Rio de Janeiro, Brasil, 29/4/2011 – O governo brasileiro deve colocar “a casa em ordem” e assumir uma posição firme em relação aos direitos humanos se deseja alcançar um lugar permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, afirmou o secretário-geral da Anistia Internacional, o indiano Salil Shetty. A presidente Dilma Rousseff declarou que vai priorizar as políticas de respeito aos direitos humanos, “mas uma coisa são as palavras e outra é a ação concreta”, acrescentou Shetty, em um intervalo de sua visita ao Brasil, onde a Anistia, que tem sede em Londres, instalará um escritório nos próximos meses.
Shetty se reuniu com familiares de pessoas assassinadas pela violência policial e recebeu denúncias de despejos forçados de assentamentos irregulares. “Há uma longa história de crimes cometidos por policiais no Brasil. Há quatro décadas acompanhamos a situação dos direitos humanos no país e, agora, vamos ter uma presença permanente com uma equipe”, explicou o ativista. Dados da organização indicam que o chamado gatilho fácil mata, em média, cerca de mil pessoas por ano apenas no Rio de Janeiro.
“Os que sofrem com as atrocidades policiais e injustiças nas favelas são, em sua grande maioria, afrodescendentes, mulheres e pobres, isto é, pessoas que não têm voz e são as mais vulneráveis da sociedade”, afirmou Shetty. O representante da Anistia entende que “houve avanços importantes” quanto à defesa dos direitos humanos no Brasil desde o fim da última ditadura (1964-1985).
Entretanto, ainda há pontos preocupantes, especialmente em matéria de segurança pública, com atraso na renovação das fileiras policiais, e nas prisões, onde se amontoam cerca de 500 mil pessoas, acrescentou Shetty. Por isso, o Brasil deve trabalhar para corrigir estes graves problemas se pretende ocupar um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. No Brasil, como em outros países, existe uma forte corrente de pensamento que afirma que “é preciso escolher entre os direitos humanos e a segurança pública”, criticou o ativista.
“Ninguém tem o direito de matar outra pessoa”, disse, na mesma sintonia, Joelma, tia de Júlio César Menezes Coelho, assassinado aos 21 anos, no dia 18 de setembro de 2010, em uma operação policial na favela Cidade Alta, a mesma que Shetty visitou esta semana. “A dor que fica é a mesma que faz lutar e seguir em frente”, acrescentou.
“Por favor, não me mate, moro aqui”, foram as últimas palavras de Júlio César antes de ser baleado por seis soldados da Polícia Militar, contou Joelma. “Isto já é rotina. Vou lutar enquanto tiver forças. E luto por todas as mães que perderam seus filhos”, acrescentou, ao relatar seu drama ao funcionário da Anistia Internacional.
A história de Júlio César, totalmente alheio a qualquer fato delitivo e que só queria estudar gastronomia, se mistura a muitas outras, com a de Andreu Carvalho, filho de Deize da Silva de Carvalho, que foi detido dia 31 de dezembro de 2007, quando tinha 17 anos. “Um dia depois recebi a notícia de que tinha sido torturado até morrer”, contou Deize a Shetty. “A convicção de que os crimes ficam impunes é o que permite que os policiais continuem matando pobres e negros”, lamentou.
O Brasil continua sendo o campeão das violações policiais na América Latina, disse à IPS o representante da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, Maurício Campos dos Santos, que organizou o encontro dos familiares das vítimas com Shetty. “As famílias lutam por justiça e o encontro com o secretário-geral da Anistia Internacional serviu para dar visibilidade a esses casos. Sabemos que no Brasil o preconceito é muito grande. Não há dúvidas de que a denúncia no exterior tem mais peso”, ressaltou.
Por sua vez, a psicóloga Cristiana Fraga, da Universidade Federal Fluminense, disse à IPS que uma das formas de reagir a este tipo de abuso é canalizando a dor para potencializar a busca por justiça. “É muito difícil quando alguém perde um membro da família. O sofrimento sempre vai existir, mas a maneira de reagir a isto é o que pode dar outro sentido às suas vidas”, disse Cristiana.
Além da atenção a parentes de vítimas da violência policial, no Brasil a Anistia se propõe a encaminhar denúncias de retirada compulsiva de famílias pobres assentadas em áreas previstas para a construção de edifícios e infraestrutura com vistas ao Mundial de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016. Pelo menos 750 famílias vivem em áreas previstas para a construção de vias de transporte de alta velocidade.
“Não queremos proibir a Copa do Mundo nem as Olimpíadas ou mesmo os avanços das vias. O que queremos é o direito a uma residência digna”, disse o sacerdote Luiz Antônio Pereira Lopes, da Pastoral das Favelas. “O respeito às pessoas será vulnerado com o deslocamento das habitações e também com as míseras indenizações propostas pelas autoridades, que variam entre R$ 8 mil e R$ 10 mil”, explicou o padre.
“O Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais que garantem o direito a uma habitação, mas todos os casos que ouvimos aqui mostram que este processo não está sendo contemplado”, disse Shetty, que ontem participou no Rio de Janeiro, junto com a presidente Dilma, de uma sessão do Fórum Econômico Mundial na América Latina. Envolverde/IPS