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Sírios desesperados também no Egito

 Uma refugiada síria no Cairo. Foto: Hisham Allam/IPS

Uma refugiada síria no Cairo. Foto: Hisham Allam/IPS

 

Cairo, Egito, 29/10/2013 – Mahmoud Abu Yousef, de 28 anos, vende meias em uma das estações do metrô da capital egípcia. Esse jovem fugiu em fevereiro da Síria com sua mulher e o filho de um ano, depois que seus pais e três irmãos morreram na guerra civil que açoita esse país desde 2011. Yousef agora vive no 6 de Outubro, um centro para refugiados localizado 32 quilômetros ao sul do Cairo. “Passo todo o dia no metrô, e trabalho como guarda de segurança à noite para poder cobrir meus gastos”, disse à IPS.

As 150 mil libras sírias (US$ 1 mil) que tinha com ele quando fugiu de seu país acabaram nos bolsos dos traficantes de pessoas que os levaram para o Egito. Mas esse dinheiro não comprou a felicidade que sonhava. No dia 15 de junho, a noite anterior à sua derrubada, o presidente egípcio Mohammad Morsi suspendeu todas as relações diplomáticas com a Síria. Três meses depois, o novo governo militar impôs regras mais rígidas contra os sírios que chegam ao Egito em busca de refúgio, como a exigência de visto e de uma autorização oficial para permanecer no país.

“Desde que foram cortadas as relações diplomáticas, obter um visto é impossível. Agora entendemos que nós sírios não somos bem-vindos”, lamentou Yousef. Estima-se que há cerca de 300 mil sírios refugiados no Egito. Mas muitos só abandonaram o inferno, em que seu converteu seu país por causa dos enfrentamentos entre os rebeldes e as forças do regime de Bashar al Assad, para descobrir que o mundo exterior não é mais amável.

“Preferiria ter morrido na Síria em lugar de levar essa vida humilhante no Egito”, afirmou categoricamente Amer Feras, que chegou ao Cairo depois de perder sua mulher e a filha mais nova no ataque aéreo lançado em janeiro pelas forças de Assad contra a cidade de Homs, 161 quilômetros ao norte de Damasco. Agora Feras vive em um pequeno quarto de um prédio para refugiados na cidade egípcia de Shebin el Koum, na província de Monufia. O proprietário do prédio, Tarek Marzouk, administra uma tinturaria e dá ajuda a famílias sírias.

Feras demorou 25 dias para fugir de seu país com suas três filhas. “Tive que cruzar algumas cidades a pé para chegar à fronteira turca”, contou à IPS. No entanto, seu pesadelo não terminou. “Minhas filhas não podem ir para a escola pública e não tenho dinheiro para levá-las para colégio particular. Perdemos nossas propriedades, nosso lar, nossa dignidade e nosso direito de viver como seres humanos, ou, pelo menos, como refugiados de guerra”, lamentou.

O mesmo desespero vive Dana Gad, uma estudante síria de medicina de 18 anos, que agora mendiga nas portas das mesquitas do Cairo. “Além de cancelar vários voos desde a Síria e adotar novas restrições, agora rejeitam nossos pedidos de alojamento. Por isso, a maioria de nós vive ilegalmente aqui”, contou à IPS. Gad viajou para o Egito com sua mãe, depois da morte de seu pai e de seu irmão. “Meu pai era um joalheiro que tinha uma loja no centro de Damasco. Morreu dentro dela durante um bombardeio das forças de Assad”, explicou.

“Agora mendigo diante das mesquitas do Egito para tentar ajudar minha família. Tenho que carregar meu passaporte para provar minha identidade e às vezes ganho a compaixão dos egípcios”, acrescentou Gad. A jovem também disse que os refugiados sírios estavam melhor durante o governo de Morsi. “A Irmandade Muçulmana nos tratava melhor, havia educação e cuidados médicos. E, mesmo quando Morsi decidiu cortar as relações com o regime de Assad, recebíamos um tratamento adequado e solidário do governo”, observou.

Gad acusa a imprensa egípcia de promover o ódio popular contra os sírios, apresentados como terroristas contratados pela Irmandade Muçulmana para reinstaurar Morsi no poder. “Devido a isto, muitas famílias e os indivíduos começaram a pensar em emigrar ilegalmente para a Europa, mesmo que isso possa significar morrer afogado”, acrescentou. No dia 12 de outubro, pelo menos 12 refugiados sírios e palestinos morreram quando seu barco afundou diante da cidade costeira egípcia de Alexandria. Uma semana antes, 359 imigrantes se afogaram quando sua embarcação afundou, a 120 quilômetros da ilha italiana de Lampedusa.

“A situação dos refugiados sírios no Egito atingiu uma fase crítica desde a revolução de 30 de junho”, disse Abdel Karim Rehawi, presidente da Liga Síria para a Defesa dos Direitos Humanos, se referindo aos protestos que levaram à derrubada de Morsi. Rehawi também disse que o regime militar redobrou os controles sobre os sírios, depois que muitos destes foram acusados de colaborar com grupos islâmicos e conspirar contra o Estado.

Devido à falta de apoio e ajuda, muitos sírios mendigam em lugares públicos. “Recebemos ajuda de algumas famílias egípcias e de uns poucos voluntários, mas não há apoio oficial do Estado egípcio”, apontou Rehawi. Diante do assédio das autoridades egípcias, cerca de 150 mil sírios emigraram para Turquia, Líbano e Jordânia. “Além disso, há 60 sírios detidos atualmente em Alexandria, presos quando tentavam fugir para a Itália”, acrescentou. “Os traficantes de pessoas se aproveitam dessa situação e cobram mais de US$ 3 mil para levá-los ilegalmente até a costa italiana, em barcos em condições precárias”, ressaltou. Envolverde/IPS