Das ferrovias aos barcos a vela, o mundo aposta em soluções conhecidas, associadas a novos combustíveis, para o grave problema da locomoção.

[media-credit name=”Agência Vale” align=”alignright” width=”300″][/media-credit]Os carros do futuro voarão, como no desenho animado Os Jetsons? Serão movidos a etanol de cana, como sonham os produtores brasileiros? É provável que não! A indústria, de forma geral, explora outras opções. Como no caso da Ford, justamente a companhia que moldou o mercado automobilístico em seu início. “Trabalhamos para tornar mais acessível o carro híbrido, que mistura tração elétrica e gasolina”, afirma Rogélio Golfarb, diretor da Ford Brasil, que cita como exemplo o modelo Fusion, ainda em teste, cujo custo atual desestimula a produção em larga escala.

O próximo passo da indústria tende a ser a oferta de veículos movidos a eletricidade, que precisam de tomadas de abastecimento, mas têm o mérito de não queimar gasolina. Por outro lado, os veículos precisarão da energia gerada por usinas que podem ser movidas a fontes renováveis, ou não. No caso brasileiro, quase metade da energia vem de hidrelétricas, mas em outras regiões do mundo haveria a queima de carvão, gás natural ou derivados de petróleo para gerar a eletricidade que carregaria as baterias dos carros.

Para o especialista Orlando Strambi, a simples substituição da energia que move os carros não vai resolver o problema da mobilidade urbana. “Se o modelo continuar o mesmo, vamos ter congestionamentos de carros elétricos, limpos e não poluentes, mas parados do mesmo jeito.” Strambi cita números, como a fabricação, apenas em janeiro de 2011, de 222 mil novos automóveis no Brasil. No fim do ano passado, havia 65 milhões de veículos em circulação no país, 57% deles, automóveis. Segundo o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, nem sempre a tecnologia deve ser considerada a única opção para a solução de desafios relacionados à sustentabilidade. Ele cita como exemplo o uso de aparelhos de ar-condicionado, que cresceu exponencialmente por conta da maior eficiência nos custos de produção e operação. “Apenas nos Estados Unidos, atualmente a energia consumida por estes aparelhos é igual a toda a energia consumida pelo país nos anos 1950.” O mesmo acontece com os automóveis, que, sob o ponto de vista de eficiência energética e redução de custos de produção, estão muito mais competitivos. Contudo, apesar de carros mais eficientes, o consumo global de combustíveis em transportes é um dos principais vetores das mudanças climáticas.

A conta realizada por uma ONG ligada à mobilidade limpa, em Amsterdã, mostra que a eliminação dos congestionamentos “melhora automaticamente o fluxo do transporte público em 40%, tornando possível manter um serviço de qualidade sem ter de necessariamente investir mais em veículos e funcionários”. Strambi acredita que o alto custo do transporte público da cidade de São Paulo também se deve à baixa velocidade do sistema: “Para abaixar, seria preciso dotar o sistema de velocidade. Quando congestionado, a companhia precisa de mais veículos, mais gente”.

A mobilidade do Século 21 ainda vai depender por muito tempo de uma matriz energética baseada majoritariamente em petróleo, mas as pesquisas avançam em várias frentes. As longas distâncias brasileiras, por exemplo, são convidativas para as ferrovias. Praticamente abandonadas desde os anos 1960, elas começam a retomar a importância, principalmente para a ligação entre os centros produtores de commodities agrícolas e minerais e os portos. Uma estimativa do BNDES mostra que o setor deve receber R$ 56 bilhões em aportes até 2013. A Vale, que já tem na estrada de ferro parte estrutural de sua logística, agora inova nos combustíveis. A empresa tem feito testes com gás natural em cinco locomotivas da linha Vitória-Minas. Outra linha, no Norte, na ligação Carajás-São Luís, opera com uma mistura de biodiesel. Gustavo Bastos, gerente-geral de desenvolvimento e inovação ferroviária da empresa, explica que, em breve, as locomotivas virão da fábrica nos Estados Unidos com kits de conversão.

No mar, as novidades vêm do passado. O vento, praticamente esquecido desde o Século 19, quando o carvão e depois o petróleo dominaram os sete mares, enche novamente as velas. Desta vez, não mais de caravelas e românticos veleiros, mas de modernas embarcações de carga que se utilizam de uma tecnologia futurista de velas controladas por computadores e presas por cabos que as tornam parecidas com imensas pipas em busca dos melhores ventos. “É um paradoxo voltarmos a praticar normas e padrões da era da vela. Mas ao juntarmos recursos modernos e computadores com uma moderna aerodinâmica, estas soluções apresentam-se viáveis”, observa o engenheiro naval Marcelo Almeida Neves, da Coppe, centro de pesquisas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ainda mais vanguarda, os kite ships, ou “navios-a-pipa”, são uma nova propulsão mista em desenvolvimento. Diferentemente das caravelas, eles não precisam cortar o vento em ziguezague. “A tecnologia de parapente utilizada como raia é mais eficiente que a vela, capta o vento em uma altitude maior com a vantagem de não ter mastro, uma limitação física”, explica Neves. Existem ainda projetos de transatlânticos com motor single cell (que converte energia térmica em elétrica), cargueiros a velas ou paineis solares, estabilizadores para minimizar o consumo.

A economia e a redução das emissões de carbono não dependem apenas de inovações tecnológicas. Medidas mais prosaicas podem dar resultados imediatos e bem satisfatórios, como o exemplo da Transportadora Maersk, uma das maiores operadoras de contêineres do planeta, que percebeu que ao reduzir a velocidade dos seus navios economizaria combustível, custos e emissões. “Os ganhos são enormes. A primeira iniciativa foi o Slow Steaming para 18 nós. A velocidade normal está entre 20 e 21 nós. Depois, percebemos que a redução para 14 nós poderia ser ainda mais interessante. Enfrentamos a resistência dos engenheiros. Segundo eles, o navio não era projetado para trabalhar longos trechos em tão baixa velocidade. Mas nos testes notamos que a velocidade poderia ser aplicada”, conta Paulo Ruy, porta-voz da empresa. Dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente apontam que o setor naval, impulsionado pelo crescente comércio global, deve incrementar suas emissões de CO2 em até 250% até meados deste século.

A aviação, por sua vez, representa 12% das emissões de carbono do setor mundial de transportes. Institutos como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos, e o Imperial College, de Londres, promovem pesquisas para diminuir o uso dos combustíveis a partir da reformulação das aeronaves e novos materiais. Protótipos já oferecem maior eficiência: os de alumínio podem chegar a gastar 49% menos combustível, a transferência dos motores para a parte de trás pode ser mais econômica e, ainda, a diminuição dos encaixes da fuselagem pode minimizar a entrada de ar, diminuindo o arrasto aerodinâmico e o consumo. Asas mais finas e mudanças inovadoras de design são hipóteses estudadas.

No Brasil, a Embraer lançou, em 2005, o primeiro avião certificado 100% etanol. O Ipanema, pequeno modelo agrícola para pulverização, obteve resultados positivos. Segundo Guilherme Freire, diretor de desenvolvimento, o motor demonstrou eficiência na redução de gastos com combustível. “É mais leve, mais frio e oferece 5% a mais de potência.” Segundo Freire, o desenvolvimento de tecnologias limpas para aviões de médio e grande portes é algo mais complicado: o etanol congela a grandes altitudes. O hidrogênio ocuparia um espaço enorme, uma bateria também. “O Brasil foi pioneiro, realizou o primeiro voo experimental com etanol em 1984, mas perdeu o embalo”, conta o executivo.

A alta nos preços dos combustíveis em 2007 levou a indústria aeronáutica a voltar a investir em opções. “O incentivo é, sem dúvida, mercadológico”, considera Paulus Figueredo, gerente de energia da TAM, que tem feito testes com bioquerosene. A companhia, e o setor de forma geral, espera que a Agência Nacional do Petróleo aprove o B50 (combustível com 50% de bioquerosene) ainda em 2011. Em um voo-teste, no ano passado, a TAM teve de usar um combustível processado pela Honeywell UOP, sediada em Houston. A companhia pretende realizar o próximo teste, sem data definida, em um voo comercial.

* A matéria é parte integrante do suplemento Carta Verde, produzido pela Envolverde em parceria com a revista Carta Capital.

** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.