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Drusos nas Colinas de Golã sentem o calor da guerra síria

 Uma barreira protege os drusos, mas também os separa de sua pátria. Foto: Pierre Klochendler

Uma barreira protege os drusos, mas também os separa de sua pátria. Foto: Pierre Klochendler

 

Majd e-Shams, Colinas de Golã, 12/12/2013 – As fracas explosões ouvidas ao longe servem como lembrança de que, embora uma nova barreira os proteja nesse povoado, a guerra civil que há dois anos e meio sangra sua pátria não está tão longe. Separada de terra árabe há quase cinco décadas, a comunidade drusa das Colinas de Golã, ocupadas por Israel, vive uma relativa segurança graças à sua precária neutralidade no conflito sírio. Os drusos, um milenar ramo do Islã, estão espalhados por toda Síria, Líbano e Israel.

Nessa localidade de 11 mil habitantes a maioria é laica, e teme a crescente influência dos grupos radicais islâmicos na guerra civil síria. “Apoio o presidente Bashar al Assad de todo coração porque sou sírio”, disse Hassan Fakhr-Eddin, membro dessa comunidade. “Esses infiéis estrangeiros querem converter a Síria laica em um Estado islâmico”, acrescentou, se referindo aos combatentes islâmicos que não são sírios. Embora se declarem leais à Síria, tentam manter em segredo suas opiniões sobre a política interna desse país.

Em geral, os drusos são fiéis ao país onde vivem. Mas aqui a lealdade à Síria é testada pela guerra civil. No começo do conflito, a comunidade outrora unida e fervorosamente patriótica começou a se dividir entre partidários e opositores de Assad. “Há tensões entre famílias e amigos. Não converso com os que são contra Assad. Estão fora da minha vida”, afirmou à IPS Ghandi Kahlouni, farmacêutico local. “Sou contra a ditadura, mas também contra qualquer tentativa de destruir a Síria. Agora fica claro: ou se está com Assad ou se apoia os rebeldes e se é um traidor”, acrescentou.

E, conforme a guerra civil foi avançando, os drusos começaram a cerrar fileiras. Os que simpatizavam com os rebeldes agora pensam que nenhuma revolução é digna de tal derramamento de sangue. “Naturalmente, estou desiludido. Isso não era o que esperava”, reconheceu Salim Safadi, da vizinha localidade drusa de Mas’ade. “No começo da chamada revolução fizemos uma manifestação, e isso é legítimo. Mas depois os terroristas da jihad começaram a passar por cima das esperanças democráticas do povo sírio. Assim, é hora de refletir. Atualmente, a alternativa a Assad não oferece muita esperança”, opinou.

A guerra civil aqui é uma recordação distante. Israel tomou as Colinas de Golã da Síria durante a Guerra dos Seis Dias, de 1967. Seis anos depois, a Síria travou outro conflito com Israel para recuperar esse território, mas não teve sucesso Porém, as ruínas testemunham a gravidade da batalha. Cerca de cem mil drusos que moram nas Colinas de Golã fugiram da guerra ou foram deslocados, e nunca puderam voltar. Muitas famílias foram desmembradas. Apenas 22 mil drusos permanecem hoje espalhados em quatro povoados, rodeados por 22 mil assentamentos judeus.

Há postos de vigilância israelenses nas montanhas em torno desse povoado, bem como em seu centro. Uma bandeira de Israel ondula no prédio municipal. É, na verdade, a única edificação adornada com a estrela de Davi. As demais construções têm cores drusas. A bandeira síria está ausente para não assustar turistas israelenses, explicam os residentes. Dolan Abu-Saleh preside o conselho local de Majd e-Shams, designado pelo Ministério do Interior de Israel. Com prudência, aconselha os moradores do povoado a não tomarem parte no conflito sírio. “Meu coração está com o povo sírio. Estamos presos à terra e às nossas famílias ali, mas não necessariamente ao regime”, disse à IPS.

Em 1981, Israel aprovou uma lei que submete esse estratégico altiplano às leis e ao governo do Estado judeu. Porém, apoiada pela comunidade internacional, a comunidade drusa rechaça o que nos fatos é uma anexação de território sírio. A possibilidade de adotar a cidadania israelense é rejeitada por 90% dos drusos nas Colinas de Golã.

Abu-Saleh, ele mesmo um israelense de segunda geração, insistiu para que os drusos mais jovens, diante da incerteza que a Síria oferece, apreciassem viver seguros em território ocupado por Israel. “A segurança é um fator fundamental para nossa fé. Os jovens se veem no futuro em um lugar mais seguro. Quando ouvem as bombas do outro lado da barreira, apreciam o valor da segurança”, afirmou.

Antes da guerra civil, e com apoio financeiro de Damasco, centenas de jovens drusos das Colinas de Golã podiam estudar ciências, medicina e odontologia em universidades sírias. Mas agora podem ser contados nos dedos das mãos.

“Como resultado da chegada de profissionais, a economia da comunidade drusa floresceu” então, contou Hamad Aweida, formado na Universidade de Damasco em tecnologia da informação e agora produtor de televisão. “Agora muitos ficam em suas casas por estarem desempregados. Os mais afortunados viajam para estudar na Alemanha, mas isso é caro. Tenho medo de que, dentro de três ou cinco anos, pessoas com menos educação do que agora comecem a se somar à força de trabalho”, afirmou à IPS.

Marah Sabra, de 17 anos, quer seguir sua irmã mais velha, Roseanne, que estuda educação no assentamento próximo de Qatsrin, para se formar professora pré-escolar. “Amo a Síria e lhe desejo paz. Mas tenho medo da guerra. Por isso meu futuro está em Israel”, pontuou à IPS em sua casa em Mas’ade.

As consequências econômicas da guerra já são sentidas na agricultura. As maçãs eram a principal fonte de renda dos produtores drusos. Antes do conflito, eram exportadas através da fronteira para os mercados sírios, graças a um acordo entre Síria, Israel, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e a Força das Nações Unidas de Observação da Separação, em vigor desde 2005.

Agora a venda dessa fruta está em risco. Apesar de, em março deste ano, os produtores drusos tenham conseguido, embora com atraso, exportar 18 mil toneladas, não sabem quando isso voltará a acontecer. “Antes da guerra obtínhamos duas ou três vezes o preço que agora conseguimos por uma caixa de maçãs”, lamentou Tawfiq Mustafa, que vende principalmente para clientes israelenses no mercado de Al-Ya’afuri. Envolverde/IPS