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Um aplicativo para denunciar a corrupção nos transportes

A deficiente infraestrutura viária é uma das causas dos crescentes congestionamentos em Kampala. Foto: Amy Fallon/IPS
A deficiente infraestrutura viária é uma das causas dos crescentes congestionamentos em Kampala. Foto: Amy Fallon/IPS

 

Kampala, Quênia, 7/2/2014 – Tem o aviso bom: “Há uma pequena demora de um minuto”. Tem o ruim: “Há um terrível engarrafamento”. E há o incomum: “Não há engarrafamento”. Seja como for, enquanto motoristas e pedestres falam do trânsito em Kampala, os oito ugandenses criadores do aplicativo móvel (app) RoadConexion estão satisfeitos. Pelo menos por ora.

“As ruas são um problema em Uganda. A infraestrutura é terrível”, afirmou à IPS Lynn Asiimwe, chefe programadora do aplicativo. “Isso é resultado da má governança e da corrupção. A consequência são os engarrafamentos, as ruas com obras paradas e os buracos por todos os lados”, detalhou. Esta jovem de 25 anos, que faz mestrado em inovação inclusiva na Escola de Negócios da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, trabalha como programadora de software na empresa de tecnologia móvel Access Mobile.

Asiimwe e sua equipe trabalharam gratuitamente e “por paixão” para criar o aplicativo, que venceu o “hackaton” (encontro de programadores) Tech4Governance, uma competição organizada pelo centro local de inovação tecnológica Hive Colab. Agora ela espera que o aplicativo faça as autoridades enfrentarem os problemas.

Em 2010, o presidente de Uganda, Yoweri Museveni, prometeu iniciar uma investigação sobre a corrupção em obras de desenvolvimento viário. No ano seguinte, o jornal local The Independent informou que, segundo a Auditoria Geral, houve malversação do dinheiro do orçamento para a manutenção de ruas e estradas. O jornal também denunciou “alarmantes disparidades nos custos”, bem como “baixos padrões e um pobre e tardio cumprimento por parte de numerosos empreiteiros”.

O RoadConexion requer que as pessoas conversem sobre o trânsito. O aplicativo permite aos usuários enviar e receber informes em tempo real sobre buracos e obras de reparação, acidentes e engarrafamentos em quase todas as ruas de Kampala registradas no mapa do Google na internet. Os motoristas e pedestres podem entrar no serviço por meio de dispositivos móveis e das redes sociais Twitter ou Facebook.

“Tentamos atrair os usuários desde o começo”, explicou Asiimwe. “Se a pessoa se dá conta de que o trânsito está realmente mau, pode iniciar por sua conta uma discussão, e isso pressionará para que as autoridades assumam suas responsabilidades”, afirmou. “Esperamos que os funcionários do setor finalmente comecem a fazer algo, a se preocupar e a usar o dinheiro de forma adequada”, acrescentou.

“Bodabodas” (motoboys), “matatus” (micro-ônibus), automóveis, caminhões e bicicletas disputam os pequenos espaços nas ruas de Kampala. Segundo o jornal local Monitor, em 2012 houve 16.765 acidentes de trânsito no país, que deixaram milhares de mortos e centenas de mutilados. Asiimwe acredita que a corrupção faz com que “empresas não qualificadas se encarreguem das obras viárias, realizando um trabalho de péssima qualidade”.

“Essas ruas ficam em mau estado em poucos meses, facilitando a formação de desníveis. Esta degradação não pode resistir ao peso do tráfego, o que tem como consequência mais engarrafamento”, ressaltou a jovem. “Essas empresas que fazem obras viárias devem ser responsabilizadas, e estamos tentando isso com o RoadConexion”, acrescentou. Uma pesquisa do Banco Mundial sobre a infraestrutura em Uganda alerta que “continua sendo um desafio” e que são necessários mais fundos para melhorar a segurança viária.

Em uma rua perto da Universidade de Makarere, no centro de Kampala, as obras entregues a um empreiteiro internacional deveriam ter ficado prontas em outubro de 2013, mas nem mesmo começaram. “Há um enorme cartaz informando qual é o empreiteiro, o que está sendo feito, quanto tempo a obra vai demorar”, contou Asiimwe. “Mas, quando entramos em contato com eles, disseram: ‘ah, é que tivemos algumas dificuldades, o financiamento não chegou a tempo’. A rua está cheia de terra, os desníveis permanecem, e ninguém informa o que está acontecendo”, destacou.

O RoadConexion recebe atualmente entre 50 e cem visitas por dia, de computadores ou telefone celular. A maioria dos usuários entra pela manhã. “A maior parte quer ver informação, mas poucos publicam”, disse Asiimwe. “Percebi que em Uganda estamos acostumados a consumir e não temos a mentalidade de fornecer um serviço”, acrescentou.

No Quênia foi criado um aplicativo semelhante, o Ma3Route, há dois anos. Esta plataforma fornece informação sobre o trânsito para dispositivos móveis, computadores e mensagens de texto. “Meu desejo de criar uma ferramenta para ajudar os motoristas nos países em desenvolvimento cresceu depois que comprei meu primeiro automóvel, e testemunhei todas as horas que os motoristas perdem, muitas vezes evitáveis, por falta de informação”, disse à IPS seu criador, Laban Okune.

Este inovador, que cresceu em Butere, na Província Ocidental do Quênia, e se mudou para Nairóbi para estudar engenharia informática, decidiu construir uma “ferramenta tripla” para compartilhar indicações de trânsito, publicar informação e denunciar motoristas imprudentes. “A gota d’água foram os massacres que vi no Quênia. Os veículos de transporte público cruzavam as ruas, lotados de passageiros, e fazendo manobras imprudentes, saindo das ruas e jogando os passageiros no chão. Perdemos tantas vidas”, lamentou.

Pelo menos dois mil quenianos morreram em acidentes de trânsito nos últimos nove meses, segundo a imprensa local. Okune espera expandir o uso do Ma3Route para outras regiões do Quênia e já tem em mira Kampala e Dar es Salaam, na Tanzânia.

Felix Odongkara, diretor da Associação Automobilística de Uganda, acredita que esses aplicativos são uma boa alternativa para informes sobre trânsito apresentados pelas emissoras de rádio pela manhã e à tarde. “Os engarrafamentos em Uganda se agravam. Vivo nesta cidade por mais de 30 anos, e a cada ano fica pior”, disse à IPS. “A área viária não cresce em relação à quantidade de carros e moradores. Além dos ‘matatus’ e dos ‘bodabodas’, não há transporte público. As famílias levam todos os carros para o centro”, acrescentou.

Odongkara disse que a única limitação para aplicativos como o RoadConexion é que muita gente não tem acesso à internet em suas casas, e outros nem mesmo no trabalho. E, ainda que a tenham, há os que não estão dispostos a informar problemas de trânsito porque já tiveram más experiências ao denunciar e serem tratados como suspeitos pela polícia. O Banco Mundial prevê que as mortes por acidentes de trânsito em Uganda poderão aumentar até 80% até 2020. Envolverde/IPS