COP19: A tragédia anunciada na Sardenha, não deixemos de responsabilizar os culpados

sardegna (1)

Varsóvia, Polônia – Uma estranha coincidência esta que estou vivendo, uma sarda na Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas em Varsóvia. O evento é importante, existe urgência absoluta na ação, é preciso sensibilizar a população, fazer pressão sobre negociadores para que o aquecimento global possa ser freado, assim como os danos causados pela já comprovada mudança climática. Tudo isso enquanto um ciclone e fortíssimas chuvas atingem pela enésima vez a minha terra, causando mortos, feridos, desabrigados, destruição.

E ainda…

Acontece, então, que a triste história que está vivendo a Sardenha está recebendo a máxima atenção da mídia. Falou sobre ela a BBC, e enquanto eu almoçava na Food Court do National Stadium, também a CNN transmitia um noticiário de dois minutos com imagens que me fizeram perder o apetite. Na verdade, pensei, eu deveria estar contente com essa divulgação, pois ao menos a tragédia não passará despercebida.

E ainda…

Tantos escrevem e tentam explicar as causas dessa devastação. E então usam-se palavras como mudança climática e triste fatalidade, às vezes ao lado de pedidos vagos e genéricos sobre a necessidade de prevenção. A impressão que se tem é de impotência, de que não tenha sido possível fazer nada para evitar o desastre.

Não há espaço para a palavra “responsabilidade” nesses discursos, com exceção de raríssimos casos em nível regional.

É verdade, as chuvas foram muito intensas (cerca de 500mml, o correspondente à quantidade média de chuvas de um semestre). É verdade, os assim chamados eventos extremos já são frequentes e deverão ser ainda mais, como destacado pelo V Rapporto dell’IPCC. É verdade, é importante sensibilizar a população sobre o tema das mudanças climáticas. E ainda assim, tantos usam este argumento somente para se livrar da responsabilidade, para chamar de “emergência” aquilo que à essa altura já se tornou rotina.

Falemos do fato que, desde 1999, a Sardenha sofre grandes devastações, claramente definidas como “extraordinárias”. Refiro-me às tragédias de Capoterra em 1999, de Villagrande e da Baronia em 2004, e novamente de Capoterra e outras regiões vizinhas a Cagliari em 2008. Seria oportuno destacar que um desses locais, Poggio dei Pini, foi inteiramente construído dentro do leito de um rio, e que, apesar das inundações e devastações, o Plano Urbanístico Municipal (PUC) não foi modificado; que as cidades mais atingidas foram as primeiras a lutar contra as disposições do Plano de Assentamento Hidrogeológico (PAI); que as zonas mais atingidas são aquelas em que a super-urbanizaão do território é disfarçada de desenvolvimento do território (Arzachena, Olbia).

A verdade é que na Sardenha existem claros responsáveis por esse desastre e que toda a Itália é corresponsável por esses mortos. Porque as medidas de segurança do território, obra realmente de primeira necessidade, não está presente na agenda política nacional? Porque a cada segundo que passa se desmatam 8mq de solo, o que em 5 meses equivale a uma superfície igual à da cidade de Florença, de acordo com dados do Anuário Ambiental 2012 do Ispra? Por que 301 entre 377 cidades da ilha insistem em continuar sobre zonas de risco hidrogeológico? E por que, desde o orçamento de 2006/2007, elas não recebem um euro para fazer prevenção? Por que os fundos regionais disponibilizados para a defesa do solo e contra a instabilidade hidrogeológica, equivalentes a 1,5 milhões de euros, foram totalmente revogados pela Região poucos meses atrás? Por que a Sardenha ainda não é dotada de um Plano de Proteção Civil, embora seja obrigada a fazê-lo desde 1989?

Estas são as perguntas que contam, e que são importantes de serem enfrentadas nesse momento. A questão da mudança climática é urgente, mas temos que começar de baixo, agir com os meios que temos já à disposição, combater a inércia, a desonestidade, a especulação imobiliária, a gentrificação costeira, a perda de solo agrícola.

Vamos nos empenhar em amar a nossa terra, em compreender o que acontece em nível local. Vamos nos indignar e depois agir, abandonando a retórica e fugir da instrumentalização.

Não façamos o jogo dos culpados se realmente queremos que não haja mais cruzes sobre as quais chorar.

* Giorgia Foddis é repórter da Agência Jovem de Notícias, projeto encabeçado pela ONG Viração Educomunicação, que pretende levar propostas da juventude para serem contempladas pelos negociadores brasileiros durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP19).

** Para acompanhar a cobertura jovem da COP19 acesse também:  www.agenciajovem.org e www.redmasvos.org. Os conteúdos serão produzidos em português, espanhol e italiano.