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A África cresce entre fome e guerras

A África abraçou a boa governança, “assim como a democracia e os direitos humanos”, afirmou Mwencha à IPS.
A África abraçou a boa governança, “assim como a democracia e os direitos humanos”, afirmou Mwencha à IPS.

 

Adis Abeba, Etiópia, 29/1/2014 – Os conflitos armados sempre são uma preocupação na África, mas seria um erro ignorar os progressos que o continente conseguiu nesse e em outros temas nos últimos anos. É o que afirma Erastus Mwencha, vice-presidente da Comissão da União Africana (UA), órgão executivo do bloco. A crise no Sudão do Sul e na República Centro-Africana seguramente dominarão as discussões na cúpula da UA, que acontece esta semana na capital etíope, mas o desenvolvimento sustentável, a integração econômica e o meio ambiente também estarão sobre a mesa.

“É instrutivo notar que 90% da população africana vive em lugares pacíficos. Ou seja, temos 10% da população que ainda têm o desafio de conseguir a paz e a segurança, mas 10% não pode definir todo o continente”, acrescentou. Mwencha garantiu que o continente abraçou a boa governança, “bem como a democracia e os direitos humanos. E isso não significa que não tenhamos desafios”, ressaltou.

IPS: Quais são as ideias equivocadas que existem sobre a África e que o senhor espera dissipar com esta cúpula da UA?

ERASTUS MWNECHA: Como parte do 50º aniversário da UA no ano passado, resolvemos que agora a África tem que contar sua própria história. E essa história deveria, antes de tudo, reconhecer que temos lugares no continente onde há conflitos, onde há guerra e fome, que são os grandes desafios. Mas a África também faz enormes progressos nessas áreas. Em segundo lugar, a África é um bom lugar para os investimentos, e as condições socioeconômicas estão melhorando cada vez mais.

IPS: Quais serão os três principais temas desta cúpula?

EM: Naturalmente, a paz e a segurança continuarão preocupando nosso continente. Nossos líderes se comprometeram a trabalhar para que todas as armas se silenciem em 2020. Isso ocorre no contexto da construção da iniciativa Arquitetura de Paz e Segurança da África (APSA). A principal preocupação atual é a situação no Sudão do Sul e na República Centro-Africana. Outro aspecto é a integração. Esta é a verdadeira razão de ser da UA, e nesse aspecto exploraremos programas que unam os países africanos, seja em infraestrutura, comércio ou economia. Em terceiro lugar, estaremos prestando especial atenção à agricultura, que é o tema central da cúpula.

IPS: Pode dar exemplos concretos do que fez a UA para melhorar a agricultura no passado, e o que fará durante esta cúpula?

EM: Observe o setor e o que os líderes fizeram nos últimos dez anos. Quando anunciaram o Programa Geral para o Desenvolvimento da Agricultura na África (CAADP), uma das decisões que tomaram foi incrementar os investimentos. E o que temos agora, segundo os registros, é que 70% dos países aumentaram seu gasto em agricultura. Quando se compara com a década anterior, antes do lançamento da CAADP, os investimentos estavam em queda. Agora há uma tendência positiva. A agricultura envolve 70% da população. Esses são passos concretos que demonstram ter um impacto no terreno por meio da ação coletiva.

IPS: O senhor mencionou a APSA, e um de seus principais componentes é a Força de Reserva Africana (ASF), projetada para responder rapidamente em casos de conflito. Como isso está progredindo?

EM: Houve recentemente uma avaliação quanto à ASF estar pronta até 2015. Essa análise claramente indicou que três de cada quatro brigadas regionais estão bem encaminhadas para sua meta. Mas também identificou vários elementos que devemos encarar e sobre os quais se deve informar para tentar ver como podemos otimizar a ASF, de forma que possamos reduzir o impacto que os conflitos têm na população.

IPS: O comércio dentro do continente é muito lento, em comparação com outras regiões, e a UA há tempos reconheceu este problema. A cúpula abordará essa questão a partir de um enfoque diferente?

EM: O comércio continua sendo um desafio para o continente. Sempre destacamos as limitações no lado da oferta. A África precisa de tecnologia, infraestrutura e capital para transformar as matérias-primas, e de empresários capazes de transformar esses recursos e produzir bens que alcancem o mercado. Isto é um processo. Chega-se ao dilema do ovo e da galinha: deve ser criado um mercado antes de produzir, ou se produz e depois se volta para o mercado? Para enfrentar isto estamos integrando nossos mercados. Também são necessários investimentos para aproveitar o crescente mercado do continente. As comunidades econômicas regionais estão conseguindo muitos progressos. Estas são sócias em nosso esforço para criar uma área de livre comércio continental.

IPS: A população da África cresce rapidamente. Como a UA está respondendo à ameaça de limitação de recursos?

EM: O grande aumento da população juvenil representa uma oportunidade, mas também desafios, e é aí que se deve concentrar a ação. Temos que garantir que esses jovens possam produzir o suficiente, garantindo-lhes educação e acesso. Se olharmos os passos que já foram dados, seja no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ou apontando para a agenda pós-2015, veremos que estamos procurando um desenvolvimento sustentável, buscando como cuidar do ambiente e explorar os recursos de forma que seja sustentável no futuro. Temos programas específicos sobre saúde materna que abordam o tema populacional. Temos programas específicos sobre água e saneamento. Temos programas sobre educação. Todos considerando a população como o maior recurso da África, e tentamos descobrir como podemos nos beneficiar dos dividendos da população sem que haja escassez de recursos. Envolverde/IPS