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Era digital exige uma educação alternativa, afirma o Fórum Mundial

Participantes do painel Pedagogia, Territórios e Resistências, durante o Fórum Mundial de Educação, realizado na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. Foto: Clarinha Glock/IPS
Participantes do painel Pedagogia, Territórios e Resistências, durante o Fórum Mundial de Educação, realizado na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. Foto: Clarinha Glock/IPS

 

Canoas, Brasil, 24/1/2014 – Diante do desafio da era digital, as escolas devem mudar para um modelo alternativo ao atual, com professores que incorporem as novas tecnologias em seu trabalho e encarem uma pedagogia mais crítica, segundo se afirmou no Fórum Mundial de Educação. A pedagoga espanhola Guadalupe Jover disse à IPS que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) devem servir para a construção coletiva do conhecimento, a partir da renovação pedagógica, e não para perpetuar o pior do sistema educacional imperante.

“Falamos aqui da ofensiva dos mercados que querem imiscuir na educação, a venda por meio das TIC”, pontuou a coordenadora da Plataforma Cidadã pela Escola Pública na Espanha durante o fórum realizado, entre os dias 21 e 23, na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. Sob um calor asfixiante, mais de quatro mil participantes de 13 países debateram nesta pequena cidade a 19 quilômetros de Porto Alegre sobre a questão central do encontro: Pedagogia, Região Metropolitana e Periferias, com três grandes conferências e seis subtemas diversos.

Porto Alegre foi onde nasceu o movimento alternativo Fórum Social Mundial, em 2001, sob o lema “outro mundo é possível”, com participação de milhares de movimentos sociais em todo o planeta em seus encontros, que aconteceram nas diferentes regiões do Sul em desenvolvimento. Jover participou do painel Pedagogia, Territórios e Resistências, no qual foram examinados os problemas dos currículos atuais, onde prevalece o conceito neoliberal de preparar os estudantes para abastecer as necessidades do mercado.

Jaume Martínez Bonafé, da Universidade de Valência, na Espanha, afirmou à IPS que “a pedagogia continua sento autista, obsoleta, porque antes nas aulas se explicava o mundo, enquanto agora o que está na teoria da razão são os grandes centros comerciais”. Sua preocupação é que as TIC “só mudem a ferramenta e não o conteúdo educacional”.

O ideal, segundo professores de diferentes regiões, é que os currículos contribuam para o crescimento das pessoas e sua emancipação, como defendia o brasileiro Paulo Freire (1921-1997), um dos teóricos da educação mais inovadores do século 20, que representou na docência o que a Teologia da Libertação representou no catolicismo. Promotor de fórmulas não ortodoxas para o aprendizado, baseadas na liberdade, e muito preocupado com a promoção da igualdade por meio da educação, promovendo o acesso dos oprimidos às escolas, seus postulados marcam a educação alternativa.

Precisamente, inspiradas por Freire, duas educadoras argentinas, Carla Azul Cassineiro e Laura Mombelli, percorreram uma grande distância para participar do Fórum. Cassineiro dá aula de educação física e Mombelli de contabilidade. Ambas são educadoras populares em La Cava, segundo maior bairro pobre da Argentina, em Buenos Aires. Elas disseram à IPS que seus alunos têm acesso ao mundo digital, mas muitas de suas famílias desejam seus equipamentos para comprar alimentos e obter trabalho, criando conflitos e violência.

Cassineiro destacou que o governamental programa de Destinação Universal por Filho, que há cinco anos subsidia famílias argentinas com renda inferior ao salário mínimo com US$ 31 para cada criança, em troca de permanecerem na escola, se converteu em “uma ajuda à integração e contenção social”.

Ao contrário da América Latina, a segunda região mais urbana do mundo, na África a educação atende uma população que em 60% é rural, disse à IPS Aidil de Carvalho Borges, a gestora de projetos para a reforma do sistema educacional de Cabo Verde. Ela explicou que essa realidade “acentua a cada dia as desigualdades de todo tipo, mais ainda quanto às tecnologias, às quais se tem acesso apenas nos espaços urbanos”.

Isso atenta contra o que deve ser uma prioridade da educação, “que todas as crianças, não importa onde vivam, tenham os mesmos direitos”, afirmou Borges. “Cada vez mais crescem as necessidades e as exigências”, afirmou a funcionária do Ministério da Educação de Cabo Verde. “Em alguns países pode existir algum político desejoso de modificar a situação, mas creio que só os movimentos sociais radicais poderão trazer mudanças ou, ao menos, concessões na educação”, opinou.

O presidente do Instituo Paulo Freire, Moacir Gadotti, afirmou que “a escola precisa discutir o país que deseja, o bairro que quer, porque não se pode ter medo de ser livre”. Também se referiu ao movimento dos “rolezinhos”, jovens da periferia que em grupo ocupam os espaços de lazer, especialmente shoppings, depois que alguns deles, na maioria afro-brasileiros e pobres, foram expulsos de um desses estabelecimentos no final de 2013, em São Paulo.

“Esses jovens têm aspirações, querem participar do novo Brasil”, pontuou Gadotti. “Os jovens estão nas redes sociais e é uma realidade que os políticos frequentemente não entendem nem atendem”, ressaltou. O educador popular Alberto Croce, fundador e presidente da Fundação SES, na Argentina, que promove a inclusão de jovens com poucos recursos, acredita que os “rolezinhos” buscam desafiar o sistema, em movimentos que conectam com os protestos contra a exclusão educacional e social de estudantes de países como Chile ou Colômbia.

Segundo Croce, é verdade que os pobres agora vivem melhor na América Latina, mas também é certo que aumentou a desigualdade na região mais desigual do mundo. A tensão dos modelos educativos das escolas nas grandes cidades e nos subúrbios, de certo modo, reflete as contradições dessa desigualdade.

Os centros de ensino gerais priorizam o modelo neoliberal de preparar o aluno para o mercado de trabalho, mas nas periferias se resiste a esse esquema, porque sentem que os discrimina e os deixa invisíveis. “Uma das chaves da educação é o respeito à diversidade. Quando a educação valoriza as diferenças culturais, as integra e as incorpora, podemos falar de educação de qualidade”, assegurou Croce.

“A inclusão digital é um fenômeno que está presente” na sociedade, acrescentou Croce. Antes a preocupação dos jovens era ter o tênis da moda, “agora é comprar um telefone celular. Há sem dúvida uma mudança”, observou, porque “ter acesso à tecnologia é um valor”. Para este especialista, os jovens escolheram o celular, o dispositivo mais pessoal, para ter acesso às TIC. “A inclusão tem limitações, mas, sem dúvida, gerou uma transformação”, ressaltou.

Uma transformação para a qual a educação não pode virar as costas, insistiu-se no Fórum de Canoas, em debates sobre temas como Educação Como Direitos Humanos, Educação, Meio Ambiente e Sustentabilidade, Educação no Modelo Emergente e Educação, Diversidade e Inclusão, entre outros. Envolverde/IPS