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Camaroneses fogem de atrocidades na República Centro-Africana

Refugiados da República Centro-Africana buscam abrigo em uma igreja. Foto: ©EU/ECHO/Ian Van Engelgem
Refugiados da República Centro-Africana buscam abrigo em uma igreja. Foto: ©EU/ECHO/Ian Van Engelgem

 

Iaundé, Camarões, 7/1/2014 – “Já não podíamos suportar tanta violência”, disse Baba Hamadou, de 27 anos, pouco depois de descer de um avião charter no Aeroporto Internacional de Duala, no oeste de Camarões. Hamadou foi um dos 202 camaroneses que chegaram, no dia 17 de dezembro, repatriados da República Centro-Africana. Assim, aumentava para 896 o número de cidadãos deste país que abandonaram a devastada nação vizinha em apenas quatro dias.

Com o recrudescimento da violência sectária entre cristãos e muçulmanos, o presidente de Camarões, Paul Biya, tomou a decisão de evacuar os conacionais residentes do outro lado da fronteira. Na República Centro-Africana viviam até então cerca de 20 mil camaroneses. Os que chegaram contaram histórias horripilantes sobre a violência que presenciaram.

“Quatro camaroneses – um casal e seus dois filhos – foram cruelmente assados até à morte em Bangui (capital centro-africana) diante dos meus olhes”, disse Hamadou à IPS. “Meu vizinho foi esquartejado como um animal”, acrescentou outro repatriado, David Nchami, que trabalhava como pedreiro em Bangui. “Também na capital violentaram uma mulher e extirparam seus órgãos genitais”, contou outra repatriada, Marie-Louise Tebah.

Divine Abada, mineiro originário do sudoeste de Camarões, declarou ao canal de televisão CRTV (estatal) que a violência alcançou um grau tamanho que decidiu retornar. “Esses loucos rebeldes do Séléka me agarraram no mato, me bateram muito, tiraram tudo o que tínhamos. Só me salvei porque não viram meu passaporte”, contou. Se tivessem identificado a nacionalidade de Abada, provavelmente as coisas teriam piorado, pelo ódio que as milícias muçulmanas do Séléka têm contra Camarões.

Esse ódio data desde março de 2013, quando o Séléka derrubou o presidente da República Centro-Africana, François Bozizé, que fugiu para Camarões. Então o presidente do Séléka, Michel Yotodia, se autoproclamou presidente, e ainda não conseguiu deter as atividades violentas de seus camaradas. Tudo piorou em agosto, quando o mandatário declarou dissolvida a coalizão de grupos rebeldes.

Os sélékas agiram em represália contra Camarões. Em novembro, um grupo de supostos rebeldes cruzou a fronteira da República Centro-Africana, e atacou instalações militares na aldeia de Biti, na Região Oriental de Camarões. O enfrentamento entre insurgentes e forças de segurança camaronesas deixou sete mortos, dois deles de Camarões.

A União Africana decidiu aumentar seu contingente na República Centro-Africana para seis mil soldados, que se unirão aos 1.600 enviados pela França, que já estão no território da ex-colônia francesa.

O governador da Região Oriental, Samuel Dieudonné Ivaha Diboua, garantiu que seu governo reforçou a segurança ao longo da fronteira. “Posicionamos soldados ao longo da fronteira de 800 quilômetros entre os dois países. Não podemos nos dar o luxo de deixar nossos compatriotas à mercê de uma morte evidente”, declarou à IPS.

Os camaroneses que vivem na fronteira com a República Centro-Africana têm medo constante de novos ataques dos séléka, enquanto milhares de centro-africanos chegam em massa no país, fugindo do derramamento de sangue do outro lado da fronteira. No começo de novembro, o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados anunciou que Camarões recebera cerca de 90 mil refugiados centro-africanos.

Outros milhares fugiram no final de semana de 14 e 15 de dezembro em barcos pelo rio Oubangui até chegarem a Zongo, na República Democrática do Congo, apesar de a fronteira com esse país estar oficialmente fechada e correndo risco de serem recebidos a tiros. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), somente nas segunda e terceira semanas de dezembro, cerca de 210 mil pessoas foram forçadas a fugir por causa da violência em Bangui.

A maciça chegada de refugiados centro-africanos a Camarões gerou crescente mal-estar entre a população local. Em setembro, centenas de refugiados abandonaram o acampamento em Nadoungué, pequena aldeia na Região Oriental, e se reassentaram em um povoado próximo, em busca de melhores serviços. “Tudo o que queremos é água, atenção sanitária, alimentos. Aqui não há essas coisas”, disse à IPS a refugiada Dominique Mendo.

Os conflitos entre os refugiados e a população local exigiram, algumas vezes, a intervenção das forças de segurança. O governo camaronês se comprometeu a enviar 500 soldados para integrar a força de paz da União Africana, segundo o ministro da Defesa, Edgar Alain Mebe Ngo’o. Além disso, os 1.600 efetivos franceses usaram Camarões como apoio de trânsito para a África central.

Ngo’o enfatizou que seu país não pode ficar indiferente diante do caos que envolve milhões de pessoas na República Centro-Africana. Segundo as Nações Unidas, aproximadamente 500 pessoas foram assassinadas em Bangui no mês de dezembro. A ONU também indicou que o conflito afeta os 4,6 milhões de habitantes, dos quais um em cada dez teve que fugir de sua casa, enquanto um quarto passa fome. Envolverde/IPS