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Alimentos locais para responder a desastres

Jovem da tribo Paudi Guhiya resgata cultivos prejudicados pelas inundações de outubro causadas pelo ciclone Pahilin em Lahunipada, no norte de Orissa. Foto: Malini Shankar/IPS
Jovem da tribo Paudi Guhiya resgata cultivos prejudicados pelas inundações de outubro causadas pelo ciclone Pahilin em Lahunipada, no norte de Orissa. Foto: Malini Shankar/IPS

 

Bhubaneswar, Índia, 5/12/2013 – Mais de um mês depois que o ciclone Pahilin açoitou Orissa, as tribos desse Estado indiano ainda sentem sua fúria. Além dos danos material e emocional, a tormenta causou estragos em suas fontes de alimentos tradicionais. “Calamidades com o ciclone Pahilin afetam a todos por igual, mas as tribos são muito mais vulneráveis ao seu impacto por terem menor resiliência”, disse à IPS o comissário especial de assistência, P. K. Mahapatra.

Isto é particularmente certo em um Estado como o costeiro Orissa, onde são frequentes os desastres naturais e onde 24% de seus 42 milhões de habitantes são indígenas que vivem da terra. “Poderosos ciclones açoitaram Orissa, igual mísseis guiados pelo calor em 70 dos últimos 110 anos. As tribos necessitam pelo menos de uma temporada para se refazerem”, observou Mahapatra.

O Pahilin, que atingiu Orissa em 12 de outubro, foi a tempestade mais poderosa que chegou à Índia em uma década. Os preparativos do governo ajudaram para que não houvesse mais de 21 vítimas, segundo dados oficiais. Contudo, enquanto o Estado se recompõe, muitos destacam a importância dos alimentos obtidos localmente durante as emergências, e enfatizam como as mudanças dos padrões de consumo durante os desastres naturais podem prejudicar os povos originários.

Um exemplo é o distrito de Gajapati, severamente prejudicado pelo Pahilin e onde 70% da população é indígena. “Da população do distrito 10%, incluídas as tribos, foi evacuada para abrigos anticiclones e receberam ajuda alimentar de emergência como todos os demais. Perderam cultivos e tiveram suas casas de teto de palha danificadas”, contou à IPS B. K. Hota, encarregado de operações de emergência.

Uma indígena do distrito de Sundargarh, que ficou inundado após o ciclone, disse que a preocupação das mulheres é que a perda de cultivos afete a nutrição das crianças. Bijay Kumar Sahoo, inspetor de suprimentos, explicou à IPS que “é muito difícil ter acesso às afastadas vilas tribais nas densas selvas”, por isso é todo um desafio distribuir alimentos ou outra ajuda durante as calamidades.

Esse é o principal motivo pelo qual o Instituto Central de Pesquisa do Arroz, na localidade de Cuttack, em Orissa, desenvolveu variedades de arroz que podem suportar os eventos meteorológicos extremos do Estado. Trata-se de variedades que podem crescer em áreas irrigadas, com água salgada, em zonas propensas a secas, em terras baixas, planas e alagadas.

Durante os desastres, o consumo de alimentos nativos é fundamental para obter uma segurança alimentar que, por sua vez, seja sensível à cultura local. Mas essa variedade de arroz carece de um apoio de infraestrutura que seria necessário para sua distribuição. Nos primeiros dias posteriores às catástrofes, o governo fornece “arroz sem casca, saborizado e cru, bolachas com alto conteúdo proteico, água e material para reidratação oral”, que são fáceis de embalar e distribuir.

Porém, as carências na logística do transporte de carga poderiam ser compensadas, por exemplo, colhendo batata-doce produzida localmente, bem como milho, deixando água e saneamento para o governo. Segundo o Centro estadual de Operações de Emergência de Orissa, na segunda fase da assistência a administração entrega arroz, lentilha e dinheiro para as vítimas. E é ali que uma segurança alimentar sensível à cultura é crucial para comunidades como as indígenas.

Repartir alimentos pré-cozidos ou cozidos parcialmente para tribos sem teto poderá evitar que morram de fome, mas mantê-los com padrões de consumo totalmente novos pode ter um impacto de longo prazo em sua saúde e constituição física. “Tradicionalmente, os indígenas caminham na floresta distâncias tão longas para conseguir os magros alimentos que precisam, como tubérculos ou pescados, que nunca contrairão doenças ligadas ao sedentarismo, como a diabete”, disse as IPS Jupiter Das, funcionário da Cruz Vermelha no distrito de Puri.

A sabedoria nativa respeita as fontes de nutrição complementar de cada estação, a rotatividade de cultivos e o desenvolvimento sustentável da economia e da sociedade. Se fosse possível desenvolver um meio sustentável de colheita como a que promove a diversidade de alimentos autóctones, a distribuição da ajuda alimentar seria muito menos complicada, afirmam os especialistas.

“Os alimentos das tribos incluem grãos grossos, pescado, milho, lentilha, fungos e tubérculos. O consumo de arroz e milho entre as tribos é consequência das leis de conservação florestal, que privam os indígenas de acesso aos produtos da floresta”, disse Tushar Dash, da Vasundhara, uma organização não governamental que promove os direitos das comunidades florestais e a posse da terra em Orissa.

No estudo Recursos Genéticos de Tubérculos Silvestres Tradicionalmente Usados na Reserva da Biosfera de Simlipal, em Orissa, Índia, feito entre 2008 e 2112, os pesquisadores documentaram a segurança alimentar tradicional das tribos. “Foram inventariadas 55 espécies de tubérculos silvestres comestíveis, que representam 37 gêneros e 24 famílias, incluindo 17 espécies usadas em épocas de deficiência alimentar para cobrir a escassez de estação”, diz o informe.

“As tribos domesticaram dez espécies, dessa forma reduzindo as ameaças aos tubérculos silvestres e 20 são comercializadas nos mercados locais para gerar renda adicional, exemplificando os benefícios econômicos que representam os tubérculos silvestres”, acrescenta o documento.

Avula Laxman, do Escritório Nacional de Monitoramento Nutricional, no Instituto Nacional de Nutrição de Hyderabad, disse à IPS, via correio eletrônico: “Não temos informação sobre cultivos neutros em matéria climática. Porém, alguns informes revelam que algumas das tribos podem consumir caroço de manga durante as secas e em condições de escassez”. A sabedoria originária tem vantagens práticas durante as calamidades.

Sambit Rout, funcionário do governo do distrito de Puri, não esquece o que lhe disse um pescador perto do lago Chilka na noite em que o ciclone Phailin atingiu a área: “Não há mais motivos para se preocupar, porque o vento mudou de direção. Sua sabedoria nativa me deixou gelado”, contou Rout. O funcionário acrescentou que há um dia no ano em que as tribos do norte da Índia armazenam grãos para se alimenta e lenha para usar como combustível diante de iminência de desastres

O Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU) também destaca as vantagens de obter alimentos localmente. Talvez, seja tempo de a Índia recorrer aos conhecimentos nativos para mitigar a insegurança alimentar durante as catástrofes. Envolverde/IPS