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O narcotráfico muda para pior em Honduras

Efetivos policiais durante a apreensão da estufa com cultivos de maconha e papoula em La Cumbre, no município hondurenho de La Iguala. Foto: Cortesia da Polícia Nacional.
Efetivos policiais durante a apreensão da estufa com cultivos de maconha e papoula em La Cumbre, no município hondurenho de La Iguala. Foto: Cortesia da Polícia Nacional.

La Iguala, Honduras, 17/3/2014 – A destruição de uma sofisticada estufa com cultivos de maconha e papoula, na montanha La Cumbre, alertou as autoridades de Honduras de que esse país deixou de ser apenas de trânsito de drogas ilícitas, para também ser produtor e processador. Foi a primeira vez que se encontrou no país cultivos de papoula, das quais na América Central só existiam, até agora, registros na região guatemalteca de El Petén. A pasta de papoula serve de base para fabricar a heroína, uma droga muito viciante e cujo consumo ressurgiu.

Em 31 de janeiro, as autoridades anunciaram a descoberta da estufa altamente técnica na empinada montanha, a 1.600 metros de altitude e a 400 quilômetros da capital Tegucigalpa, na vila La Cumpre, no município de La Iguala em um lugar visitado pela IPS e ao qual se chega por caminhos aptos apenas para alguns veículos rústicos e a cavalo.

Na subida se passa por cinco vilas entre flores silvestres e cafezais próprios do departamento de Lempira, e pelos difíceis caminhos rachados e estreitos, de terra úmida, quando não de pura lama, que ficam intransitáveis a partir de maio, na época chuvosa.

No final do trajeto apareceram os despojos da estufa, de 40 metros de largura por cem de comprimento, onde havia 1.800 plantas de papoula e 800 de maconha da variedade holandesa. Era uma instalação climatizada, graças a uma unidade elétrica, com um moderno sistema de irrigação e equipamentos de alto rendimento.

Carlos Mejía, subcomissário da Polícia Nacional em Lempira e que liderou a apreensão, contou à IPS que “temos suspeitas de que existem muitas mais dessas plantas nas montanhas do ocidente, por isso estamos fazendo uma operação pente fino em toda a região”.

Na operação foram detidas duas pessoas, o colombiano Rubén Darío Pinilla e o hondurenho Orlando Jacinto Miranda. Este último era um funcionário de Pinilla, que além da estufa produzia hortaliças em sua propriedade, como “fachada” para a atividade ilegal, explicou Mejía.

Outro policial que esteve na ação afirmou à IPS que a propriedade está em nome de alguém da região que é investigado e que pode ser o testa de ferro de outra pessoa. Também se suspeita que já houve aqui outras safras de papoula e maconha.

Na comunidade de El Matazano, ao pé da montanha, uma professora disse à IPS, pedindo para ser mantida no anonimato, que “já era tempo de pegarem essa gente”. Ela contou que “pelos caminhos de ferradura se via há algum tempo veículos de tração dupla durante a noite, carregados com barris plásticos, e as pessoas diziam que nessa montanha se plantava maconha, mas isso de papoula é novidade para nós”.

O prefeito de La Iguala, Marcio Orlando Miranda, detalhou à IPS que Pinilla havia sido capturado em julho de 2013 pelo corte ilegal de floresta, justamente na área onde foi encontrada a estufa, mas estranhamente foi libertado. “Houve conluio com a autoridade”, afirmou. Pinilla está preso, aguardando julgamento pelo crime de tráfico de drogas, enquanto se investiga os responsáveis por sua libertação no ano passado e um promotor já foi suspenso por esse caso.

O prefeito Miranda pontuou que há algum tempo “está vindo gente estranha e se afirma que muitas propriedades locais estão sendo semeadas com maconha e por essa tal de papoula, da qual nunca antes se ouvira falar”. La Iguala é um município de 27 mil habitantes que se dedica ao cultivo de milho, feijão e especialmente café. Para atender suas 26 aldeias e 86 vilas conta com apenas uma equipe policial de cinco homens mal armados

A operação que desmantelou a estufa foi organizada em Tegucigalpa pela equipe antidroga da Polícia Nacional e foi comandada por sua delegação de Lempira, também muito precária em efetivos, equipamentos e veículos para enfrentar o poderio dos narcotraficantes. As autoridades suspeitam que em departamentos vizinhos, como Ocotepeque e Copán, na fronteira com Guatemala e El Salvador, existam plantações de papoula. Lempira também faz limite com El Salvador.

Em fevereiro, na região de Nueva Arcadia, em Copán, a polícia encontrou um laboratório clandestino, que seria usado para o processamento de droga, junto com túneis subterrâneos, máquinas pesadas e um suposto heliporto. Nueva Arcadia e La Iguala são áreas deprimidas economicamente, incrustadas em frondosas montanhas. Mas não são as únicas com indícios de que o narcotráfico está mudando de pele em Honduras, desde os anos 1970 zona de trânsito e agora um país onde se cultiva, processa e até se comercializa a droga, isto em menor escala.

Eugenio Sosa, sociólogo e docente universitário, assegurou à IPS que Honduras “há tempos deixou de ser país de trânsito. Há indícios de que a penetração do narcotráfico é muito mais profunda, e a plantação de papoula só reflete uma das muitas modalidades do crime organizado”.

“As autoridades buscam apresentar como êxito essas descobertas, mas pode-se perguntar: ‘Se apreende mais droga porque passam maiores quantidades, porque se está produzindo ou processando, ou porque as autoridades são mais eficiente?’, ressaltou Sosa. “Sobre este último, tenho minhas dúvidas”, opinou.

A especialista em temas de segurança Mirna Flores atribui essa expansão, do crime para o deslocamento das rotas do tráfico de drogas, à guerra contra os cartéis no México, que leva essas máfias a disputarem agora o território centro-americano. “Por sua localização geográfica, Honduras é um país atraente para os cartéis e estes são sofisticados em suas estratégias de expansão, alimentando a corrupção e a impunidade”, apontou Flores à IPS. Para ela, “por essa razão acontece esse tipo de cultivo ou laboratório de processamento”.

Nesse país de 8,5 milhões de habitantes operam principalmente o Cartel do Atlântico, no norte da costa caribenha, e o Cartel dos Vales, no ocidente. Os analistas afirmam que a descoberta de papoula obriga o governo a ser mais efetivo para golpear os pequenos cartéis que operam no país e com isso seus operadores políticos e econômicos.

As autoridades asseguram que 80% das drogas ilegais que transitam pela região centro-americana rumo ao grande mercado consumidor dos Estados Unidos passam por Honduras, e vinculam este fato a um dos maiores índices de violência do mundo, com média de 19 homicídios diários.

Dados do Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime mostram que em 2012 Honduras foi o país latino-americano com maior proporção de homicídios: 81,9 em cada cem mil habitantes. A maioria dessas mortes violentas é de jovens e, embora a investigação penal seja muito fraca, pela forma como ocorre a maioria desses assassinatos, os especialistas em criminalidade consideram que se devem a batalhas pelo controle territorial e ajustes de contas.  Envolverde/IPS