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Enfrentamentos dão lugar a doenças entre refugiados na Síria

As comemorações pela ajuda alimentar no acampamento de refugiados de Yarmouk, em Damasco, tiveram vida curta. Foto: Mutawalli Abou Nasser/IPS
As comemorações pela ajuda alimentar no acampamento de refugiados de Yarmouk, em Damasco, tiveram vida curta. Foto: Mutawalli Abou Nasser/IPS

 

Damasco, Síria, 1/4/2014 – Os repórteres cinematográficos partiram depois de cobrirem a chegada da ajuda alimentar ao acampamento de refugiados de Yarmouk, em Damasco. Agora, quando já não se considera que esse bairro seja notícia, a fome, a violência e as enfermidades voltam a atormentar os palestinos ali perdidos. Só naquele momento o acampamento foi notícia. Após meses de fome e morte à sombra da guerra civil síria, em janeiro chegaram pacotes de alimentos… com câmeras nas costas.

Os refugiados inundaram as ruas, em um rio de desespero, para reclamar as primeiras entregas da ajuda que conseguiram entrar na área sitiada. Homens adultos se desfizeram em lágrimas ao interromper-se, momentaneamente, seu terror e isolamento. Mas os repórteres cinematográficos foram embora, e a fome, a violência, as doenças voltaram a atormentar os que vivem no acampamento.

O de Yarmouk costumava agrupar a maior comunidade de palestinos que viviam na Síria e que chegaram após as guerras de 1948 e 1967. Era um bairro florescente e vibrante da capital, com mais de cem mil habitantes. No final de 2012, o acampamento ficou envolto em um conflito civil cada vez mais intenso. Os rebeldes travam batalhas longas e sangrentas com as forças do presidente Bashar al Assad.

Yarmouk enfrenta sítios táticos, bombardeios indiscriminados e fogo de franco-atiradores, como outros bairros. A estratégia parece ser dominar populações inteiras, e parece ter sucesso. Em muitas das áreas sitiadas, incluindo Yarmouk, os rebeldes acordaram uma frágil trégua com as forças do governo e suas milícias aliadas no começo do ano. Foram mediados vários acordos locais para suspender os enfrentamentos, bem como para permitir que entrassem e saíssem alimentos, remédios e civis.

O alívio do sítio e da guerra em janeiro foi tão curto como desesperador. “A Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) está profundamente preocupada pela desesperadora situação humanitária em Yarmouk e pelo fato de que o reiterado recurso à força armada tenha desbaratado seus esforços para aliviar a desesperada situação dos civis”, afirmou em um comunicado o porta-voz dessa entidade, Chris Gunness.

Até há pouco, voluntários trabalharam para manter algum sistema educacional rudimentar para crianças e adolescentes presos no acampamento. Por não ter apoio institucional, fizeram o que puderam para garantir que o conflito não deixasse uma geração perdida. Agora, os professores voluntários tiveram que encerrar as aulas.

Não foram só as bombas e os franco-atiradores que interromperam seu trabalho, mas também as enfermidades. O colapso do sistema de saúde, a escassez crônica de alimentos e água limpa, e o acúmulo de lixo, combinam para dar lugar a várias epidemias.

“Um de nossos estudantes desmaiou na aula, o levamos ao hospital e foi diagnosticada hepatite”, disse Jalil Jalil, professor fundador do improvisado projeto escolar, ouvido pela IPS. “Então fizemos exames em todos nossos estudantes e constatamos ao menos mais sete casos. A propagação desta e outras doenças contagiosas implica tomar uma decisão para deixar de convocar aulas”, acrescentou.

Para piorar as coisas, voltaram os combates. “A recente trégua fracassou, e a quantidade de vacinas e outros medicamentos que entrou no acampamento não foi suficiente nem minimamente para tratar as enfermidades que vemos propagar no lugar, especialmente entre meninos e meninas”, disse à IPS Wissam Al-Ghoul, trabalhador comunitário no local Hospital Palestina.

Os combatentes dos dois lados usaram as quantidades insuficientes de ajuda que entrou no acampamento para recompensar sua própria gente. “Membros do serviço de segurança nos postos de controle confiscaram parte da ajuda para distribuir entre sua gente, e combatentes rebeldes roubaram uma parte para suas famílias e pessoas próximas a eles. Não há ordem, sofremos por isso”, enfatizou Abou Salmi, organizador da assistência alimentar.

Acredita-se que cerca de sete mil pacotes de ajuda venceram o bloqueio em janeiro. A URWA admite que isso foi “uma gota no oceano” para as cerca de 20 mil pessoas presas no acampamento. No período em que foi levantado o sítio, as forças do governo e as facções palestinas aliadas a elas sequestraram muitos dos suspeitos de apoiar os rebeldes, inclusive crianças.

Pelo menos 30 homens e adolescentes foram detidos, e se desconhece seu paradeiro. “Membros dos serviços de segurança sírios, junto com seus aliados do PFLP-GC (uma facção palestina aliada do governo sírio) detiveram pelo menos dez homens jovens diante dos meus olhos. Também sabemos de pessoas atraídas para edifícios afastados que acabaram sequestradas”, disse uma funcionária da UNRWA que integrava a equipe que vigiava a ajuda alimentar, que pediu para não ser identificada.

Cada lado culpa o outro pela interrupção do cessar-fogo. “O regime não liberou nenhum dos presos que havia prometido soltar, nem garantiu a passagem segura de alimentos”, disse Abu Jitaab, do batalhão rebelde extremista Jubhet al-Nusra. “Nos retiramos totalmente do acampamento, como havíamos acordado, mas, em lugar de libertar os presos, o regime começou a sequestrar jovens estudantes e ativistas e a ocupar alguns prédios dentro do acampamento. Não pudemos tolerar isso, então voltamos e reiniciamos a batalha”, explicou.

Independente de quem seja o responsável por violar o acordo que estabeleceu o cessar-fogo, para os inocentes que vivem no acampamento de Yarmouk a realidade voltou a apresentar as mesmas dificuldades: volta a um encarceramento virtual e ao caos da luta. E agora também com as doenças. Envolverde/IPS