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Entre, o médico virtual atenderá imediatamente

Mercy Nalwamba, encarregada-geral da clínica de Makeni, no distrito de Chilanga, em Zâmbia. Foto: Amy Fallon/IPS
Mercy Nalwamba, encarregada-geral da clínica de Makeni, no distrito de Chilanga, em Zâmbia. Foto: Amy Fallon/IPS

Chilanga, Zâmbia, 15/1/2014 – Milhares de quilômetros separam a Clínica Rural de Saúde de Chanyanya, em Zâmbia, do hospital da Universidade de Nova York. Estão muito longe e pertencem a dois mundos completamente distintos, mas os dois centros compartilham uma experiência de sucesso de medicina à distância.

No primeiro não há médicos residentes no começo da manhã, apesar de ser o principal centro de atenção primária para quase 12 mil pessoas, enquanto no segundo sobram os recursos por ser uma das escolas de medicina de maior prestígio do mundo.

Em 2011, apareceu uma estranha erupção em Florence (nome fictício), duas semanas após iniciar seu tratamento com antirretrovirais contra o HIV (vírus causador da aids). A Clínica de Chanyanya, localizada a 90 minutos de Lusaka, no distrito de Kafue, pôde entrar em contato com um especialista em doenças infecciosas da Universidade de Nova York, no outro extremo do mundo, com apenas alguns cliques no mouse do computador.

Por intermédio do Projeto Médico Virtual (VDP), uma iniciativa da telemedicina que acontece de modo pioneiro em Zâmbia, vinculando as clínicas rurais do país com médicos voluntários de todo o planeta mediante a rede local de banda larga, foi prescrita para Florence a medicação correta.

A erupção havia se espalhado “por todo o corpo”, recordou Kebby Mulongo, o primeiro funcionário clínico que a viu. “Haviam passado dois dias quando o médico em Nova York pôde voltar a se comunicar comigo. O especialista soube em seguida qual era o problema”, contou à IPS. “Fiquei feliz, depois continuei tratando a paciente na clínica e uma semana depois melhorou e não foi preciso enviá-la ao hospital”, acrescentou. Segundo Mulongo, “a medicina tem a ver com a consulta. Se podemos consultar apertando um botão, é melhor para nós”.

O VPD, que agora é implantado em seis locais de Zâmbia, emprega o programa de informática eHealth Opinion para apresentar eletronicamente os arquivos sobre os pacientes. Funcionários clínicos, treinados para examinar os pacientes antes de chegarem a um médico, têm acesso ao programa usando computadores portáteis Fizzbook. Estes são à prova de pó e água, podem ser transportados facilmente e contam com bateria de longa duração, o que permite enfrentar os frequentes cortes de luz no país.

O programa permite ao pessoal clínico criar um arquivo por paciente, que é compactado e enviado a um dos especialistas médicos do VPD em Zâmbia, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Índia, Paquistão, China, Nigéria, Nova Zelândia ou Malásia. Esse arquivo inclui a informação básica de cada paciente, seu histórico clínico, um registro dos medicamentos prescritos e as perguntas específicas para as quais os funcionários de Zâmbia precisam de respostas.

Todos os funcionários clínicos recebem uma câmera básica Samsung de alta definição, com a qual podem realizar exame de raio X. Essas imagens podem ser colocadas no computador e incluídas no arquivo do paciente, junto com os informes de laboratório. Depois, o “médico virtual” avalia a informação que recebeu, faz um diagnóstico e auxilia em matéria de tratamento, com apenas outro clique.

O VPD foi criado por uma organização sem fins lucrativos e opera em Zâmbia há seis meses. No final deste mês passará a operar em nove locais e até o final de 2014 espera chegar a 12. Também busca se expandir para a Tanzânia e outros países em um futuro próximo.

“Trata-se de uma plataforma para poder falar com alguém mais a propósito de um paciente sobre o qual não se está muito seguro. A ideia não é tirar nenhuma responsabilidade de vocês”, disse a coordenadora do projeto, Heather Ashcrof, ao pessoal que participou dos cursos de capacitação. “Vocês continuam sendo a primeira referência e têm a última palavra sobre como diagnosticam ou tratam um paciente. A ideia por trás desse sistema é que vocês tenham uma espécie de caixa de ressonância”, acrescentou.

Mercy Nalwamba, de 22 anos, foi uma das duas funcionárias clínicas que participaram da sessão de capacitação em 23 de dezembro. Esta recém-formada na Faculdade de Ciências da Saúde de Chianama já é encarregada clínica-geral do centro de saúde de Makeni, na cidade de Chilanga, bem perto de Lusaka. Diariamente examina cerca de 50 pacientes, a maioria com infecções respiratórias, diarreia e malária.

Nalwamba observou que o acesso aos médicos do VDP permitiu à clínica enviar menos pacientes para outros centros. “Mal posso esperar para ouvir suas opiniões e novas ideias. Isso potenciará meu trabalho; obterei mais experiência e conhecimentos”, pontuou à IPS. “Penso que haverá menos trabalho e que receberemos mais informações sobre como proceder com pacientes com enfermidades crônicas e como lidar com eles. E quando os enviarmos a outros centros, pelo menos poderemos fazer com que os pacientes estejam mais estáveis”, acrescentou.

Ashcroft disse que o Memorando de Entendimento assinado com o Ministério da Saúde de Zâmbia estabelece que o VDP fornecerá o equipamento, a capacitação e o programa de informática de modo gratuito nos 12 primeiros meses. Assim, explicou, haverá tempo para o sistema se consolidar e reduzir os pacientes enviados para outros centros. O governo os apoia motivando e incentivando o pessoal da saúde a usá-lo.

“Depois desse período, continuaremos apoiando os funcionários clínicos, mas se cobrará uma pequena quantia para garantir que o sistema possa ser mantido e para ir atualizando-se nos centros de saúde”, detalhou Ashcroft à IPS. “Todo o equipamento e as licenças são obtidas mediante doações, por isso nosso objetivo é equipar as clínicas com tudo o que precisam para que o serviço se mantenha por si mesmo, embora seja parte integral do funcionamento diário dos centros”, acrescentou. As organizações não governamentais que aportam fundos aceitam doações em Bitcoins.

Andrew Phiri, do Ministério da Saúde, acredita que o governo será capaz de apoiar o VDP após seu primeiro ano, porque, a seu ver, é um projeto muito necessário. “Temos muitas pessoas vivendo em áreas rurais, e têm que caminhar longos trechos para chegar às clínicas. Não temos muitas ambulâncias. Nossos centros de saúde estão espalhados por distâncias enormes”, apontou à IPS.

“Mediante as consultas se dará ao paciente cuidados da melhor qualidade. Isso terá um resultado muito bom, porque, realmente, na medicina é necessário consultar, não se pode trabalhar sozinho”, ressaltou Phiri. Envolverde/IPS