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A palma quebra tradições camponesas na Amazônia brasileira

  Antônio de Oliveira na área de secagem de sua propriedade de urucum, um de seus cultivos tradicionais que agora convivem com a palma. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Antônio de Oliveira na área de secagem de sua propriedade de urucum, um de seus cultivos tradicionais que agora convivem com a palma. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

 

Concórdia do Pará, Moju e Acará, Brasil, 19/11/2013 – Milhares de famílias camponesas do Pará, no nordeste da Amazônia, apostam na palma africana e se associam com empresas do setor de biocombustíveis. “Um bicho raro”, com desafios econômicos e culturais. A propriedade de Antônio de Oliveira tem cheiro de uma mistura de laranjas, pimenta negra e urucum (Bixa orellana), um colorante natural do trópico americano, que tinge de vermelho toda a pequena fazenda.

“Não sabia nada sobre palma… É muito diferente trabalhar com isso, é um bicho raro e complicado”, comentou Oliveira, associado à empresa Biopalma há três anos para plantar a palma Ealeis guineensis, no Brasil chamada de dendezeiro. A Biopalma pertence ao grupo de mineração Vale e tem 60 mil hectares próprios de dendê, uma espécie alheia ao bioma amazônico. Mediante seu Programa de Agricultura Familiar também se associa a pequenos produtores para comprar sua produção.

A empresa utilizará o óleo de palma como matéria-prima de biodiesel para mover os veículos e as máquinas de sua atividade mineradora. “Não estava preparado para o dendê. Não gosto de ficar contando quantas plantas tenho ou fazer um quadrado para semeá-las. Fiz aqui e ali”, disse à IPS o camponês de 65 anos, que antes sobrevivia vendendo pimenta, laranja e urucum. Ele começou a trabalhar aos dez anos, “de sol a sol” como diarista, e sua falta de estudo o persegue.

“Quando escrevo alguma coisa, minha mulher diz que faltam muitas letras”, contou Oliveira, entre sorrisos. Fazer contas aprendeu por necessidade, como, por exemplo, a de calcular o rendimento que terá o dendezeiro, cujas plantas demoram cinco anos para produzir plenamente. Atualmente, colhe cerca de oito toneladas por quinzena e ganha em torno de US$ 120 por tonelada. Isso dá apenas para “cobrir gastos”, porque precisa pagar quatro ajudantes.

Contudo, diferente da pimenta que dá uma colheita ao ano, o dendezeiro produz uma a cada 15 dias. Por isso espera poder comprar logo uma caminhonete “de luxo” para transportar seus produtos e levar a família para passear. “Meu sonho é conhecer o Rio Grande do Sul. Mas no calor, com frio não vou”, brincou Oliveira, homem acostumado ao clima quente amazônico.

“Os agricultores associados têm problemas com a gestão de seus empreendimentos. Oliveira já trabalha com vários produtos e na prática é um pequeno empresário. Precisa saber quanto entra e sai, quanto gasta em cada cultivo”, explicou à IPS o técnico da Biopalma, Charles Vilarino. A empresa é sócia de 350 famílias e, até 2015, pretende incorporar mais 1.650, que no total vão explorar 20 mil hectares.

Os agricultores recebem créditos do governo federal para entrar no programa e, em troca de dedicar um máximo de dez hectares à palmeira, têm assistência técnica e garantia de compra de seu produto por 30 anos. Porém, as dificuldades são grandes. No norte do Pará muitos produtores carecem de transporte e não se acostumam a criar cooperativas para resolver coletivamente seus problemas. “Me disseram que logo teremos que levar o fruto da palmeira até a empresa (no município de Moju) e não tenho caminhão. Como farei?”, se preocupa Oliveira.

A Biopalma serve de intermediária para que instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) deem cursos de gestão e cooperativismo para os agricultores. “Não podemos obrigá-los a se organizarem em cooperativas. Isso deve surgir de nossos sócios. Trouxemos o Sebrae porque eles se interessaram”, explicou à IPS o analista de comunicação e projetos sociais da empresa, Sauer Teles.

Um informe de junho do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis, da organização jornalística e de investigação Repórter Brasil, indaga sobre as incompatibilidades da cultura do dendezeiro na agricultura familiar do Pará. A pesquisa alerta que o programa governamental Eco Dendê, que apoia a dedicação camponesa ao cultivo com linhas de crédito, “pode não representar o futuro promissor tão sonhado pelos agricultores familiares”, e suas “promessas de ganhos” podem acabar sendo falsas.

“Muito se prometeu e pouco se discutiu sobre seus impactos no modo de vida tradicional” dessas comunidades, diz o juiz Marcus Barberino, especialista em relações no campo, citado no documento. A Belém Bioenergia, uma empresa de risco compartilhado entre a Petrobras e a portuguesa Galp, também incentiva o dendê para biodiesel. A companhia tem acordos com 280 famílias e projeta 600 no total.

No caminho para entrevistar um desses agricultores, a IPS encontrou a propriedade de uma família camponesa alheia à nova cultura do dendê. De seus oito integrantes, apenas o bebê de um ano não trabalhava naquele momento. O pai, Reginaldo Dias, cozinhava a farinha de mandioca em um forno à lenha. Os idosos e as crianças descascavam a raiz e a esposa a ralava. É uma forma de sobrevivência, mas também um ritual cultural. O excedente de farinha para consumo familiar, eles vendem no mercado para comprar “o que falta: açúcar, feijão e arroz”, contou Dias à IPS.

A poucos quilômetros vive José Ribamar Silva, um dos sócios da Belém Bioenergia. Há um ano e meio, plantou dendê em dez hectares de sua propriedade, e nos 15 restantes continua colhendo abacaxi, urucum, pimenta, mandioca e feijão, junto com cultivos próprios amazônicos. “A agricultura em nossa região é mais de mandioca e pimenta. Houve uma época em que a pimenta dava muito lucro, mas agora não, é muito trabalho para pouco dinheiro, por isso quando chegou o dendezeiro decidi por ele”, contou Silva à IPS. Ele espera que a palmeira lhe permita “colocar os filhos na escola” e explica que o futuro deles “é o mais importante para mim”.

“Não se chega a um modelo verde sem abordar a questão social”, pontuou João Meireles, diretor do Instituto Peabiru, que assessora empresas vinculadas com a palmeira em temas socioambientais. Quando as grandes companhias chegam com suas exigências de regulações ou de legalidade, “pode ocorrer um choque em uma região com outro contexto social e de propriedade da terra, com questões básicas sem resolver”, explicou à IPS.

No Pará a renda mensal não chega a US$ 50 por pessoa. Apenas 4% dos camponeses têm títulos de propriedade e entre 40% e 50% da população é analfabeta. Além disso, se mantém o hábito de queimar a floresta para semear. Os ritos agrícolas não mudam “da noite para o dia”, apontou Meirelles. A seu ver, o desenvolvimento da palmeira na Amazônia, “baseado em megaempresas com excelência, é de certa fora incompatível com a agricultura tradicional familiar”. Entretanto, essas empresas podem ter “um papel de transformação”, fortalecendo a sociedade das comunidades camponesas do Pará, ressaltou. Envolverde/IPS