Arquivo

Mais de 2.500 mortes durante testes clínicos na Índia

A Suprema Corte de Justiça da Índia prolongou a suspensão de provas clínicas de 162 novos medicamentos até 16 de dezembro. Foto: epSOS.de/CC BY 2.0
A Suprema Corte de Justiça da Índia prolongou a suspensão de provas clínicas de 162 novos medicamentos até 16 de dezembro. Foto: epSOS.de/CC BY 2.0

 

Calcutá, Índia, 13/11/2013 – Mais de 2.500 pessoas morreram durante testes de remédios em humanos nos últimos anos, conforme dados do governo da Índia. Segundo uma declaração juramentada apresentada pelo Ministério da Saúde à Suprema Corte de Justiça, em resposta a uma petição de organizações não governamentais, houve 80 mortes causadas por testes de medicamentos em humanos entre janeiro de 2005 e junho de 2012.

Entre julho de 2012 e agosto de 2013, ocorreram nove mortes, totalizando 89, segundo a organização pelos direitos da saúde Swasthya Adhikar Manch (SAM), que apresentou a demanda. Em 82 dos casos foi paga indenização às famílias das vítimas. O Ministério também admitiu que 2.644 pessoas morreram enquanto participavam de experimentos com 475 novos remédios entre 2005 e 2012, supostamente por causas não relacionadas com os medicamentos.

Entretanto, a SAM acredita que essas mortes também teriam sido provocadas pelos testes clínicos. “Não foi seguido nenhum protocolo padrão, não houve autópsias. Então, como podemos chegar a esses números?”, questionou à IPS o ativista da SAM, Amulya Nidhi. A indenização só é paga se for constatado que a morte foi causada pelo experimento com um novo medicamento ou nova terapia.

Documentos governamentais também indicam que foram informados cerca de 11.872 “graves casos adversos” de saúde, que não implicaram em mortes, entre 1º de janeiro de 2005 e 30 de junho de 2012, dos quais 506 teriam sido causados por testes clínicos. A revelação desatou uma nova onda de críticas à forma como são desenvolvidos esses experimentos. Nos últimos anos a Índia se converteu em um polo de atração para companhias farmacêuticas internacionais que precisam testar seus novos medicamentos.

As denúncias de que os voluntários são enganados e de práticas inescrupulosas proliferam. Em resposta à crescente preocupação por esse fenômeno, o Ministério de Saúde e Bem-Estar Familiar criou em fevereiro um painel de especialistas vinculado à Organização Central de Controle de Padrões Sobre Medicamentos (CIDSCO). O painel apresentou um informe recomendando que os testes sejam feitos apenas por pesquisadores e em centros credenciados pelo governo.

As indenizações são outro tema polêmico. Entre 2010 e 2012 o Inspetor Geral de Medicamentos autorizou a realização de 1.065 testes. Ativistas denunciam que há laboratórios, intermediários e inclusive médicos que se aproveitam da pobreza, do analfabetismo e da desinformação dos que se apresentam como voluntários para os testes, muitas vezes negando a indenização quando é o caso.

O relatório do painel esclarece: “Não é necessário pagar a indenização em caso de lesões ou de morte quando ficar demonstrado que as causas não estão relacionadas com os testes. Em todos os outros casos de morte, lesão ou incapacidade se deve indenizar o participante ou seus herdeiros legais”. O valor básico e outros cálculos da indenização ainda não foram definidos pelas autoridades.

“O relatório responde aos assuntos que propusemos”, observou à IPS Chinmoy Mishra, coordenador da SAM. Contudo, “agora temos que ver como implantar adequadamente essas recomendações”, pontuou. Segundo o sistema federal indiano, a saúde pública é responsabilidade direta das autoridades de cada Estado. O informe do painel diz que todos os atores deveriam colaborar para implementar os controles necessários.

A SAM, com sede em Indore, no Estado de Madhya Pradesh, apresentou sua petição em janeiro de 2012, exigindo transparência nos testes com medicamentos. O Escritório de Crimes Econômicos do governo estadual havia registrado 36 mortes durante testes clínicos entre 2006 e 2010 em Madhya Pradesh, informou o SAM. A Comissão Nacional de Direitos Humanos denunciou que em 2011 foram feitos testes ilegais em mulheres para experimentar uma nova droga contra câncer de mama.

A organização pela saúde Wemos e o Centro para a Pesquisa sobre Corporações Multinacionais, ambas com sede em Amsterdã, na Holanda, apresentaram em 2006 uma pesquisa sobre 22 testes clínicos não éticos em todo o mundo, oito deles na Índia. Segundo o Ministério da Saúde indiano, mais da metade dos testes nesse país foram realizados por laboratórios estrangeiros e o restante por centros de pesquisa e companhias locais.

A SAM também pede indenização justa em todo o país e segundo os padrões internacionais. “O consentimento informado de cada participante é um requisito obrigatório para um teste clínico”, destaca o informe da CIDSCO. Muitos médicos inescrupulosos se aproveitam da desinformação dos voluntários, apontou Mishra. “Por exemplo, a diretriz de 16 páginas sobre esse tema foi traduzida para a língua local hindi em uma única página, e mal. Em Indore, pelo menos 95% dos participantes não sabiam do que se tratava e a assinaram”, ressaltou

Por outro lado, a falta de regulamentações afugenta várias companhias farmacêuticas de outros países, como China, Malásia e Cingapura. Muitos esperam que as novas disposições sugeridas pelo painel atraiam novamente as empresas, pois se trata de uma indústria multimilionária. Para reduzir a burocracia, os atuais 12 comitês de assessoramento sobre remédios da Índia serão substituídos por uma única comissão técnica, que agilizará os trâmites.

O painel também recomendou que a primeira fase de todos os testes clínicos com novas drogas que serão comercializadas na Índia aconteça dentro do país. Porém, “alguns dos remédios testados clinicamente na Índia poderiam acabar saindo tão caros que uma pessoa média não seria capaz de pagar”, disse à IPS o jornalista e investigador em temas de saúde Sandhya Srinivasan. “Então, qual é o motivo para testar esses remédios no país?”, perguntou.

Mishra não se manifestou contra os testes clínicos na Índia, mas insistiu que os voluntários não devem ser vítimas de abusos. “A vida humana é preciosa”, destacou. Segundo documentos apresentados pelo Inspetor Geral de Medicamentos à Suprema Corte, entre janeiro de 2005 e junho de 2012, esse país aprovou 475 testes clínicos para “novas entidades químicas” que não são usadas como medicamentos em outras partes do mundo. A Suprema Corte prorrogou uma proibição de realizar testes com 162 novos remédios até 16 de dezembro, e ordenou ao governo que implante um mecanismo “infalível” para regular os testes. Envolverde/IPS