Nova York, Estados Unidos/Havana, Cuba, 1/11/2013 – Há um ano, o furacão Sandy devastou o nordeste dos Estados Unidos, causou danos estimados em US$ 68 bilhões e paralisou o centro financeiro do mundo. E, dias antes, no Mar do Caribe, a mesma tempestade havia atingido de modo implacável Jamaica, Haiti, Cuba e outros países, semeando morte de destruição à sua passagem.
A região apenas começa a se recuperar. O furacão foi um de vários das últimas décadas que antes os meteorologistas consideravam prováveis “uma vez no século”. Agora, esses prognósticos parecem obsoletos. “O poder dessas tempestades está fora de toda previsão”, disse à IPS Guido Corno, principal assessor técnico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). “Sandy foi uma tempestade enorme, maior do que qualquer outra nos últimos cem anos”, acrescentou.
Os cientistas acreditam que até o final deste século a mudança climática aumentará a severidade e a frequência de eventos meteorológicos extremos como o Sandy. Para as nações mais pobres do Caribe, essa previsão é um fantasma aterrador. No dia 24 de outubro do ano passado, Sandy se transformou em um furacão categoria um e atingiu a Jamaica, causando danos generalizados no leste da ilha. Ficaram sem eletricidade 70% dos jamaicanos, e no distrito de Portland, na costa nordeste, 80% das casas foram destelhadas, segundo a Cruz Vermelha.
No Haiti, embora a tempestade tenha apenas margeado a faixa costeira, deixou quase 50 centímetros de chuva no sul do país e foi um duro golpe para centenas de milhares que continuam sem casa após o terremoto de 12 de janeiro de 2010. Em 2012, a tempestade tropical Isaac danificou áreas do norte, depois apareceu uma seca e em seguida o Sandy. O efeito combinado golpeou os agricultores haitianos e colocou 1,5 milhão de pessoas em risco de desnutrição.
O furacão Sandy pegou de surpresa os moradores de Santiago de Cuba, acostumados a tempestades que habitualmente atingem o ocidente da ilha, sob a forma de uma tempestade categoria três, com ventos de até 110 quilômetros por hora. Onze pessoas morreram e metade das casas da cidade ficou destruída ou muito danificada. “Agora sei o que é um furacão. Quando vier outro, não demoraremos” para fugir, afirmou à IPS o Rey Antonio Acosta, de 12 anos, que escapou do Sandy com seu irmão mais velho.
Apesar de ter sido o furacão mais mortal que atingiu Cuba em sete anos, a quantidade de vítimas foi relativamente baixa. O tradicional sistema de defesa civil do país, que alerta todos os cidadãos em caso de desastre, permite planejar com antecedência as operações relativas aos furacões iminentes, nos últimos tempos com ajuda de modelos de mudança climática, e entrar em ação rapidamente após a passagem dos mesmos.
A Organização das Nações Unidas (ONU) destaca como modelo para o Caribe as iniciativas de prevenção de desastres de Cuba, que incluem “uma sessão de dois dias de capacitação na redução de riscos para furacões, completada com exercícios de simulação e ações concretas de preparação”. De todo modo, um ano depois do Sandy, os esforços de recuperação da parte do governo, complicados pela debilitada economia e pelo embargo imposto pelos Estados Unidos, não conseguem reduzir o déficit de moradia que afeta todo o país e que existe desde muito antes da tempestade.
No Haiti, como em boa parte da região, “a água é o principal problema”, pontuou Johan Peleman, diretor do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ochoa) no Haiti. Porto Príncipe, cidade com quase 2,5 milhões de habitantes, não possui saneamento. O furacão agravou a presença do cólera, que se presume entrou no país junto com os capacetes azuis (soldados da ONU). Desde 2010, mais de 650 mil haitianos foram infectados, dos quais mais de oito mil morreram.
“As doenças, devido à má qualidade da água, já estavam entre as principais assassinas em massa no Haiti”, observou Peleman à IPS. A solução, criar do zero um sistema de água e saneamento com financiamento institucional, pode consumir décadas até ser completada.
Após décadas de desmatamento ilegal, apenas 2% do país está coberto por vegetação, e há muitas áreas vulneráveis aos deslizamentos de lama que podem arrasar bairros inteiros quando as chuvas são intensas. Os mangues, que servem de barreira natural contra furacões e que nos últimos tempos estiveram à beira de uma catástrofe ecológica no Haiti, estão incluídos nos planos de contingência e se recuperam, de modo lento mas seguro.
Depois do terremoto e do Sandy, o governo haitiano, com uma importante ajuda financeira externa, iniciou um plano para reduzir a vulnerabilidade, mapeando os bairros segundo sua avaliação de risco e marcando as casas com cores vermelha, laranja e verde para indicar sua instabilidade. Em julho, 279 mil pessoas ainda viviam em acampamentos criados depois do terremoto, embora a essa altura já seja difícil determinar quais catástrofes os deixaram sem teto.
Para uma região sacudida pela temporada de furacões do ano passado, a terceira mais ativa de que se tem registro, 2013 resultou perturbadoramente tranquilo. A mudança climática pode afetar a já imprecisa ciência de prever o tempo, afirmou Kathy Ann Caesar, meteorologista-chefe no Instituto Caribenho para a Meteorologia e a Hidrologia, em Barbados. “Nesta temporada de furacões, os prognósticos foram de atividade normal ou superior à normal”, disse à IPS. Porém, tal atividade não se manifestou, e “não houve furacões que tenham recebido nomes”, acrescentou.
Em setembro, o Grupo Inter governamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) da ONU afirmou que a temperatura média global poderia aumentar inclusive 4,8 graus até o final deste século, o que afetaria a segurança alimentar e prejudicaria muitos países em desenvolvimento. Resta esperar anos como 2013, que não deveriam ser tomados como indicadores de tendências, segundo o IPCC.
Mesmo em um país tão pequeno como o Haiti, cujo território a nordeste experimentará elevações de temperatura superiores à do resto do país, se prevê que os efeitos da mudança climática variarão muito. De modo similar, na Jamaica os estudos climáticos “projetam que teremos mais chuvas nos próximos 20 anos, e depois um declínio”, disse Albert Daily, do Ministério de Águas, Terras, Meio Ambiente e Mudança Climática. “Haverá menos furacões, mas serão mais fortes”, ressaltou.
Daily acrescentou que o aumento do nível do mar apresenta uma severa ameaça a tudo que há construído na costa. Os países da região tentam evitar esse perigo mudando o diálogo sobre questões ambientais. “Estamos incluindo políticas sobre mudança climática no planejamento e na legislação”, explicou à IPS.
Parte do esforço consiste em convencer doadores estrangeiros e os Tesouros de países muito endividados, como a Jamaica, de que os custos iniciais de planejar considerando a mudança climática são o melhor investimento que um país pode fazer. “Está demonstrado que, para cada dólar não gasto na adaptação à mudança climática, serão gastos seis ou sete em uns poucos anos. Esses custos continuarão disparando, a menos que se tenha um plano de longo prazo”, ressaltou Corno. Envolverde/IPS
* Com colaboração de Patricia Grogg (Havana).