Rio de Janeiro, Brasil, 27/1/2014 – A violência sacode alguma prisão do Brasil quase a cada dia. Ao longo deste mês, aconteceu no Estado do Maranhão, onde de dentro de uma penitenciária foi ordenado semear o caos nas ruas da capital, São Luís, o que ilustra os avanços da tragédia penitenciária nacional. Inclusive para uma opinião pública habituada aos crimes dentro das 1.478 prisões brasileiras, onde em 2013 foram assassinados 218 detentos, é chocante o que ocorre no Complexo Penitenciário de Pedrinhas e na cidade de São Luís.
Vários motins, ou princípios deles, aconteceram neste janeiro nesse complexo, com saldo provisório de três detentos mortos. A última rebelião ocorreu no dia 24, deixou nove feridos e, como as anteriores, aconteceu em protesto pela presença da polícia militar dentro do recinto e pelo traslado de presos para prisões de máxima segurança.
Tudo começou na noite do dia 3 deste mês, quando líderes presos ordenaram aos seus grupos fora da cadeia que incendiassem ônibus e atacassem delegacias de polícia da capital maranhense, o que provocou a morte de uma menina, em razão de queimaduras em 95% de seu corpo, e ferimentos em outras cinco pessoas. No dia 7, um terrível vídeo feito em Pedrinhas por detentos, que mostra três rivais decapitados durante um motim ocorrido em 17 de dezembro, causou impacto no país quando foi divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo, e mobilizou autoridades regionais e nacionais.
A crise em Pedrinhas reflete a fragilidade do cenário carcerário brasileiro, afirmou à IPS o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Maranhão, Mário Macieira, para quem a crise penitenciária do país, longe de amenizar, se agrava. “Se repete o quadro constante da situação carcerária brasileira, de superlotação, péssimas condições de higiene e alimentação precária. O colapso desse sistema, infelizmente, não é novidade. Mas a crise ganhou contornos dramáticos”, ressaltou Macieira.
Com exceção da prisão feminina, todas as demais unidades de Pedrinhas apresentam superlotação e violência entre facções de presos, cujos líderes provocam frequentes revoltas. A prisão, com capacidade para 1.700 presos, abriga cerca de 2.500. O Brasil, quinto país do mundo em população, com quase 200 milhões de habitantes, é o quarto em número de presos, com 550 mil, atrás de Estados Unidos, China e Rússia.
Em matéria de superlotação ocupa o posto 32, com superpopulação de 172%, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com a OAB, em 2013 foram assassinados 218 presos no país, 60 deles no Maranhão. Em Pedrinhas ocorreram 28% das mortes totais, segundo Macieira.
Desde o dia 3 deste mês, a Polícia Militar e a Força Nacional de Segurança assumiram o controle de Pedrinhas, onde na prática dominam os chefes dos grupos criminosos internos, que mediante telefones celulares também dirigem muitas atividades criminosas do lado de fora da cadeia. Até o dia 25, a comissão de direitos humanos da OAB não havia conseguido entrar na penitenciária, devido ao argumento de falta de segurança. Já a Comissão de Direitos Humanos do Senado pôde visitá-la no dia 13, mas foi impedida de percorrer muitos setores, com base no mesmo argumento.
No final de 2013, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu ao governo brasileiro que solucione os persistentes problemas de maus tratos, insalubridade de Pedrinhas e outra penitenciária no sul do país. O pronunciamento foi uma resposta à denúncia apresentada em outubro à CIDH pela OAB e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, sobre as violações humanitárias em Pedrinhas e outras prisões do Estado.
O pequeno Estado do Maranhão, um dos mais pobres do país, registra índice de 100,6 presos por cem mil habitantes, inferior à média nacional, de 401,7 presos por cem mil habitantes. O déficit de vagas carcerárias no país é de 211 mil, mas no Maranhão faltam apenas duas mil desse total, em um panorama onde Pedrinhas tem o maior problema de superlotação.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2013, os Estados que mais precisam ampliar suas prisões são: São Paulo (88.500 vagas), Minas Gerais (18.500) e Pernambuco (17.900). Segundo Macieira, para pacificar as prisões do Maranhão é urgente abrir novas prisões, mas as autoridades regionais indicam que só no final do ano estarão prontas algumas novas unidades.
O sociólogo Rodrigo de Azevedo disse à IPS que a crise penitenciária se agravou nos últimos 20 anos devido ao aumento da violência institucional, à superpopulação e às facções criminosas dentro dos presídios. “O alvo do sistema penal no Brasil são as classes populares”, criticou. Além disso, a cultura imposta nesse sistema “propicia o surgimento de situações de violência como as do Maranhão ou de outros Estados em outras ocasiões”, acrescentou.
Azevedo coordena um grupo de pesquisa em políticas públicas de segurança e administração da justiça penal na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Segundo sua análise, a guerra contra as drogas e o excesso do recurso da prisão provisória, enquanto os supostos criminosos estão à espera de julgamento, são parte dos fatores que levam ao aumento das taxas de presos no Brasil.
Cerca de 40% dos presos no país não têm sentença e em alguns Estados, como o Maranhão, 70% da população carcerária estão presos de forma preventiva. Outro problema, segundo o sociólogo, é que boa parte da sociedade brasileira considera que o criminoso – ou suposto delinquente se ainda não foi julgado – deve sofrer um suplício ou vingança que vai além da pena imposta pela lei. Assim, poucos lamentam o desrespeito aos direitos humanos dos presos.
Azevedo recordou que as agressões entre detentos são frequentes nas prisões brasileiras e se estendem inclusive aos familiares, que sofrem extorsões e violência física. “Há denúncias de mulheres obrigadas a manter relações sexuais com líderes dos presos sob a ameaça de violência contra seus familiares presos. Isso faz com que a pena vá muito além do que a lei define”, pontuou.
O especialista está convencido de que só uma profunda reforma do sistema penitenciário brasileiro conseguirá produzir efeitos benéficos determinantes na política carcerária. “Se querem prevenir os crimes no Brasil e reduzir a violência, deve-se resolver a questão penitenciária. O que ocorre nestas prisões se reflete na violência urbana”, enfatizou.
Apesar dos alarmes a cada motim e matança nas prisões, os especialistas concordam quanto à falta de vontade política e sensibilidade social para enfrentar o drama penitenciário nacional. Envolverde/IPS