficaram em Koira. Por sua vez, Hafeeza é pobre entre os pobres. Cozinha para os condutores de riquixás e, como eles, ganha 200 takas, mas por mês, e afirma ser suficiente para ela e seu filho de sete anos. “Pelo menos não tenho que pagar alojamento nem comida”, disse à IPS.

Em Koira a população diz que nada sabe sobre a mudança climática nem que Bangladesh ocupa o primeiro lugar do mundo em termos de sua vulnerabilidade às consequências desse fenômeno, segundo o Índice Global de Risco Climático da Germanwatch. “Temos todos os desastres naturais, menos, talvez, uma erupção vulcânica: ciclones, inundações, secas e até terremotos”, afirmou à IPS M. D. Shamsudoha, diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Participativo, com sede em Daca, capital do país. Depois de cada desastre natural, entre 50 mil e 60 mil pessoas emigram para as cidades, mas a migração permanente não consta das estatísticas”, pontuou.

Os especialistas preveem que, em 2050, haverá cerca de 250 milhões de refugiados por culpa da mudança climática. Destes, entre 20 milhões e 30 milhões serão de Bangladesh. Dirigentes políticos e especialistas em meio ambiente do governo afirmam que estão preparados para lutar contra os efeitos do aquecimento global. Bangladesh esteve entre os primeiros países menos adiantados a adotar, em 2009, uma estratégia nacional para conter esse fenômeno, destacaram. Mas as organizações não governamentais locais são céticas. Segundo elas, o governo é bom para planejar políticas, mas não para implantá-las.

Shamsudoha afirmou que o Estado destina fundos para projetos de grande escala, com construção de barreiras costeiras e abrigos ou planos de reflorestamento, mas deveria priorizar iniciativas locais e de adaptação. Segundo as autoridades, há programas suficientes desse tipo em áreas de risco, mas não atendem o problema em toda sua dimensão. Entre as invenções testadas por algumas ONGs locais e agências da Organização das Nações Unidas (ONU) estão as “aldeias resistentes a desastres”, as “escolas flutuantes com energia solar” e os “abrigos para inundações multipropósito”.

Cientistas bengalis também desenvolveram uma variedade de arroz resistente a um terreno com salinidade moderada. Entretanto, segundo as previsões, a produção de cereal cairá 32% até 2050 e a população aumentará para 130 milhões de pessoas. Em lugar de esperar que a água salgada retroceda, muitos agricultores se dedicaram a cultivar camarão. Porém, os mais pobres não têm os recursos necessários para investir nessa atividade que, por outro lado, representa novo desastre para eles: o líquido dos tanques vaza para os campos vizinhos.

Além disso, os camarões não contribuem para a segurança alimentar em um país que consome principalmente uma comida preparada com base em purê de lentilha, ervilha e feijões combinados com arroz. Entretanto, cada vez mais agricultores vendem seus arrozais para produtores de camarão ou de manga e partem para as cidades. Não lhes resta outra opção. Envolverde/IPS