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Vacina contra pólio é uma arma dos Estados Unidos, segundo talibãs do Paquistão

O ex-capitão de críquete Imran Kan administra a vacina oral contra a poliomielite a crianças de Akora Jattak, na província paquistanesa de Jyber Pajtunjwa. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
O ex-capitão de críquete Imran Kan administra a vacina oral contra a poliomielite a crianças de Akora Jattak, na província paquistanesa de Jyber Pajtunjwa. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 10/1/2014 – O principal obstáculo na luta contra a poliomielite no Paquistão, um dos três países onde a doença continua sendo endêmica, é o grupo rebelde islâmico Talibã, que considera a vacina uma arma dos Estados Unidos e assassina trabalhadores da campanha sanitária.

Nem mesmo os mais destacados eruditos islâmicos conseguiram convencer os insurgentes, que exigem dos pais que não vacinem seus filhos e filhas e criam obstáculos em todas as províncias ao trabalho de vacinação contra a enfermidade que provoca paralisia e atrofia muscular, denunciaram trabalhadores da saúde. A situação é particularmente grave em Jyber Pajtunjwa e nas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata).

Em sua pregação contra a vacinação na agência de Waziristão, nas Fata, os talibãs afirmaram que a vacina é um instrumento de espionagem dos Estados Unidos. Argumentaram que Washington fez uma campanha de vacinação por intermédio do médico Shakil Afridi para capturar e matar o saudita Osama bin Laden (líder da Al Qaeda) na cidade paquistanesa de Abbottabad em 2011.

“É um motivo de preocupação os talibãs continuarem suas práticas apesar dos decretos dos eruditos religiosos muçulmanos em favor da vacinação”, disse à IPS Samiul Haq, diretor da Darul Uloom Haqqania, uma das maiores madrasas – escola superior de estudos islâmicos – deste país com 180 milhões de habitantes. Haq também emitiu um decreto semelhante em dezembro exortando os pais a vacinarem os filhos contra a poliomielite. A doença é contagiosa e afeta principalmente crianças com menos de cinco anos.

“Apelamos ao Talibã para que deixe de matar os trabalhadores da pólio pelo bem de nossos filhos”, afirmou Haq, que em dezembro apresentou a campanha contra a pólio junto com o jogador de críquete Imran Kan, na província de Jyber Pajtunjwa. “A ideia de que a vacina oral contra a pólio (OPV) é um estratagema dos Estados Unidos para reduzir a população de muçulmanos não é correta”, afirmou Haq.

Dos 35 milhões de crianças do Paquistão, 80 mil estão sem a imunização, segundo Elias Durry, diretor da campanha da Organização Mundial da Saúde (OMS) para erradicar a poliomielite neste país. Isto se deve principalmente ao fato de os pais se negarem a autorizar uma vacina da qual suspeitam por razões socioculturais.

Dos 22 milhões de habitantes de Jyber Pajtunjwa, cerca de 22 mil crianças não estão vacinadas. Muitos pais creem que a OPV é prejudicial. E os talibãs só pioram as coisas. O Talibã assassinou 17 pessoas nesta província em incidentes relacionados com a pólio nos 12 meses de 2013, e continua lutando contra a vacinação.

Jyber Pajtunjwa registrou dez dos 76 casos novos de pólio no Paquistão no ano passado, enquanto as províncias de Sindh e Punjab registraram sete e seis casos, respectivamente. Nas Fata, vizinhas a Jyber Pajtunjwa, os talibãs proibiram a vacinação desde junho de 2012. Dos 53 novos casos na área, 26 foram registrados na agência de Waziristão do Norte.

O médico Anwar Ali, um dos funcionários na luta contra a pólio, afirmou que a situação é cada vez pior, porque não param os ataques dos talibãs contra os que trabalham na campanha.

Uma conferência internacional de eruditos religiosos realizada em junho em Islamabad declarou infiéis os que assassinam os trabalhadores dedicados a combater a pólio. O documento tinha as assinaturas de destacados religiosos do Paquistão, Egito, Afeganistão e da Arábia Saudita, mas não teve resultados. Ali garantiu que os ataques contra os trabalhadores foram intensificados, e o Talibã continua privando as crianças das vacinas de que tanto precisam.

Três especialistas religiosos paquistaneses – Tahir Ashrafi, Samiul Haq e Hanif Jalandhri – foram ao Cairo em março de 2013 em busca de informação sobre a OPV em um contexto religioso. Desde seu regresso, suas tentativas de persuasão dos talibãs para permitirem a vacinação têm sido em vão.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que apoia os esforços de imunização do governo contra a pólio, publicou um folheto contendo cerca de 40 decretos religiosos favoráveis à vacinação para convencer os pais a aceitarem a vacina. “As pessoas poderão se convencer da vacinação se os talibãs aceitarem os decretos religiosos a favor da OPV”, afirmou Ali.

Mohammad Nabi, um clérigo de Peshawar, afirmou que o Talibã ataca os trabalhadores da saúde contra a pólio e também os policiais que os protegem. “É motivo de grave preocupação o Talibã ignorar os documentos emitidos por estudiosos de renome sobre a eficácia e a legalidade da OPV”, pontuou.

“Por um lado, dizem promover o Islã, e por outro desafiam os eruditos islâmicos. O Islã pede aos seus seguidores que protejam seus filhos das enfermidades. É responsabilidade básica dos pais garantir a boa saúde de seus filhos”, declarou o religioso.

O Talibã não só expõe as crianças à doença, como também gera o descrédito em relação ao Islã com sua negativa de permitir a vacinação, segundo Nabi. “As crianças não imunizadas representam uma ameaça para os demais. Os talibãs devem respeitar os decretos islâmicos para proteger as crianças contra pólio”, acrescentou.

O mufti Mohammad Mushtaq emitiu decretos pedindo aos seus discípulos que promovam a vacinação, mas muitos trabalhadores abandonaram a campanha por medo. A insurgência islâmica matou cinco trabalhadores que lutavam contra a pólio em Mardan, distrito de Jyber Pajtunjwa. “Apesar do meu decreto, cerca de seis mil crianças permanecem sem receber a vacina em Mardan”, afirmou.

Muzam Khan, médico que participa da campanha de imunização nas Fata, acredita que os decretos não ajudarão na luta contra a doença enquanto o Talibã não apoiar a vacinação. “Em 2012 tivemos 22 mil rejeições à inoculação, e em 2013 o número subiu para 28 mil. É improvável que os talibãs acatem os decretos”, ressaltou.

“Trabalhamos com as publicações das madrasas para compreender o alcance que tem a influência dos talibãs na vacinação e no papel dos decretos”, disse Israr Madani, da organização paquistanesa Conselho Internacional para Assuntos Religiosos. “Vamos publicar a literatura que à luz dos ensinamentos islâmicos possam ser usadas para que a vacinação seja aceita”, explicou.

O perigo está no vírus da pólio se esstender desde o Paquistão, que, junto com Afeganistão e Nigéria, é um dos três países onde a doença é endêmica. “Recentemente foi detectado uma cepa do vírus do Paquistão no Egito”, disse Madani. Envolverde/IPS