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África do Sul continua sendo a maior fábrica de armas do Sul

bandeiraAfricadosulNações Unidas, 13/12/2013 – Quando o apartheid reprimia a esmagadora maioria negra na África do Sul, as forças de segurança desse país podiam operar graças a uma altamente avançada indústria armamentista local. A ampla gama de armas locais, algumas delas categorizadas como “equipamentos para controle de massas”, incluía helicópteros de transporte e de ataque, veículos blindados para transporte de soldados, caminhões militares, automóveis para segurança interna, rifles de assalto, armas de mão e gás lacrimogêneo.

Um sinal de que essa produção nacional segue pujante foi a rápida resposta da África do Sul ao pedido, feito em outubro pela Organização das Nações Unidas (ONU), para a doação de três helicópteros de ataque e dois de uso geral destinados as forças de paz para a República Democrática do Congo. A África do Sul se distingue, por outro lado, por ter sido o único país que abandonou voluntariamente seu programa de armas atômicas, dando um exemplo para outros Estados com poderio nuclear.

Nicole Auger, analista militar que cobre Oriente Médio e África para a Forecast International, empresa líder em inteligência de defesa, disse à IPS que “a indústria militar sul-africana realmente se formou nos anos 1980, e chegou ao ponto de sua capacidade técnica e suas habilidades de projeto e produção ficarem entre as mais avançadas do mundo”.

Depois das eleições de 1994, quando Nelson Mandela chegou ao governo pelo Congresso Nacional Africano (CNA), a indústria reduziu seu ritmo, sobretudo devido aos cortes em gastos com defesa e à falta de ameaças de segurança imediatas, explicou a especialista. Porém, a indústria armamentista sul-africana ainda é considerada uma das mais avançadas do mundo não Ocidental, e a maior entre o grupo de países emergentes Ibas (Índia, Brasil, África do Sul).

A produção local acelerou durante o regime segregacionista do apartheid, quando era necessária por dois fatores fundamentais: a luta contra a insurgência interna e a necessidade de driblar o embargo de armas imposto pela ONU em 1977. Pieter Wezeman, pesquisador do Programa de Transferência de Armas do Instituto Internacional de Estocolmo para a Pesquisa da Paz, explicou à IPS que a indústria de armas da África do Sul está especialmente avançada em certas áreas, como a produção de determinados veículos blindados leves e de mísseis antiataques.

“Mas, sobretudo, se converteu em uma parte cada vez mais importante da indústria mundial, atuando como subcontratada e fornecendo componentes militares para completar sistemas em outros lugares”, acrescentou Wezeman. O analista disse também que a África do Sul atualmente fornece armas e outros equipamentos militares para muitos países, entre eles Estados Unidos, China, Suécia e Zâmbia.

Washington foi seu cliente principal quando necessitava urgentemente de blindados que protegessem seu pessoal militar das minas no Afeganistão e Iraque. A África do Sul era a líder mundial na fabricação desses veículos, pontuou Wezeman, incluindo o Casspir. Estes datam do apartheid, quando as forças do regime lutavam contra grupos guerrilheiros na Rodésia e na África Sudeste, regiões hoje convertidas em Zimbábue e Namíbia, respectivamente.

A África do Sul esteve a ponto de ser uma potência nuclear com seu sofisticado programa de produção de armas de destruição em massa, que manteve de forma clandestina mesmo quando estava marginalizada da comunidade internacional. Esse programa conseguiu fabricar sete bombas que acabaram sendo destruídas sob a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica.

Jayantha Dhanapala, ex-secretário-geral adjunto da ONU para Assuntos de Desarmamento, disse à IPS que a África do Sul deu um exemplo mundial ao ser o único Estado a abandonar seu programa atômico de forma voluntária. Em 1991, esse país aderiu ao Tratado de Não Proliferação como país livre de armas atômicas, após destruir as que desenvolvera com seu programa clandestino entre 1974 e 1990, supostamente com a ajuda de Israel, ressaltou.

“O presidente Frederik de Klerk (1989-1994), que dividiu o Nobel da Paz com Nelson Mandela (falecido no dia 5 deste mês), me disse que manteve em segredo o programa nuclear até que chegou ao governo e, então, decidiu cancelá-lo”, contou Dhanapala, uma das mais reconhecidas autoridades mundiais em matéria de desarmamento. Ele destacou que o Tratado de Pelindaba, que declara a África zona livre de armas nucleares, leva o nome do lugar em que se desenvolvia o programa atômico sul-africano.

Por sua vez, Auger afirmou à IPS que o embargo de armas da ONU foi um dos principais fatores para o auge da indústria militar sul-africana. Antes do embargo, as empresas de defesa locais apenas adquiriam direitos para fabricar produtos de outros países. Assim havia pouca motivação para o desenvolvimento de uma indústria local plena. A partir de 1977, as empresas sul-africanas começaram a investir e desenvolver suas próprias armas para que o país pudesse ser autossuficiente, acrescentou.

A indústria sul-africana era liderada pela companhia Denel e pela organização governamental de fornecimento de armas Armscor. Antes do embargo, a África do Sul fabricava a maioria de seus equipamentos militares graças a acordos de licenças de produção com países como França, Alemanha, Israel e Itália.

Wezeman explicou que as exportações de armas foram um tema de debate na África do Sul nos anos 1990, já que muitos questionavam a venda de ferramentas de repressão criadas pelo apartheid. “Não estou certo de qual foi o papel que teve Mandela nisso, mas creio que foi fundamental”, acrescentou.

“Em todo caso, o novo governo do CNA apoiou a indústria pela mesma razão que têm outros Estados fabricantes de armas: é uma fonte de dinheiro, um catalisador do desenvolvimento tecnológico e, inclusive, uma possível ferramenta para a política externa, particularmente na África”, destacou Wezeman. Porém, acrescentou, nunca se converteu neste último, porque a África do Sul tem um papel menor entre os fornecedores de armas do continente. Envolverde/IPS