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Para o negócio da moda na Etiópia, nada melhor que a tradição

Uma modelo apresenta um vestido de YeFikir. O reconhecimento internacional dos desenhos africanos, e em particular etíopes, é em parte resultado da demanda cada vez maior por roupa produzida de modo ético. Foto: Kyle La Mere/IPS
Uma modelo apresenta um vestido de YeFikir. O reconhecimento internacional dos desenhos africanos, e em particular etíopes, é em parte resultado da demanda cada vez maior por roupa produzida de modo ético. Foto: Kyle La Mere/IPS

 

Adis Abeba, Etiópia, 26/3/2014 – As mulheres que se dedicam a criar moda na Etiópia lançam mão de seu rico patrimônio cultural e o mesclam com modernidade para conseguir êxito local e alcance internacional. O desenho de modas está demonstrando ser um dos setores mais dinâmicos do país, com pequenas empresas e margens de lucro de 50% até mais de 100%, segundo Mahlet Afework, de 25 anos, fundadora da linha Mafi em Adis Abeba.

Esse país africano é o sonho de qualquer estilista por sua diversidade de grupos étnicos, que são fonte de inspiração, disse Afework à IPS. Sua coleção mais recente se baseou nos desenhos de Dinguza, da região de Chencha, ao sul. Pequenas empresas como a sua podem florescer diante da falta de grandes redes e pelos custos relativamente baixos de abrir um negócio, em comparação com os elevados preços que o público está disposto a pagar por roupas de qualidade feitas à mão.

A economia em geral se beneficia do interesse internacional na indústria têxtil e do vestuário da Etiópia. As pequenas empresas, que empregam no máximo dez trabalhadores, venderam para o exterior US$ 62,2 milhões em 2011, contra US$ 14,6 milhões em 2008. O governo acredita que essa indústria pode alcançar uma produção com valor agregado de US$ 2,5 bilhões até o final de 2015.

Um tecido de algodão branco feito em tear tradicional etíope. Foto: Salima Punjani/IPS
Um tecido de algodão branco feito em tear tradicional etíope. Foto: Salima Punjani/IPS

 

Os que se dedicam com êxito ao desenho de moda são, sobretudo, mulheres, segundo Afework e outras colegas que cresceram cercadas por tecidos de algodão feitos do modo tradicional, aprendendo com suas mães e tias as habilidades da confecção e o bordado de roupas bonitas e delicadas. Esta herança de inspiração feminina não se esquece. Afework trabalha exclusivamente com mulheres tecelãs, que mantêm a si mesmas e suas famílias, apesar de o setor têxtil ser dominado por homens.

Mesmo que muitas estilistas contem com a vantagem de terem aprendido em casa a arte da moda, sem educação formal têm dificuldade de acesso ao mercado internacional, explicou Afework, que é autodidata e atribui ao Google o mérito de ser seu principal tutor. Outro problema na arena internacional é concretizar as vendas.

Considerada uma jurisdição de alto risco em matéria de corrupção e lavagem de dinheiro, a Etiópia sofre penalidades pelas quais não há bancos estrangeiros instalados no país. E frequentemente os clientes internacionais são reticentes em pagar através de contas africanas, disse à IPS a estilista Fikirte Addis, fundadora da YeFikir Design, com sede em Adis Abeba. Atualmente a empresa tem de vender por intermédio do Polo de Desenho da África, uma loja virtual operada nos Estados Unidos e fundada em 2013 por duas mulheres ocidentais para divulgar a moda africana.

“Após viver na África oriental por vários anos, vimos o potencial dos desenhos africanos no mercado mundial”, contou à IPS a cofundadora da loja, Elizabeth Brown. Ela também observou uma brecha entre a indústria e os consumidores mundiais, que o Centro de Desenho da África busca superar. No momento, quase todos os clientes do polo estão nos Estados Unidos, embora os planos para este ano sejam iniciar a venda para Canadá e países asiáticos como Coreia do Sul, Japão e Taiwan, que mostraram interesse no artesanato e na moda da África.

O sucesso do desenho de moda na Etiópia também depende de abraçar o presente, sem perder de vista o passado, destacou Addis. Todas as peças da YeFikir são confeccionadas à mão ou em teares tradicionais com técnicas que datam de séculos, quando os etíopes faziam suas próprias roupas. “Me encanta o aspecto tradicional das roupas”, disse Rihana Aman, dona de uma cafeteria em Adis Abeba que visitou a loja da YeFikir para comprar um vestido de noiva. “Agora há muitos vestidos extremamente modernos, e usam tecidos nos quais se perde o sentido de ser etíope”, ressaltou à IPS.

Addis trata diretamente com as tecelãs para garantir que as habilidades e a renda permaneçam nas comunidades, e que as práticas sejam éticas. Na indústria têxtil existe exploração do trabalho infantil, afirmou. Pelo tempo e trabalho que consome a produção das roupas, os vestidos da YeFikir podem ser vendidos por até US$ 850, em um país onde muitos trabalham duramente para ganhar US$ 3 por dia.

Apesar de tão evidentes desigualdades, muitos etíopes, especialmente a crescente classe média, estão contentes em pagar somas elevadas por roupas sob medida que mantêm as influências tradicionais, enfatizou Afework. Os etíopes se orgulham muito de sua diversidade étnica. Aqui são falados 84 idiomas e 200 dialetos, acrescentou.

A linha criada por Afework, a MAFI, se especializa em roupas prêt-à-porter (prontas para usar), com um toque de notável originalidade no cadinho étnico do país. E esse toque tem resultado. Em 2012, Afework exibiu seus modelos na Semana da Moda Africana de Nova York. Porém, ainda há preconceitos. Em um voo europeu, ela estava sentada ao lado de um passageiro que se surpreendeu ao ouvir que na Etiópia há estilistas de moda.

“A Etiópia tem um artesanato maravilhoso”, afirmou à IPS o prestigiado estilista Markus Lupfer, radicado em Londres, que desde 2010 trabalha com colegas etíopes. Esse crescente reconhecimento internacional é em parte resultado de uma demanda cada vez maior por uma moda produzida com ética, pontuou Lupfer.

Entretanto, no momento, esse reconhecimento ainda evita muitos estilistas etíopes. Embora a demanda local seja importante, os estilistas concordam que a internacionalização é a chave do sucesso. Daí Afework e Addis buscarem colocar suas empresas na internet. Ambas compartilham o objetivo de exportar para lojas físicas e online e querem mostrar ao mundo o que são capazes de fazer. “A indústria da moda está mudando a imagem da Etiópia. Está mostrando a diversidade e a beleza da cultura etíope e entregando alguns dos melhores tecidos artesanais de algodão do mundo”, enfatizou Addis. Envolverde/IPS