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Moradores de Gaza resistem com música

A banda Watar em uma apresentação em Gaza. Foto: Khaled Alashqar/IPS
A banda Watar em uma apresentação em Gaza. Foto: Khaled Alashqar/IPS

 

Gaza, Palestina, 12/3/2014 – Como quase todos na Faixa de Gaza, esses seis palestinos estão indignados com o bloqueio imposto por Israel e com a miséria que causa. Entretanto, expressam sua raiva por meio da música, e sem que esta soe raivosa. Mais de um milhão e meio de habitantes de Gaza vivem sob um rígido bloqueio que agravou a pobreza e o desespero. O desemprego é alto, particularmente entre os diplomados. Os sonhos de um futuro melhor e seguro viram cacos no empobrecido território palestino.

Nessas difíceis circunstâncias, esses seis escolheram cantar com sua banda Watar, que significa “toada” em árabe. Usam principalmente instrumentos ocidentais e cantam em árabe, inglês e francês. Após o ataque israelense de 2009 contra Gaza, que deixou mais de 1.400 mortos e semeou uma enorme destruição, Ala Shoublak, fundador e líder da banda, reuniu músicos e amigos para formar o grupo.

“Tudo estava destruído, inclusive escolas, estradas e edifícios, e o único teatro de Gaza, pertencente à Sociedade Palestina da Meia-Lua Vermelha, fora bombardeado. Nós simplesmente decidimos levar nossos instrumentos e nos sentarmos em cima do teatro destruído, e cantar pela paz e pela liberdade, apesar do feio cheiro da morte que nos rodeava”, contou Shoublak.

Depois desse valente começo, há cinco anos, a banda se desenvolveu mais e ficou mais estruturada. Compraram novos instrumentos e começaram a se apresentar em público. Gradualmente, o grupo foi sendo conhecido e atrai muitos fãs, especialmente entre estudantes secundários e universitários da Faixa da Gaza. Isso não surpreende, pois cantam sobre as esperanças e aspirações dos jovens por uma vida melhor e por um futuro pacífico, sem conflito nem bloqueio.

A banda tem dois objetivos claros, disse Shoublak à IPS: “resistir primeiro à ocupação e ao bloqueio por meio da música, que transmite mensagens de paz e liberdade, e o segundo é comunicar ao mundo as esperanças dos jovens em meio ao sofrimento que padecem em Gaza. É por isso que também cantamos em inglês e francês”. Nos últimos tempos a banda produziu a canção Dawsha (ruído, em árabe), que se tornou muito popular entre os jovens.

Maria Abu-Amer, estudante de comunicação, uniu-se à banda no contexto do projeto “Gaza canta pela liberdade e pela paz”. Ela disse à IPS que “cantar com a Watar foi uma experiência única e especial. Minha participação me deu a oportunidade de expressar meus sonhos e minhas esperanças para meu povo e para o mundo como uma mulher jovem de Gaza. Também me permitiu incentivar a participação feminina em bandas da Faixa, pois geralmente é limitada”.

Apesar do sucesso, a banda carece de dinheiro e do apoio profissional que precisa. Seus problemas econômicos a impedem de produzir um álbum. O grupo enfrenta o problema fundamental de, em meio à crise política e econômica, a música não ser uma prioridade. O governo liderado pelo Hamás (Movimento de Resistência Islâmica) está centrado nas necessidades humanitárias urgentes.

O diretor-geral do Ministério da Cultura, Mohammad Alaraieer, disse à IPS que o governo tenta “abordar a situação e as necessidades culturais em todas suas formas, e incentiva os artistas a se focarem na justa causa da Palestina e da ocupação israelense, mas o Ministério não pode dar muita ajuda em razão do bloqueio e do sítio”.

Portanto, grupos como a banda Watar buscam apoio de organizações internacionais com sede em Gaza. O Centro Cultural Francês permite aos músicos usar suas instalações para painéis e apresentações. Também a colocou em conexão com bandas europeias e organizou uma excursão cultural à França e a outros países da Europa.

O Instituto Nacional de Música Edward Said é o único lugar de Gaza que ensina música e dá capacitação profissional. Até há pouco, tinha apenas um pequeno número de estudantes, mas a quantidade aumentou depois do sucesso da Watar com as apresentações internacionais

O diretor do Instituto, Ibrahim Al Najar, disse à IPS que “a educação e o bom manejo de idiomas internacionais, bem como o excelente uso das redes sociais” que a banda Watar faz, permite ao grupo “desenvolver suas habilidades e apresentar seus trabalhos mundialmente. Seus integrantes realizam atuações maravilhosas e merecem ser apoiados”. Entretanto, Najar ressaltou que esse sucesso só “representa esforços individuais”. Mas o êxito é, em parte, consequência das dificuldades que os moradores de Gaza enfrentam.

“Os jovens, em geral, são ambiciosos e otimistas, e o sucesso também parte do sofrimento. Foi isso que motivou a formação da Watar e sua tentativa de chegar ao público internacional, especialmente considerando que as circunstâncias políticas aqui isolaram o povo de Gaza do mundo”, disse à IPS o professor Fadil Abu-Hein, que ensina psicologia e sociologia na Universidade de Al Aqsa, de Gaza.

Na Faixa de Gaza ocorrem instâncias periódicas de usar as artes para expressar resistência e angústia. No ano passado, Mohammad Assaf ganhou o concurso Arab Idol. Muitos que não podem combater o bloqueio lutam ao seu modo por meio da música e das artes. Envolverde/IPS