![Nessa área amazônica, as palmas africanas crescem misturadas com outra vegetação. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS](http://www.envolverde.com.br/wp-content/uploads/2013/11/palmas.jpg)
Moju e Tomé-Açu, Brasil, 12/11/2013 – Os caminhos quase não têm horizontes. O verde das plantações de palma africana se sucede monocórdio sobre quilômetros e quilômetros de terra vermelha, devastada no passado por madeireiros e pecuaristas. Sinal de alerta para uns e de esperança para outros, o dendezeiro, nome que no Brasil se dá à palmeira africana Elaeis guineensis, chegou para ficar no Estado amazônico do Pará, extremo norte do país.
A estrada que parte de Belém, a capital do Estado, não tem profundidade nem a exuberância da selva amazônica. Ao engarrafamento do trânsito da capital se sucedem mais de 150 quilômetros de estradas de asfalto e terra, definidos por uma linha de plantações de palma, apenas salpicados por pequenos povoados e cabeças de gado. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Amazônia brasileira perdeu 111.087 quilômetros quadrados de cobertura florestal entre 2004 e 2012. No mesmo período o desmatamento do Pará foi de 44.361 quilômetros quadrados.
Nessa terra pelada pela pecuária, há 27 anos se instalou a empresa Agropalma, que vende o óleo para indústrias de alimentos, higiene e cosméticos, e que possui no Pará mais de 39 mil hectares de dendezeiros. Ultimamente a seguiram outras, interessadas no biodiesel: a Belém Bioenergia (BB), empresa de risco compartilhado entre a Petrobras e a empresa privada portuguesa Galp Energia, e a Biopalma, unidade da corporação mineradora brasileira Vale.
“É um projeto economicamente sustentável, ambientalmente correto e socialmente enriquecedor”, disse à IPS o diretor agroindustrial da BB, Antônio Gonçalves Esmeraldo. Segundo o executivo, a BB escolhe suas terras com base em um mapeamento agroecológico da estatal Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), que indica áreas desmatadas e degradadas pela pecuária. O cultivo de dendezeiro emprega 10.914 pessoas nesse Estado que tem quase oito milhões de habitantes.
Uma propriedade arrendada pela BB, com 8.500 hectares, que quando se dedicava à pecuária empregava cinco pessoas, com o dendezeiro dará trabalho a cerca de 850 moradores do lugar, contou Esmeraldo. A empresa prevê cobrir 60 mil hectares até 2015, dos quais já plantou metade; seis mil correspondem a 600 agricultores familiares que lhe venderão sua produção, e o restante é de terras arrendadas de latifundiários.
Por sua vez, a Biopalma obterá óleo de 60 mil hectares próprios e da colheita de outros 20 mil, a cargo de dois mil pequenos agricultores. O objetivo é obter biodiesel para misturar em uma proporção de 20% com o diesel usado nas máquinas de mineração e locomotivas da Vale, explicou à IPS o diretor de bioenergia da companhia, César Abreu. Segundo Melquíades Santos Filho, gerente de comunicação da Biopalma, o dendezeiro equilibra terras degradadas, ao se integrar à flora nativa. A empresa assegura que nas plantações começaram a reaparecer espécies quase extintas, como o jaguar.
Em 2012, a palma ocupava no Pará 140 mil hectares, e sua produção se destinava em 67% para alimentos e cosméticos e em 33% para agrocombustíveis, segundo estudo do engenheiro agrônomo D’Alembert Jaccoud. O setor privado projeta estender essa superfície para 329 mil hectares até 2015 e ampliar em até 47% a parte destinada ao biodiesel, indicou à IPS. E o governo do Pará acredita que, até 2022, as plantações de palmeira para biodiesel ocuparão 700 mil hectares.
O Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma determina quais áreas degradadas são aptas para esse cultivo. Segundo a Embrapa, há disponíveis cerca de 10,4 milhões de hectares. Com essa expansão, o Brasil passaria a terceiro produtor mundial de óleo de palma, atrás de Indonésia e Malásia, segundo o governo paraense. Mas o temor é que o país siga o mesmo rumo desses dois produtores, que hoje abastecem 86% do mercado mundial graças a uma intensa destruição florestal e a incêndios e nuvens de fumaça que afetam inclusive o resto do sudeste asiático.
Depois da África, onde “a insegurança jurídica” dá lugar à posse de terras por empresas chinesas e europeias, “a outra grande fronteira é a Amazônia sul-americana”, e nela o Brasil tem “o maior estoque de terras”, explicou Jaccoud. O Programa Nacional de Produção de Biodiesel incentiva essa plantação. Por lei, os veículos a diesel devem empregar uma mistura de 5% de biodiesel e a intenção é chegar a 7%. Será um “mercado cativo obrigatório”, pontuou Jaccoud.
O Ministério de Desenvolvimento Agrário aposta neste combustível obtido de dendê, soja, girassol, rícino e canola, entre outras espécies vegetais. O biodiesel libera menos gases-estufa do que os combustíveis fósseis e sua produção ajuda na diversificação da matriz energética. O governo também espera reduzir a importação de diesel e, promovendo a produção de palma pela pequena agricultura, gerar renda, emprego e estímulo às economias locais.
Para Jaccoud, os programas oficiais têm boas intenções, mas ainda não existe um controle adequado. Há perigo de a propriedade da terra se concentrar mais, aumentar o consumo de pesticidas e, pela migração de trabalhadores rurais, as áreas urbanas ficarem mais precárias e violentas.
Para Guilherme Carvalho, educador do programa não governamental Fase Amazônia, a preocupação é que as empresas estejam tentando “forçar a agricultura familiar a investir nessa monocultura” e abandonar os alimentos, o que criaria “insegurança alimentar, perda de autonomia de suas terras e dependência dos preços de mercado”, afirmou.
Nos contratos que Biopalma e BB assinam com os pequenos agricultores se estabelece que só utilizem dez hectares de suas terras para o dendezeiro, e o restante fica livre para alimentos e espécies tradicionais. Mas a agricultura familiar agora representa uma parte pequena das plantações de palma.
João Meirelles, diretor do Instituto Peabiru, resgata a palma como “uma tentativa de regresso à selva” em áreas tropicais, preferível à soja e ao gado. Contudo, apela à “responsabilidade social” das empresas para que não recriem “os mesmos vícios” da cana-de-açúcar, concentrada em poucas mãos e com uma cultura precária de trabalhadores rurais migrantes.
O diretor da Biopalma, Márcio Maia, desconsidera a concentração da propriedade. Na região amazônica há grandes irregularidades na titulação de terras e isso “leva ao afastamento de importantes atores que têm interesse em investir neste cultivo”, assegurou.
Raticidas em plantações de dendê
A IPS teve acesso a denúncias investigadas pelo Ministério Público do Pará sobre o suposto uso de raticidas proibidos em plantações de dendê. Os plantadores empregariam Klerat – autorizado apenas para empresas acreditadas e em ambientes urbanos – para combater roedores silvestres. O Klerat é um potente anticoagulante que causa hemorragias internas. Se uma pessoa se alimenta desses animais que são caçados na Amazônia, também poderá sofrer seus efeitos. Envolverde/IPS