Port Louis, Maurício, 25/2/2014 – “A Área Marinha Protegida criada em torno do arquipélago de Chagos é um novo obstáculo colocado pelo governo britânico para impedir nossa volta à nossa pátria”, afirmou Olivier Bancoult, líder de uma associação de refugiados desse grupo de ilhas no Oceano Índico. Nos últimos 40 anos os chagossianos realizam uma campanha para regressarem ao arquipélago, formado por 55 ilhas e localizado 1.200 quilômetros ao norte de Maurício.
Viveram ali por cinco gerações até serem desalojados no começo dos anos 1970 pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos no contexto de seus planos militares para a região. O arquipélago faz parte atualmente do Território Britânico do Oceano Índico (BIOT), apesar de reclamado por Maurício.
Os chagossianos se queixam de não poderem voltar a habitar suas ilhas de origem desde que em 2010 foi criada a Área Marinha Protegida, que impede as viagens e os assentamentos humanos no arquipélago, a menos que haja uma autorização expressa de Londres. “Não vamos ceder”, disse à IPS Bancoult, que se prepara para uma nova batalha legal contra o governo britânico, cuja primeira audiência será em 30 de março na Suprema Corte de Justiça de Londres.
Bancoult tinha quatro anos quando ele e sua mãe, Rita, emigraram para Maurício. Em 1983, criou o Grupo de Refugiados de Chagos (CRG) para defender os direitos de sua comunidade. Ao longo dos anos esta organização fez várias manifestações públicas e greves de fome. A Área Marinha Protegida tem cerca de 545 mil quilômetros quadrados e o objetivo de sua criação é proteger os recursos naturais de Chagos, implementando severos controles à pesca e à vida nas ilhas, proibindo prejudicar o meio ambiente e a matança ou coleta de animais.
O Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha e da Comunidade Britânica designou o arquipélago como área a ser preservada, considerando que se trata de “um dos mais estimados e puros ambientes tropicais que restam na Terra”. Em um estudo de 2002, o Ministério conclui que o regresso de assentamentos humanos ao arquipélago é inviável devido à pouca elevação das ilhas e ao fato de estas “já serem objeto de inundações, ondas fortes e erosão das praias”.
O estudo também adverte que, “conforme o avanço da mudança climática, é provável que esses eventos cresçam em severidade e regularidade”. No entanto, os cientistas Richard Dunne e Barbara Brown, que estudaram os arrecifes de coral no Oceano Índico durante várias décadas, não estão de acordo. Dunne afirmou à IPS que o governo britânico vem apresentando essas conclusões ao parlamento, aos tribunais e ao público nos últimos dez anos como justificativa para impedir a volta dos chagossianos.
“Agora sabemos que o estudo de viabilidade apresentava falhas científicas e suas conclusões merecem pouca confiança”, acrescentou Dunne, ressaltando que esta pode ser uma das causas de o Ministério pretender fazer este ano uma nova investigação. Chagos é formado por “ilhas de coral baixas com altitude média de apenas dois metros. Por isto são, como as Maldivas no norte, suscetíveis a mudanças no nível do mar, a tempestades, erosões e inundações”, pontuou.
Porém, o cientista não vê nenhuma razão para os chagossianos não voltarem. “Viveram nestas ilhas por quase dois séculos e, segundo a evidência científica que temos hoje, não há razão para não poderem continuar ali pelo menos no futuro próximo, e com isso me refiro às próximas quatro ou cinco décadas”, afirmou Dunne.
Bancoult acredita que seu povo pode viver no ambiente particular das ilhas. “Como europeus, norte-americanos e outras pessoas ricas de outras partes podem ficar durante meses em Diego García, Peros Banhos e Ilhas Salomão, que são parte do arquipélago, mas os chagossianos não podem viver ali?”, perguntou. Simon Hughes, secretário do Fundo de Conservação de Chagos, organização que há 20 anos trabalha para preservar a biodiversidade e os ecossistemas do arquipélago, negou que a Área Marinha Protegida esteja desenhada para proibir a volta dos chagossianos.
A área “tem apenas três anos, e tampouco seria uma ferramenta para esse propósito. Pode-se revisar seu marco para acomodá-lo à população local, se é que haverá uma no futuro”, argumentou Hughes à IPS. Ele também explicou que as próprias leis do BIOT já impedem de habitar ou visitar o território a menos que se tenha permissão, por isso “a criação de uma área marinha protegida não tem impacto imediato na comunidade chagossiana”, acrescentou.
O Fundo de Conservação também advertiu que o aumento do nível do mar e a erosão continuarão sendo um problema para as ilhas. Segundo esse órgão, os benefícios da Área Marinha Protegida em torno de Chagos são múltiplos, e a ausência de uma população humana instalada, o rígido regime ambiental e a mínima pegada da base militar em Diego García permitem um alto grau de preservação.
“As ilhas, os sistemas de arrecifes e as águas em torno de Chagos, em termos de preservação e biodiversidade, estão entre os mais ricos do planeta, e contêm cerca de metade dos arrecifes do Oceano Índico que permanecem em boas condições”, explicou Hughes.
O advogado britânico e conselheiro para os chagossianos, Richard Giffor, disse à IPS que o arquipélago é um lugar maravilhoso para viver mas, “obviamente, há problemas, com recuperar a infraestrutura, a economia, a moradia e o transporte”. No entanto, “as possibilidades são extremamente positivas”, acrescentou.
A maioria dos 1.500 chagossianos originais faleceu, restando 682, que estão decididos a lutar contra a Área Marinha Protegida. “Trabalhamos em nosso próprio plano de reassentamento, que apresentaremos no final deste ano aos três governos envolvidos, de Maurício, Grã-Bretanha e Estados Unidos”, ressaltou Bancoult.
Como os chagossianos perderam sua terra
A Grã-Bretanha, potência colonial dominante na região, reconheceu a independência de Maurício em 1968, mas manteve o arquipélago de Chagos sob controle e expulsou sua população.
Uma das ilhas, Diego García, foi cedida em locação aos Estados Unidos em 1966, por 50 anos, para ser usada como base militar.
O acordo contempla uma extensão até 2036, que deve ser decidida entre as partes em dezembro deste ano.
Envolverde/IPS